“Municípios com melhor cobertura de saneamento investem quase três vezes mais do que os com pior cobertura”

Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Desde fevereiro, o Instituto Trata Brasil - principal referência entre sociedades civis no acompanhamento da situação do saneamento no Brasil - está sob nova direção. Luana Siewert Pretto assumiu a presidência-executiva do Instituto depois de vestir vários chapéus dentro do setor. A engenheira civil começou como concursada na companhia de saneamento de Santa Catarina (Casan), foi presidente da companhia de saneamento de Joinville, município onde também trabalhou na Secretaria de Meio Ambiente, e atuou como diretora de relações institucionais e governamentais na Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento (Asfamas), sua última parada antes de chegar ao Trata Brasil. Nesta conversa para o Blog, Luana analisa alguns resultados do Ranking do Saneamento 2022.  O estudo, que é uma parceria do Instituto com a GO Associados, classifica os 100 maiores municípios brasileiros em termos de população a partir de dez indicadores pesquisados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2020. A executiva também fala das perspectivas de universalização com o novo marco do sneamento.

Nos últimos anos, o trabalho do Instituto Trata Brasil esteve estreitamente ligado com o debate sobre a aprovação de um novo marco legal para o saneamento, como a própria Conjuntura Econômica pode acompanhar, nos seminários que promoveu sobre o tema. Com o marco sancionado em 2020, e as concessões avançando, qual a agenda do Instituto que lhe cabe liderar?

O grande desafio agora é que efetivamente o Marco do Saneamento se cumpra. Efetivamente, o Instituto Trata Brasil teve a tarefa de auxiliar na implementação do novo marco, mobilizar a sociedade para entender a importância desse setor. E a mobilização continua, pois precisamos que a população entenda e cobre de seus governantes para que haja investimento em saneamento, solução para os casos mais críticos, onde os indicadores não evoluem.

No momento, nossa grande preocupação é de que sejam dadas soluções às métricas intermediárias do marco. Por exemplo, até 31 de dezembro as companhias de saneamento e concessionárias tiveram que enviar uma comprovação de capacidade econômico-financeira – ou seja, mostrar disponibilidade de recursos financeiros ou condições de endividamento para fazer frente às metas de universalização estabelecidas no marco. E, até final de março, a agência reguladora precisava dar um parecer a respeito dessa comprovação. Para as regiões onde houve comprovação, o que precisa ser feito agora é trabalhar pela eficiência operacional, para se ganhar agilidade na execução das obras que permitam melhorar os indicadores. Mas houve sete estados (Acre, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí, Roraima e Tocantins) que sequer apresentaram esse documento. Geralmente, são lugares onde temos os maiores problemas de saneamento.

No dia 1 de abril, o Governo Federal publicou um decreto no qual apresenta que esses casos irregulares perante a lei do novo marco precisam apresentar uma proposta de solução até dia 30 de novembro. Ou seja, se não há capacidade econômico financeira, terão de contratar estudo de modelagem para a concessão do serviço de saneamento (esses estados ainda terão até março de 2024 para publicar edital de licitação para concessão do serviço, e até março de 2025 para substituir os contratos vigentes por contratos de concessão, sob pena de ter de ressarcir os recursos públicos federais que tenha recebido nesse período). Nós, como Instituto, precisamos sempre mobilizar a população para que as respectivas prefeituras, que são as titulares do serviço de saneamento, cobrem solução para esses casos.

Como avalia a solução apresentada pelo governo à falta de cumprimento de prazos por essas companhias estaduais?

Considero adequada, porque mantém o critério da comprovação da capacidade econômico-financeira, que é o mais correto. Os resultados do Ranking do Saneamento que lançamos recentemente mostram que os avanços dos indicadores estão estreitamente relacionados ao investimento. Ele aponta que, enquanto entre os 20 municípios mais bem posicionados registram um investimento médio anual de R$ 135 por habitante, entre os últimos 20 do ranking esse valor é de R$ 48. Ou seja, quanto mais invisto, mais obras são feitas, e maior é o acesso aos serviços de água e esgoto. E se não há comprovação de capacidade para investir, não há como vislumbrar essa ampliação.

Média de indicadores entre as 20 melhores e as 20 pioers cidades
Ranking do Saneamento 2022


Fonte: Instituto Trata Brasil, GO Associados  – O ranking analisa os 100 maiores municípios brasileiros em população.

Outro elemento que se espera ser impulsionado pelo novo marco é a formação de estruturas regionais para a prestação desse serviço. Como concretizar esse potencial?

É um desafio bastante grande. Eu diria que o fundamental é a sensibilização e o entendimento dos prefeitos a respeito do novo marco, para identificar quais as possíveis soluções que se pode dar em cada microrregião de acordo a sua geografia, o que ele precisa cobrar em um contrato de concessão, quais as suas responsabilidades como detentor desse serviço tão essencial. Isso envolve mobilização, treinamento, e o entendimento dos prefeitos sobre os estudos de modelagem. Hoje temos o BNDES e a Caixa Econômica desenvolvendo esses estudos, mas a demanda é grande, nas diversas regiões no Brasil. A titularidade do saneamento é sempre do município, portanto é dos prefeitos que serão cobrados esses resultados adiante. E conhecimento é fundamental nessa tomada de decisões.

A nova edição do ranking demonstra que os maiores gargalos do setor ainda se encontram nas regiões Norte e Nordeste, mas que mesmo sob um contexto de precariedade existem exceções. Como as de Vitória da Conquista (BA) e Campina Grande (PB), os únicos municípios do Nordeste que estão entre os 20 primeiros lugares. Qual o diferencial que os permite desviar-se da realidade dos demais?

Geralmente, os municípios que têm bom posicionamento no ranking são os que contam com um plano municipal de saneamento básico bem estruturado, com metas claras previstas em contrato. E a fiscalização de uma agência reguladora forte, cobrando que essas metas sejam executadas. Isso é bem visível nos estados do Paraná e de São Paulo, que dominam o topo do ranking, com 14 dos 20 primeiros lugares. Vale destacar também a importância de governos municipais que também priorizem esse investimento e cobrem sua execução às companhias operadoras do saneamento. Veja, por exemplo, o caso de Vitória da Conquista. A responsável pela prestação desse serviço é a companhia estadual (Empresa Baiana de Águas e Saneamento - Embasa), que também cuida de outros três municípios em posições bem diferentes no ranking: Salvador (39⁰) Feira de Santana (69⁰) e Camaçari (77⁰). No ranking de 2013, por exemplo, a cobertura de esgoto em Vitória da Conquista era de 62%, hoje está em 83%. No geral, municípios que apresentam avanços assim têm metas estabelecidas, que são cobradas, e contam com o investimento para fazer frente a elas.

O mesmo se observa entre os municípios que nos últimos anos saíram da lanterna do ranking, como Olinda (PE) e Natal (RN)?

Sim, o foco em investimento é chave. Na ponderação do ranking, 25% da nota vem da avaliação da ampliação do número de atendimentos e do investimento em relação à arrecadação. Assim, mesmo que estejam com indicadores baixos, alguns municípios saem da “zona de rebaixamento” por estar investindo mais, pois com isso indicam uma tendência de melhora.

Com os leilões já realizados no Norte/Nordeste em 2020 e 2021 (Alagoas e no Amapá), que já prevêem em seus contratos de concessão metas claras, e os investimentos que precisam ser realizados para concretizá-las (os investimentos previstos são de R$ 6,7 bilhões - em três blocos no AL - e R$ 3,1 bilhões no AP), é possível que em dois anos já comecemos a ver mudanças mais significativas no perfil dessas cidades no ranking, aos quais devem se somar outras adiante (somente no BNDES, estão em estudos técnicos os projetos de concessão das operações de saneamento no Sergipe e na Paraíba, abrangendo o atendimento de 2,6 milhões de pessoas, além do Ceará, que se encontra em aprovação dos órgãos de controle). É uma curva longa de investimentos, por isso os efeitos ainda surgirão mais à frente.

20 melhores e 20 piores do Ranking do Saneamento


Fonte: Instituto Trata Brasil, GO Associados  – O ranking analisa os 100 maiores municípios brasileiros em população.

Quais ações o Instituto Trata Brasil prevê desenvolver?

Pretendemos realizar um estudo que demonstra como está o andamento do marco, quais regiões já cumpriram métricas intermediárias, e outro sobre ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) no saneamento básico. E continuar trabalhando na conscientização da sociedade, para que possa entender a importância do saneamento. Nesta edição do ranking, buscamos destacar a importância do investimento no setor, mostrar que um município que está entre os piores colocados nunca sairá dessa zona de rebaixamento se não melhorar seu volume de investimento. A partir do momento em que a população entende essa importância, cobra dos governantes para que melhorias sejam feitas, e mudam a realidade.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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