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“Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O crescimento de 2,9% do PIB no ano passado já era esperado. O mercado estimava um pouquinho mais, 3%, mas o resultado ficou dentro das expectativas. O que chama a atenção é a perda de fôlego da economia no último trimestre do ano, período em que, normalmente, há expansão das atividades pelas festas de Natal e de final de ano. No quarto trimestre, a economia desacelerou 0,2%, depois dos avanços de 0,67% no primeiro trimestre, 1,239% no segundo e 1,63% no terceiro. Também é bom lembrar que em 2021 a economia havia crescido 5%.

Embora o nível de incertezas esteja muito elevado, especialmente em torno de como será a condução da política econômica do novo governo, os sinais são de que está em curso um esgotamento do impacto da reabertura da economia com o forte enfraquecimento da COVID-19. Nos três primeiros trimestres do ano, a abertura gradual de áreas duramente atingidas pela pandemia, como a de Serviços, criou musculatura para que o crescimento chegasse aos 2,9%: segundo o IBGE, dessa expansão, 2,4 pontos percentuais podem ser atribuídos ao setor de Serviços. Para este ano, as previsões são de que o setor de Serviços, com peso da ordem de 70% no PIB, tenha uma retração de 0,4%.

PIB
Evolução anual - %


Fontes: IBGE e FGV IBRE.

Também contribuiu para esse arrefecimento da atividade os altos juros: em março de 2021, a taxa básica de juros, a SELIC, era de 2%. Desde agosto do ano passado está estacionada na casa dos 13,75% ao ano, o que levou o presidente Lula a criticar o Banco Central, causando um mal-estar no mercado, dada a independência do Banco.

As análises agora estão focadas no que vai acontecer neste e no próximo ano. E até aqui, os sinais não são dos mais animadores. O ano começou com turbulências, como apontou o Boletim Macro FGV IBRE de fevereiro, que podem afetar diretamente o resultado econômico.

Não se sabe como será o novo arcabouço fiscal que o ministro Haddad declarou enviar ao Congresso ainda este mês. Manter o crescimento só será possível se a nova política fiscal cumprir o seu papel de gerar superávits para o ano que vem, levando a uma queda de juros. Outras dúvidas turvam as análises sobre como se comportará a economia: não se sabe se ocorrerá mudanças no papel dos bancos públicos e do BNDES – como foi feito em gestões anteriores, e que não deram certo - na autonomia do Banco Central; na política de preços de combustíveis - a forma escolhida para a reoneração da gasolina e o etanol esta semana oferece algumas pistas; na revisão da reforma trabalhista e      das privatizações. É um punhado de zonas de atrito que elevam o grau de incerteza na economia.

Mas como menciona o Boletim Macro, “o desempenho da economia brasileira no atual mandato dependerá fundamentalmente das escolhas da política econômica que serão feitas. E o Poder Executivo é crucial na definição da agenda econômica, que precisa ter credibilidade e consistência. Sempre é bom lembrar a frase do filósofo Sêneca. “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”.

Releia: Começo de ano turbulento.

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE de fevereiro.

Outro ponto que merece reflexão é a questão inflacionária. Disseminada pelo mundo, o Brasil não escapou. Embora ela tenha arrefecido e as previsões são de algo ao redor dos 6% este ano, bem acima do teto da meta, o calcanhar de Aquiles continua sendo a Alimentação, que tem ficado em um patamar elevado. Entre outubro de 2019 e outubro de 2022, os preços dos alimentos subiram 41,5%, enquanto a inflação batia na casa dos 22,45%. No ano passado, enquanto a inflação fechou em 5,75%, os preços dos alimentos em domicílio – adquiridos em feiras, supermercados –, teve alta de 13,23%. E essa tendência tem se mantido este ano, o que pode levar a perda de popularidade do presidente Lula.

Dia 15 de março, o FGV IBRE, em parceria com a Folha de S. Paulo, promoverá  um webinar para debater a alta dos alimentos e de que forma isso pode impactar a popularidade do presidente.

A pressão inflacionária parece longe de arrefecer. Em estudo publicado na edição de ontem (02/3) do jornal Valor Econômico, os economistas Silvia Matos, pesquisadora e Coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, Carlos Viana, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, e Marcos Bonomo, do Insper, mostram que desde o governo Bolsonaro as “expectativas de inflação cruzaram um limite de desancoragem que poderá levar as empresas a intensificarem ainda mais os reajustes de preços”. O que piorou no começo do governo Lula com os ataques à taxa de juros, a defesa de uma eventual mudança das metas de inflação, e incertezas quanto à autonomia do Banco Central.

O estudo mostra, como menciona a matéria do Valor, “ que as expectativas de inflação estão relacionadas com as decisões que as empresas tomam para fixar os preços de seus produtos. Quando as projeções de longo prazo para os índices de preços estão desancoradas, como agora, os reajustes são mais pronunciados”.

A desancoragem ocorre quando as expectativas de inflação para um prazo mais longo ficam acima da meta do governo para aquele período. E é o que estamos vivenciando.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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