MP de socorro às elétricas posterga repasse ao consumidor de aumento do custo de geração

Diogo Romeiro, pesquisador do FGV Ceri

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nesta segunda-feira (13/12), o governo federal publicou a Medida Provisória 1078/21, sinalizando um novo socorro financeiro ao setor elétrico, que teve seus custos de geração ampliados devido à escassez hídrica e o aumento de preços dos combustíveis, o que inclui o gás usado nas termelétricas. Além de ajudar a cobrir a despesa das distribuidoras com a contratação de energia mais cara que a bandeira tarifária extraordinária não tem sido capaz de cobrir, o empréstimo que será oferecido evita um tarifaço em 2022. Com isso, o pagamento pelo consumidor, que continua sendo o responsável por saldar essa conta, só passa a acontecer no fim da carência dessas operações, de forma diluída.  

Cálculos da área técnica da Aneel divulgados em novembro apontam que, sem essa ajuda extra, seria necessário um ajuste médio de 21% nas contas de luz no ano que vem. “Além de cobrir a defasagem entre a arrecadação com a bandeira extraordinária – de R$ 14,2 por kW/h, em vigor desde setembro, com previsão de término em abril de 2022 – e o aumento de custo, calculada em cerca de R$ 13 bilhões, esse crédito também deverá cobrir os valores envolvidos na contratação de energia termelétrica de reserva para o período de maio de 2022 ao final de 2025, feita em um leilão simplificado em outubro, que envolve R$ 9 bilhões extras somente no ano que vem”, destaca Diogo Romeiro, pesquisador do Centro e Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV (FGV Ceri).

Inflação dos combustíveis ampliou pressão de custos
(valor médio semanal do custo marginal de operação, em R$/MWh, dos subsistemas)


Fonte: ONS. OBS: o subsistema do Nordeste registrou custo marginal mais baixo na última semana de agosto e primeira de setembro de, respectivamente, R$ 996 e R$ 968 por MW/h.

A ajuda acontecerá através de operações financeiras no modelo da Conta ACR, adotada em 2014 para cobrir o setor dos impactos provocados pela MP 579 – que visava à renovação antecipada de concessões de geração e transmissão em troca de modicidade tarifária, cujo desenho resultou em um sinal de mercado oposto ao necessário para enfrentar a crise hídrica que viria na sequência. E que foi repetido no ano passado, com a Conta-Covid, que garantiu uma operação financeira de R$ 15,3 bilhões para que as distribuidoras pudessem honrar seus contratos junto às geradoras, após o impacto com a redução de consumo e aumento da inadimplência provocado pela pandemia.

“Em 2020, as operações foram realizadas em outro contexto, de juros baixos, o que ajudou a legitimar a iniciativa. Agora, entretanto, o custo de carregamento para diante tende a ser maior”, aponta o pesquisador do Ceri. Romeiro reconhece que o momento político é delicado, o que reduz a margem de manobra do governo. Contudo, ressalta que essa conta poderia ser menor se o Executivo houvesse liderado um racionamento compulsório de energia, ainda que a medida também seja impopular. “O incentivo de desconto nas tarifas foi comunicado de maneira tímida, e não parece que gerou um efeito significativo”, diz. Dados EPE apontam que o consumo residencial de energia elétrica observado este ano, até outubro, esteve alinhado ao de 2020.

Para Romeiro, essa nova etapa de contenção de choques – o sanitário em 2020, e agora a crise hídrica – reforça a necessidade de se enfrentar o debate de questões estruturais do setor ainda malresolvidas. “Temos o desafio de revisar a contratação de energia no país. A alocação de risos do parque hidrelétrico é um problema que não é de hoje. Temos a geração distribuída se expandindo em termos favoráveis para quem a está adotando, mas sob uma dinâmica em que se avolumam subsídios cruzados cujas consequências precisam ser avaliadas”, cita. “Há temas estruturais pendentes na comercialização, contratação, sobre os quais ainda estamos patinando”, reforça, indicando que lançar mão da atual regra de bolso à cada crise não permite sanar esses problemas. “Promover uma sequência de MPs abre porteira para diversas emendas, com risco de se ter uma colcha de retalhos mais difícil de equacionar no futuro.”

Déficit da bandeira tarifária
(em R$ bilhões)


Fonte: Aneel.

O pesquisador do Ceri defende que o próximo governo deverá olhar com atenção para essas questões, visando à busca de ferramentas de reequilíbrio que amenizem o custo para os consumidores, o qual tem ficado cada vez mais pesado, diz. A MP apresentada pelo governo, aliás, não assegura que o uso de bandeiras tarifárias extraordinárias não se amplie em valor ou no tempo em 2022. O texto prevê que esse tema passa a ser de responsabilidade do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), sob o comando do ministro de Minas e Energia, já que a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), que definiu a atual bandeira, tinha caráter ad hoc e já foi extinta.

 


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