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Razões do pessimismo

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Há uma série de fatores que estão levando muitos analistas a traçarem um cenário ruim para este ano. O crescimento de 2,9% do PIB no ano passado, segundo o IBGE, reforça os argumentos de dificuldades para a economia. Sem entrar em muitos detalhes sobre as incertezas que estão permeando essas análises, como qual política econômica será adotada, como fica a questão fiscal, o papel do BNDES e dos bancos públicos, a independência do Banco Central, que reforma tributária será encaminhada, podemos dividir o que aconteceu na economia brasileira no ano passado em dois momentos. Que, pelo andar da carruagem, não devem se repetir este ano.

O primeiro foi o forte crescimento registrado no primeiro semestre de 2022, puxado pelos seguintes fatores:

• Houve um crescimento médio do PIB, em cada trimestre, da ordem de 1,1%. O que anualizado daria uma expansão superior a 4% até o final do ano.

• Essa forte expansão (que já havia começado em 2021) nos seis primeiros meses foi puxada pela reabertura da economia, com o enfraquecimento da pandemia. O setor de Serviços, com maior peso no PIB, da ordem de 70%, cresceu, também, a uma taxa média de 1,1% nos dois primeiros trimestres.

• O mercado de trabalho e a renda melhoraram, levando a uma queda no desemprego e aumento do consumo das famílias que avançou, em média, 1,5% nos dois primeiros trimestres de 2022, o que daria um avanço de 6%, se o dado fosse anualizado, e mantido.

• O reaquecimento levou a uma progressiva alta dos juros para segurar a inflação que começou a ceder, embora ainda esteja em patamares elevados, bem acima do teto da meta.

Todo esse cenário começou a virar de ponta cabeça no segundo semestre, com a economia começando a perder fôlego. Os efeitos da reabertura na economia começaram a se exaurir, especialmente no último trimestre, quando o PIB foi negativo, recuando 0,2% em relação ao trimestre anterior.

• O mercado de trabalho começou a fraquejar. As previsões são de que haja uma piora este ano, invertendo a curva de queda que estava em curso.

E este ano começou com muita turbulência, levando a uma série de previsões pessimistas sobre a atividade econômica.

• O Setor de Serviços não deve ter a pujança dos seis primeiros meses de 2022. O que deve impactar fortemente a atividade econômica.

• Mesmo com a expectativa de uma safra recorde em 2023, o Agronegócio, que deve ter um forte crescimento, não conseguirá dar muita musculatura ao PIB, pela sua pequena participação em relação aos Serviços e à Indústria, essa em queda livre já há algum tempo.

• Houve um forte aumento do endividamento das famílias. Segundo a CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo –, 77,9% das famílias brasileiras estavam endividadas em 2022, 7 pontos a mais do que em 2021 (70,9%). Há elevado percentual de inadimplentes – 28,9%, ou seja, a cada dez famílias, três atrasaram o pagamento de dívidas – o que vai prejudicar o consumo das famílias, que vinha carregando o PIB nas costas.

• Com o cenário externo menos hostil, o Brasil, grande exportador de commodities, pode se beneficiar, atenuando um pouco a perda de fôlego da Indústria e Serviços. Mas o setor tem peso pequeno no PIB. O FMI revisou para cima suas previsões para o crescimento global este ano: de 2,7% para 2,9%. A média histórica de crescimento mundial entre 2000 e 2019 foi de 3,8%.

• A última previsão do Boletim Macro FGV IBRE é de que a economia cresça 0,3% este ano, número que pode ser revisto para cima ou para baixo, dependendo da política econômica que está sendo desenhada.

• Embora a decisão de uma política social mais justa seja correta, a dúvida é quanto a sua sustentabilidade. Ou seja: onde arrumar dinheiro para financiar os gastos? Aumentar impostos? Aprovar uma reforma tributária que pode dar maior competitividade à economia?

São notícias ruins, aqui excluindo a reforma tributária, tão necessária, que ninguém quer receber. Todos querem que a economia cresça, a inflação baixe, bem como os juros. Há uma forte queda de braço entre o governo e o Banco Central para que os juros baixem. O que não é trivial, não pode ser feito em uma canetada.

Um dos argumentos utilizados é de que o PIB negativo do quarto trimestre é o sinal para o início de uma redução da taxa Selic. Mas enquanto não houver clareza sobre que novo arcabouço fiscal que o governo irá propor, a incerteza sobe. E a ausência de clareza prejudica os agentes de mercado que trabalham com ancoragem e expectativas. Se elas não são atendidas ou sinalizadas para onde estão caminhando, há perda de credibilidade.

É uma encrenca que ninguém sabe para onde vai. Este mês, o ministro Haddad ficou de enviar ao Congresso a proposta de novo arcabouço fiscal. Quem sabe, seja um instrumento capaz de reduzir as incertezas e melhorar as expectativas com relação à atividade econômica, à inflação e à taxa de juros.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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