Especialistas debatem papel do setor de óleo e gás brasileiro na transição energética

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nos próximos anos, o Brasil viverá uma situação particular no setor da energia. Enquanto o país terá de se mexer para melhor aproveitar suas vantagens comparativas e aproveitar as oportunidades que a demanda mundial de transição energética traz para negócios que envolvam uma matriz limpa e sustentável – como foi abordado na revista Conjuntura Econômica de setembro –, o período também será de crescente participação do petróleo nas exportações brasileiras, colocando o país entre os principais produtores do mundo e o maior da América Latina, com impacto não trivial na arrecadação federal, como calcula o pesquisador associado do FGV IBRE Braulio Borges (leia aqui). Especialistas reunidos na semana passada no XI Seminário de Matriz e Segurança Energética e 16º Brasil Energy and Power, promovido no Rio pela FGV Energia e a Câmara Americana de Comércio (Amcham), defenderam que esse quadro é um falso paradoxo, considerando que a neutralidade em emissões de carbono perseguida pelas principais economias levará os hidrocarbonetos a perder participação, mas não desaparecer por completo da matriz energética global. “Se hoje o Brasil parasse de produzir petróleo, inclusive, aumentariam as emissões globais”, afirmou Heloisa Borges, diretora da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no evento. Isso porque, graças a diferenciais como um importante desenvolvimento tecnológico nacional, as emissões observadas na exploração brasileira estão abaixo da média mundial – “de 22 kg/CO2 por barril contra 15 kg na média brasileira e de 10 kg no pré-sal”, afirmou Heloísa. E, para completar, a um custo mais competitivo que a média. “Cenário traçado pela Agência Internacional de Energia indicado que, cumprir a meta global do Acordo de Paris implicaria uma redução de 40% no consumo de petróleo. Isso significará um preço reduzido, mas a própria Agência estima que o Brasil tem condição de produzir mais de 3 milhões de barris em 2050 mesmo nesse cenário de demanda mais baixa”, ilustrou Mauricio Tolmasquim, diretor de Transição Energética da Petrobras, no Seminário.

Em sua apresentação, Jean Paul Prates, presidente da estatal brasileira, defendeu, de um lado, que essa condição brasileira reforça a “não-dissonância” de projetos de explorações como o da Margem Equatorial. “Uma produção offshore 180 km da costa da Amazônia não está dentro da floresta. Significa usar um recurso não renovável a favor da criação de uma economia da floreta, gerar recursos de verdade para fazer preservação”, afirmou. De outro lado, também reforçou a importância da ampliação da atuação da companhia no campo das renováveis. Para o período 2024-2028, o conselho da Petrobras aprovou a destinação de 6% a 15% dos investimentos em projetos de baixo carbono. Tolmasquim ressaltou que esse percentual ainda está abaixo da média de outras regiões: “na Europa, esse investimento chega a 25% do Capex; entre as operações americanas, mais atrasadas, são 15%”, citou. Por ora, entretanto, Prates considera o porcentual suficiente para evitar que a companhia sofra o risco de “crise de identidade atrasada”, sem tempo para se mover junto com as demais empresas parecidas em tamanho e estrutura para garantir sua perenidade diante de um mundo diferente. “Completamos 70 anos de história em 2023 com a missão de chegar a esse futuro com a mesma força, e assim mesmo entregando valor ao acionista. Para as companhias de petróleo, a transição energética é uma metamorfose. Exige certo sacrifício, momentos de grande planejamento e reflexão para não embarcar em canoa furada. Estamos comprometidos em liderar uma transição que seja justa e inclusiva”, declarou. 

Prates destacou as principais linhas de ação da companhia. No campo da produção eólica onshore, citou parceria com WEG assinada em setembro para o desenvolvimento conjunto de um aerogerador brasileiro com capacidade de 7 MW. “É suficiente para abastecer uma cidade de 16 mil habitantes. É um marco importante para a Petrobras aumentar seu conhecimento tecnológico em eólica no geral”, disse, citando investimento de R$ 130 milhões e a estimativa de produção em série a partir de 2025. No campo das eólicas, entretanto, a maior parte das fichas estão postas no offshore, onde há sinergia com o negócio de exploração, e onde  a companhia já tem, sozinha, capacidade protocolada junto ao Ibama de 23 GW em 10 áreas entre Nordeste (7), Sul (1) e Sudeste (2), além de mais 14 GW em parceria com a Equinor. “Uma dessas áreas conta com a característica especial de poder ser desenvolvida como unidades flutuante”, citou. “Também estamos investindo em campanhas de medição de ventos em plataformas fixas posicionadas no mar do Rio Grande do Norte, Ceará e Espírito Santo, para avaliação detalhada em diferentes áreas com elevado potencial de parques offshore, enquanto aguardamos o processo regulação de direitos de outorga”, disse, destacando a sinergia da produção offshore com possíveis projetos de hidrogênio verde, produzido por eletrólise.

Outras frentes de ação da Petrobras citada foi a captura e armazenamento de CO2. “A Petrobras é a empresa no mundo que mais captura e injeta CO2 nos seus pontos no pré-sal. Em 2022, foram injetados no mundo 40 milhões de toneladas de CO2, dos quais 11 milhões são da Petrobras. Existe potencial enorme ao longo da costa brasileira, e já tem empresas siderúrgicas e outras interessadas”.

Visão pragmática

Tolmasquim destacou no evento que a busca pela ampliação da atividade da estatal em projetos de renováveis também segue uma lógica de mercado. “Hoje 128 países que congregam 88% das emissões globais e 92% do PIB global têm metas de descarbonização. Em velocidades diferentes, os países estão promovendo suas políticas, e uma questão central é o transporte, que afeta 43% da demanda de petróleo e derivados”, afirmou, citando políticas de eletrificação de frota como a dos Estados Unidos, que oferece crédito de até R$ 7,5 mil na aquisição de carros de passeio. “Assim, um produto que seria competitivo em 2028 já se torna opção, pois para abastecê-lo as condições já são vantajosas”, diz. Esse pragmatismo também se reflete nas condições de investimento e financiamento, afirmou, com políticas cada vez mais restritivas. “Por exemplo, foi criado o Net-Zero Bank Alliance, que reúne 43 dos principais bancos internacionais e 40% dos ativos mundiais, cuja meta é ter uma carteira de empréstimo de emissões líquidas zero em 2050. Na mesma linha, fundos de pensão criaram uma associação que reúne 400 membros de 26 países, com ativos que totalizam 600 trilhões de euros, que também tem metas de descarbonização.  Essa é a realidade que temos.”

O diretor da Petrobras, ex-diretor da EPE, somou à lista de projetos e potencialidades brasileiras a produção do Diesel R na refinaria do Paraná, obtido por coprocessamento de óleo vegetal e que não é biodiesel. “Para identifica-lo, é preciso fazer prove de laboratório para verificar o carbono”, ilustrou, indicando a decisão de investimento nessa produção também em Paulínia, Cubatão e na Reduc (RJ). “Nesta última, acabamos de anunciar parceria com a Vale para uso do DieselR nos caminhões da companhia.” Também citou o avanço de diretivas internacionais para a descarbonização do transporte marítimo para reduzir emissões de viagens internacionais em 40% até 2030 considerando 2008 como base, e o filão do transporte aéreo, identificado por Tolmasquim como a grande aposta. “Já há um mandato a partir de 2027 para que todas as companhias aéreas descarbonizem seus combustíveis, e a procura por SAF tende a ser enorme. No Brasil temos condições e tecnologia de fazer isso, e vamos começar uma primeira unidade, usando 100% de óleo vegetal, com expectativas de fazermos novas plantas.”

Quanto ao hidrogênio verde, Tolmasquim classificou-o de um “game changer”, destacando estudo da Bloomberg com 28 mercados que coloca o Brasil como o país com potencial de chegar ao custo de hidrogênio verde mais baixo até 2030. Roberto Ramos, CEO da Ocyan, ponderou no a euforia alimentada no mercado quanto a projetos de hidrogênio verde, especialmente os voltados para exportação, lembrando a alta demanda de energia que sua produção em si representa. “O processo de liquefação necessário para exportar reduz seu rendimento térmico. Para o Brasil exportar para a Europa de forma competitiva, será preciso garantir um diferencial de custo que também compense essa diferença”, afirmou, defendendo que, em vários casos, “seria melhor que a indústria se concentrar em capturar e sequestrar CO2 de combustões e continuar usando gás natural”. Tolmasquim, por sua vez, afirmou que a grande virada para a descarbonização será dada de fato pela eletrificação, por ser mais eficiente em especial no transporte. “Mas há setores em que a eletricidade não entra por questões técnicas, como na siderurgia, aviação, refino, petroquímica, cimento”, onde o hidrogênio verde deverá fazer a diferença. “Hoje o hidrogênio verde ainda é mais caro que o cinza – mais que o dobro. Mas as projeções indicam que os eletrolisadores cairão de preço, e o Brasil produz energia renovável muito barata. Projetos que tenham um eletrolisador junto da planta de geração – eliminando dessa forma o pagamento de encargos, transmissão, também se beneficiarão de custos mais baixos. É uma perspectiva. Ainda não estamos ainda lá, mas o horizonte com o qual temos que trabalhar é o de 2030 e, se for competitivo, vamos entrar.”

Desafios do gás natural

Outro desafio no radar do setor de óleo e gás brasileiro é o do gás natural. “Temos o desafio de fazer a oferta encontrar a demanda. A nova Lei do Gás, de 2021, veio com a promessa de um choque de oferta, fazendo com que houvesse avanço mercado, mas o que verificamos é que os desafios são maiores do que os estimados para uma grande mudança no curto prazo”, afirmou Marcio Couto, superintendente de Pesquisa da FGV. Cristina Sayão, gerente de Assuntos Regulatórios da TAG, ilustrou o impulso dado pelo novo marco legal a partir da nova entrada de atores no mercado. “Hoje já temos 20 novos carregadores, partindo de um mercado 100% monopolizado. São mais de 40 contatos vigentes, o que transformou a comercialização nos mercados atendidos pela TAG, não só pela redução de preço – mais de 18% nas distribuidoras do Nordeste, mas nas próprias condições contratuais.”

No campo internacional, Cynthia Silveira, presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip),  ressaltou que após o choque de oferta provocado com a guerra na Ucrânia, que fizeram os preços do gás dispararem, o mercado se organizou, com os Estados Unidos ganhando participação no fornecimento global. No Brasil, temos a preocupação com novos projetos. A demanda vai crescer e até 2028/29 provavelmente a Bolívia deixará de fornecer gás para o Brasil, com o fim de suas reservas”, afirmou. “Precisamos de gás nacional. Hoje, metade da produção offshore vem sendo reinjetada, e os campos que estão em desenvolvimento na bacia de Campos e na de Sergipe-Alagoas (com estimativa de oferta de 30 milhões de metros cúbicos/dia de gás) só chegarão depois de 2028. Corremos o risco de ter de importar GNL em bases firmes”, afirmou.  Glauc Campos, gerente geral de Comercialização da Eneva, afirmou que a estimativa é de que em meados de 2024  a operação em Sergipe-Alagoas garanta 14 milhões de metros cúbicos/dia conectados à malha.

“O mercado brasileiro está se abrindo, mas não chegou numa referência de preço porque não tem liquidez necessária; ainda vai demorar para virar hub com preço que integre realidade brasileira como o produtor de gás” afirmou Emmanuel Delfosse, CEO da GNA. “Há trade offs em ambos os lados, e será preciso cooperação e visão de longo prazo para criar essa referência de preço que, por sua vez, ajudaria a destravar decisões de investimento”, afirmou, citando a necessidade de ampliação da infraestrutura para de fato esse mercado deslanchar.

Reveja o XI Seminário de Matriz e Segurança Energética/ 16º Brazil Energy and Power:

Parte da manhã.

Parte da tarde.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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