Livro contribui para o debate sobre as 129 concessões do setor elétrico que vencerão nos próximos anos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na próxima década, o setor elétrico brasileiro irá enfrentar uma fila não desprezível de vencimento de concessões, entre as quais estão as associadas à privatização de concessionárias nos anos 1990. Serão 129 contratos entre geração, transmissão e distribuição, que terão de ser renovados ou relicitados, em meio a desafios que vão desde os herdados por um histórico de instabilidade de regras ao de comportar as inovações tecnológicas envolvendo digitalização, descarbonização e descentralização, que tendem a reordenar o setor e demandam um marco regulatório à altura para garantir seu potencial de desenvolvimento.

Em “Concessões do Setor Elétrico - evolução e perspectivas”, os organizadores Mario Engler Pinto Jr, professor coordenador do mestrado profissional da FGV Direito SP, e Joísa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura do FGV (FGV Ceri), articulista da Conjuntura Econômica, apresentam um levantamento detalhado desse cenário. “Trazemos o diagnóstico de uma situação potencialmente problemática, apresentando sugestões de medidas legislativas e também de medidas infralegais, visando à melhoria da regulação setor elétrico e do ambiente de negócios no Brasil”, descreve Engler.

Em webinar que marcou o lançamento do livro, Romario Batista, pesquisador do FGV Ceri, ilustrou a multiplicidade de regimes regulatórios hoje presentes no setor. No segmento de distribuição, por exemplo, as concessões vincendas partem de duas leis e sete regimes regulatórios diferentes; no caso de transmissão, são dois regimes regulatórios, de um total de sete em vigor. Entre as concessões de geração, são cinco leis e 12 regimes regulatórios. “Nos contratos de concessão de usinas hidrelétricas, temos prazos variados, 11 regimes de onerosidade, e um tratamento variado quanto à possibilidade de prorrogação”, diz, com alguns contratos sem cláusula sobre o tema, outros sem previsão e até casos em que esta é vedada, como no contrato da usina Três Irmãos, em São Paulo. Um cenário que alimenta insegurança jurídica e que, como apontado no livro, demanda parâmetros mais uniformes e objetivos para justificar a decisão pública em prol da renovação.

Para subsidiar o debate em torno do aprimoramento do marco do setor, Diogo Lisbona Romeiro, pesquisador do Ceri, indica que o livro analisou experiências internacionais, dos dilemas que outros países enfrentaram em suas renovações de outorga, bem como a experiência em outros setores de infraestrutura, como o rodoviário e o de gás natural. “Uma das proposições feitas no livro é a de criação de indicadores de sustentabilidade das concessões, com base nas dimensões social, ambiental, econômico-financeira, de governança e de infraestrutura e operação”, cita Romeiro. “Olhamos os parâmetros que a própria Aneel já tem, com um manancial de informações que poderiam ajudar a estruturar esses índices, que colaborariam com o poder concedente na hora de embasar suas decisões de prorrogação de contratos”, diz.

“Há espaço e oportunidade para se aprimorar o modelo e conferir maior segurança jurídica ao processo”, garante Batista. “São várias discussões desafiadoras, para que se garanta mais estabilidade e previsibilidade, jurídica e regulatória, para garantir os investimentos no longo prazo”, afirmou no webinar Luiz Falcone de Souza, diretor de regulação da EDP, empresa contratante do projeto de P&D que deu origem ao livro, tendo como proponente a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Carmen Silva Sanches, superintendente adjunta da SPE/Aneel, ressaltou no evento online a estreita relação que as decisões tomadas na próxima década terão para a segurança energética do país. “São dimensões que ampliam a complexidade do debate, e por isso a importância de uma pesquisa aplicada como a registrada no livro”, diz.  “Estamos no meio de uma revolução tecnológica que altera substancialmente o setor, e o planejamento precisa captar essa mudança. E sempre com o objetivo final de garantir que a  energia chegue na porta do consumidor, com qualidade e a um preço que possa ser pago por ele e remunere os investidores”, completa Hélvio Guerra, diretor da Aneel.

Gustavo Manfrim, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia, declarou no webinar que, depois de um período marcado por ajustes regulatórios sob a marcha, é momento de harmonizar regras. “No MME, estamos de fato com essa agenda, para que os próximos contratos tragam benefícios aos consumidores, aliados à  modernização do setor”, afirmou.

Joísa Dutra, diretora do FGV Ceri, afirmou que as pesquisas sobre as concessões no setor elétrico continuarão. “Os objetivos de  digitalização, descarbonização e descentralização que marcam este momento dão lugar a novos modelos de negócios que precisam ser recepcionados e incentivados por esses novos contratos”, afirmou, indicando o horizonte das novas pesquisas. “O desafio do setor agora é tentar entender qual o contrato adequado não para os 30 anos que passaram, mas para os 30 anos que virão”, diz. Para ilustrar o potencial dessas transformações que se avistam no setor, Joísa citou uma análise sobre a operação da PG&E, que atende o estado da Califórnia. A empresa calculou qual seria o investimento necessário para garantir a disseminação de carros elétricos de acordo com as metas de descarbonização estabelecidas no estado americano. “O resultado apontou que seria necessário o triplo do investimento projetado inicialmente pela companhia”, afirma, reforçando que olhar os desafios futuros para essas concessões não significam uma preocupação incremental, mas substantiva.

Contratos de concessão com vencimento até 2032


Fonte: "Conccessões no Setor Elétrico Brasileiro - evolução e perspectivas".

 


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