Estudo reforça diagnóstico de que ganho de produtividade registrado na pandemia tende a ser passageiro

José Ronaldo Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Quando analisaram o comportamento incomum da produtividade brasileira no ano passado, os pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV IBRE, apontaram em seu relatório de 2020 que parte da elevação atípica de 12,4% da produtividade por hora trabalhada em 2020 precisava ser observada com cautela. No documento, Fernando Veloso, Paulo Peruchetti e Silvia Matos apontaram que, tal como aconteceu em outras economias do globo, a maior queda no nível de pessoas ocupadas em atividades menos produtivas devido à pandemia – como serviços prestados às famílias –, bem como do valor adicionado registrado por estas atividades em relação a setores de maior produtividade, como intermediação financeira e serviços de informação, influenciaram para essa forte elevação da produtividade média da economia. Os pesquisadores ainda ressaltaram que, diferentemente de ganhos de produtividade advindos de adoção tecnológica, o aumento gerado pelo efeito composição tende a ser temporário, revertendo-se na medida em que a economia se recupera e a atividade em geral é normalizada.

Estudo divulgado ontem (14/6) pelo Ipea reforça esse diagnóstico a partir da criação de um índice que mede a qualidade do trabalho, o IQT, combinando informações do mercado de trabalho com dados de escolaridade e experiência, com base na Pnad Contínua. José Ronaldo de Souza, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, coautor do estudo, explica que o objetivo desse indicador é ajustar a forma como se observa as horas trabalhadas – já que o desempenho de todos os trabalhadores não pode ser considerado de forma igual – para então analisar a evolução da produtividade, bem como da ociosidade no mercado de trabalho. 

De acordo ao Ipea, do segundo trimestre de 2012 ao primeiro trimestre de 2021 a qualidade do trabalho no Brasil medida pelo IQT registrou crescimento médio de 2,31% ao ano. Souza afirma que esse resultado é reflexo de um aumento da escolaridade dos trabalhadores no longo prazo. “Observamos que a trajetória de crescimento do IQT se mantém mesmo em períodos de estabilidade econômica. É um movimento tendencial, no qual a substituição de trabalhadores mais velhos pelos mais novos se dá com ganhos de escolaridade dos mais novos”, descreve Souza. O levantamento também aponta, entretanto, que as melhoras mais acentuadas no IQT acontecem em períodos recessivos, em que o desemprego tende a atingir mais os trabalhadores de baixa qualificação. Enquanto nas fases de expansão o crescimento médio do IQT variou entre 0,9% e 1,5% ao ano, na recessão de 2014-16 foi de 2,7% e, entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020, chegou a 11,9% ao ano. “Tanto na crise de 2014-16 quanto na pandemia – ao menos até agora – não verificamos um movimento de reversão, de volta à situação pré-crise”, ressalta Souza.

Taxas de crescimento do IQT segundo as fases do ciclo econômico nacional
Em % a.a.


Fonte: Grupo de Conjuntura da Dimac/Ipea.

Ao ajustar a produtividade (PTF) pela qualidade da população ocupada medida pelo IQT, os pesquisadores do Ipea também identificaram um descasamento maior entre a PTF corrigida pela qualidade do trabalho e a medida da forma tradicional nos momentos de recessão. Ao considerar a quantidade efetiva do fator trabalho ajustado pela qualidade, o estudo aponta que a alta de PTF em 2020 foi de 0,5% em relação ao final de 2019, enquanto na medida sem ajuste pelo IQT, a expansão observada pelo Ipea foi de 5,3%. Já na comparação entre o primeiro trimestre de 2021 e o mesmo período do ano passado, a ponderação da variação das horas efetivas trabalhadas pelo IQT levou a uma queda da PTF de 0,4%, contra um aumento de 3,6% na medida convencional. “Com esse ajuste, cai por terra e ideia de um ganho excepcional de produtividade, fruto de uma adoção maciça de tecnologias que resultasse em operações mais eficientes, com impacto duradouro”, diz Souza. Para ele, mesmo que a tendência na recuperação da economia seja de mudanças, investimentos em tecnologia podem atenuar o problema estrutural da baixa produtividade da economia brasileira, mas não resolvê-lo. “Um dos méritos deste trabalho é reforçar a importância da escolaridade para a produtividade. Precisamos nos empenhar em reduzir a diferença da qualidade de nossa educação em relação à dos países desenvolvidos. Bem como de dar mais atenção à formação técnica, a qual não costumamos valorizar, mas que pode ser útil, especialmente na reciclagem de trabalhadores”, diz.

Outro exercício realizado pelos pesquisadores do Ipea apontou que a aplicação do IQT nos cálculos relacionados ao mercado de trabalho demonstra uma superestimativa da ociosidade. De acordo ao estudo, a taxa de desemprego convencional é em média 2,6 pontos percentuais superior à taxa de subutilização da população economicamente ativa (PEA) ajustada pela qualidade do trabalho. Característica que também se intensifica em períodos de recessão – e novamente, aponta a que desacelerações econômicas tendem a impactar mais fortemente o emprego da população com menos experiência e anos de estudo.

Variação na horas trabalhadas segundo o nível educacional – trimestre contra o mesmo trimestre no ano anterior
(2019T4-2021T1) em %


Fonte: Grupo de Conjuntura da Dimac/Ipea

 


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