“Não podemos falar de multiplicador de gastos sem tratar do equilíbrio geral da economia”, diz Silvia Matos, em evento do Ipea

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em 2023, além da surpresa positiva do agronegócio para o PIB, de 15,1%, refletido em um crescimento das exportações de 9,1%, pelo lado da demanda também se destacaram os sinais trocados entre consumo das famílias – que cresceu 3,1%, ligeiramente acima do agregado do PIB – e investimento, com queda de 3%.

Tal como Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE destacou em entrevista para a Conjuntura Econômica de março (leia aqui), a demanda de serviços pelas famílias foi outro elemento fora do radar dos analistas em 2023 – algo visto não só no Brasil, o que sinaliza possíveis mudanças estruturais no padrão de consumo de serviços que precisam ser consideradas.

Convidada a participar do Seminário de Conjuntura Econômica do IPEA, na semana passada, Silvia reforçou essa análise. No agregado do consumo  das famílias, especialmente nas classes de mais baixa renda, Silvia lembra que houve o impacto do aumento em 1 ponto percentual de PIB em transferências, no caso, benefícios do Bolsa Família. Combinado com a queda da inflação de alimentos, disse, o efeito desse gasto na atividade se potencializou.

Silvia destacou, entretanto, que o espaço fiscal é curto para se buscar novos impulsos via gasto público, independentemente da área beneficiada. “No caso de aumento de gasto recorrente – que é uma escolha tanto do Executivo quanto do Congresso – a Lei de Responsabilidade Fiscal determina a indicação de receita recorrente compatível para essa expansão. O que vemos, entretanto, é uma inconsistência generalizada, ao se votar propostas e depois correr atrás da arrecadação para cobri-la”, afirmou, classificando essa prática como o “pecado original” das contas públicas brasileiras, presente em diversos governos.

Silvia apontou que o aumento dos salários no setor de serviços acima da evolução da produtividade é um sinal preocupante, que pode cobrar um preço na dinâmica da inflação e da política monetária. “Se o hiato do produto fosse grande, não me preocuparia. Mas quando temos aceleração de crescimento com estímulos fiscais – muitas vezes meritórios, pois precisamos ampliar o investimento –, é diferente”, alertou, lembrando que a literatura mostra que os resultados de multiplicadores fiscais são mais positivos quando a economia está crescendo aquém de seu potencial e há espaço para expansão sem o risco de pressionar a inflação. “Sob uma conjuntura de alta ociosidade, até investimentos de péssimo retorno terão resultados ótimos.” Um sinal de que esse espaço pode não ser tão grande, exemplificou, são as manifestações de empresários nas Sondagens do FGV IBRE sobre a dificuldade em obter mão de obra qualificada. Um caso de destaque é o do setor da construção (leia mais aqui)

“Um multiplicador também pode ser maior ou menor dependendo de como se financia os gastos. Não podemos falar de multiplicador de gastos sem tratar do equilíbrio geral da economia”, declarou Silvia, indicando que, se o déficit público é alto, menor a margem de manobra para financiar expansões de gasto.

A economista do IBRE destacou que sua principal preocupação para 2024 é de um impulso econômico acima da capacidade do país que faça a inflação de serviços subir, em especial com o aumento de salários acima da produtividade, reforçou, citando o acompanhamento realizado pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli. “Para alimentos, temos uma visão otimista. Mas temos o La Niña no radar, que pode gerar mais seca, com possíveis efeitos na agropecuária já em 2024”, ponderou.

Para bens industriais, Silvia destacou que a recuperação esperada se dá por dois principais aspectos. “O primeiro é a flexibilização da política monetária, com a queda dos juros”, diz, o que possibilitará um aumento da atividade de forma mais disseminada. “No ano passado, o resultado negativo da indústria de transformação (-1,3%) teria sido pior se não fosse a alta em atividades mais relacionadas às commodities agropecuárias e extrativas – alimentos, refino, coque e biocombustíveis”, afirmou. Outro elemento, que penalizou o resultado em 2023, foi a antecipação de compras de veículos em 2022 induzida pela entrada em vigor, em 2023, do programa de controle de poluição, cujas exigências encareceram esses veículos.

Para este ano, o Boletim Macro de abril aponta crescimento de 2% do PIB, com contração de 3,4% da agropecuária (em função de eventos climáticos e a alta base de comparação de 2023), 2,3% para a indústria de transformação e 2,1% em serviços. Para o consumo das famílias, o Boletim aponta uma alta de 1,5% e, para o investimento, 4,2%.

Também presente no seminário, o economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, ressaltou sua preocupação com a evolução do mercado de trabalho. “É preciso observar que o rendimento médio real das faixas mais altas não cresce, e o das três faixas mais baixas evoluiu também por influência da política social”, afirmou. “Se olhar para o salário de admissão, ele não só está estagnado como dá sinais de queda. E, em 2023, uma parte considerável do emprego formal gerado foi abaixo de dois salários mínimos”, destacou, defendendo que, qualitativamente, o mercado de trabalho não demonstra o celebrado dinamismo, cujo movimento tampouco pode ser sustentável diante de uma desaceleração do ritmo de crescimento.

Outro elemento destacado por Carneiro é o atual perfil do mercado de crédito (tema da Conjuntura Econômica de março). “Os dados do Banco Central não são otimistas”, afirmou, destacando a persistente alta de linhas mais caras entre pessoas físicas. “Crédito é juro futuro. Com uma taxa média de 28%, e o crescimento de linhas de pior qualidade, é difícil reverter esse quadro rapidamente”, afirmou, destacando ainda a forte queda no nível de gasto público prevista para este ano, ainda que permaneça no terreno positivo. “Independentemente do multiplicador de cada tipo de gasto, será um impacto grande.”

 


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