Fim da desoneração: uma das facetas do difícil debate sobre o preço dos combustíveis

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O debate em torno dos impostos federais incidentes na gasolina e no etanol - desonerados no ano passado até dezembro, com prorrogação por dois meses pelo novo governo - é mais um capítulo da histórica suscetibilidade em torno do preço dos combustíveis que perpassa diferentes governos. Mesmo com preços formalmente livres há duas décadas, marcadas por mudanças na estrutura dessa indústria no Brasil, medidas para atenuar o impacto de altas de preços no bolso dos consumidores não saem da pauta, assim como o debate sobre a gestão dos recursos advindos dessa atividade. 

Esta semana, a escolha do governo Lula foi por uma reoneração parcial de Pis/Cofins, maior para a gasolina. A tributação da gasolina, que em 2022 correspondia a R$ 0,69 por litro antes da desoneração, passou a ser de R$ 0,47 por litro; e a do etanol, que era de R$ 0,24 por litro, passou a R$ 0,02 por litro. Os R$ 6,6 bilhões de frustração de receita projetados pelo governo serão compensados por  um imposto de exportação de óleo bruto, com alíquota de 9,2%. Após os quatro meses de duração dessas medidas, caberá ao Congresso avaliar sua manutenção, revisão ou deixar a MP caducar. A medida foi acompanhada pelo anúncio de redução de preços da gasolina e do diesel vendidos pela Petrobras às distribuidoras, apontado pelo governo como dentro da margem de adequação dos preços domésticos aos de mercado, na regra de preço de paridade de importação (PPI).

Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE que tem estudos sobre os impactos fiscais do setor de petróleo publicados no Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE,  lembra que vários aspectos ainda perpassam esse debate. Há expectativa de alterações na atual política de preços da Petrobras a partir de abril, quando se esperam mudanças no conselho de administração da estatal. Declarações de seu presidente, Jean Paul Prates, apontam a alterações no PPI e na política de dividendos, conciliadas, de acordo a Prates, à manutenção de preços competitivos.

"Embora criticado, não há fórmula mágica para se fugir do PPI", diz Borges. "Se sairmos dele, corre-se risco de desabastecimento. Com 30% do diesel e em torno de 10% da gasolina consumidos no país sendo abastecidos por importação, se o preço doméstico ficar sistematicamente abaixo do internacional o importador vai parar de importar, porque não vai querer prejuízo", diz, lembrando que uma ampliação do parque de refino visando à autossuficiência tampouco se daria em menos de dois anos . "E, nesse caso, ainda seria preciso avaliar a conveniência desse investimento, diante de um contexto global de transição energética em que o mundo cada vez mais busca substituir o uso de combustíveis de origem fóssil, particularmente carvão e diesel, por fontes limpas."

Em 2021, ainda no contexto da escalada dos preços internacionais do petróleo, o Senado votou o projeto de lei 1.472/21 - de relatoria do atual presidente da Petrobras - que cria uma conta de estabilização de preços dos combustíveis prevendo bandas móveis que limitariam a variação desses preços no varejo, ressarcindo produtores e importadores quando os valores ficassem abaixo do preço de mercado. Entre as fontes de financiamento do fundo proposto está um imposto de exportação de óleo bruto, que passaria a valer a partir de uma determinada cotação internacional do barril, e dividendos da Petrobras devidos à União. Em janeiro, apontava-se a intenção do governo de seguir com a tramitação desse projeto. Para Borges, qualquer proposta de suavização de preços não pode ser confundida com subsídio aos combustíveis. "Há várias questões em torno desse mecanismo, especialmente relacionadas a seu alcance e à amplitude dos repasses, para evitar prejuízos nessa conta. O ideal seria um aporte único, para exatamente se evitar subsídios. Pois se existe a necessidade de repasses sistemáticos, é porque há déficit", afirma, reforçando que qualquer desenho para um fundo de estabilização tem que levar em consideração um resultado líquido anual zerado entre superávits e déficits.  Borges considera que parte do dividendo da Petrobras que é devido à União poderia ser usado para esse aporte inicial. Os dividendos que a União receberá referentes ao desempenho da Petrobras em 2022 somam R$ 78,9 bilhões, conforme resultados divulgados nesta quarta-feira (1/3), correspondentes à fatia de 36,6% que esta possui no capital da companhia. "Mas, como afirmei, é preciso um modelo sustentável", reforça. Borges lembra que a experiência internacional não traz bons exemplos sobre esse mecanismo. "Na Colômbia, observou-se que o fundo era usado para suavizar altas, mas na hora de acumular recursos, aproveitando os momentos de baixa nos preços internacionais, optava-se por repassar toda a margem integralmente para mercado, minando a capacidade de poupança", ilustra, indicando uma assimetria imposta pela economia política em relação a altas e baixas de preço de combustível.

Borges também lembra que investimentos para suavizar o preço da gasolina tendem a beneficiar mais a camada da população de maior renda, levando em conta que a participação da gasolina na despesa domiciliar mensal das famílias mais ricas é mais que duas vezes maior do que a observada nas famílias de mais baixa renda. Nesse caso, diz Borges, o melhor seria investir em subsídios focados, como é o caso do vale-gás. "Uma alternativa é fazer um sistema de compensação como o que está sendo discutido na PEC 45. Trata-se de uma isenção personalizada, que está sendo chamada de cash back de imposto. Felizmente, com o avanço da tecnologia da informação, essa devolução pode ser feita de forma instantânea", diz.

Outro aspecto que deve ganhar relevância no debate de preços daqui adiante, diz Borges, é a taxação de acordo ao teor de carbono, sinalizando aos agentes a importância da descarbonização na agenda global. Levantamentos realizados pela OCDE desde 2015 indicam que no Brasil a taxação de fontes e usos mais poluentes é baixa, colocando o país nas últimas posições entre os países que aplicam taxas específicas sobre emissões de CO2 geradas pelo uso de fontes não-renováveis.

 


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