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As receitas de royalties e o arcabouço fiscal

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Como escrevi nesta semana, boa parte da introdução do Boletim Macro FGV IBRE deste mês de novembro tratou da incerteza de como ficará o arcabouço fiscal no próximo ano.

Manoel Pires, pesquisador-associado e coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, fez uma detalhada análise dos percalços que o novo governo enfrentará para conseguir um waiver, ou seja, uma renúncia ou abandono, que possibilitará ao novo governo descumprir a regra fiscal com autorização do Congresso Nacional.

Ao fazer sua análise no Boletim Macro de novembro, Pires ressalta que “não há na história recente uma transição de governo que tenha conseguido destravar pautas relevantes. O novo governo não possui instrumentos de barganha e negociação adequados, pois ainda não tomou posse. O Congresso Nacional também está em um processo de transição, pois muitos parlamentares perderão seus mandatos. O calendário com a Copa do Mundo e festas de fim de ano torna, somado os demais fatores, qualquer negociação extremamente complexa. Dessa forma, é preciso ter clareza de que a aprovação do waiver é difícil e que, se ocorrer, terá sido um importante avanço do próximo governo que entra com o orçamento do ano resolvido. Será mérito dos operadores políticos”.

Anote: Leia a edição do Boletim Macro FGV IBRE.

Como se sabe, a definição do valor desse waiver, se for concedido – parece não haver outra solução para acomodar os gastos sociais necessários –, tem gerado preocupação, já que pode levar a uma expansão fiscal, causando pressões inflacionárias e diminuindo as chances de uma queda de juros. Aumenta o risco país, desincentiva investimentos e reduz as possibilidades de crescimento. Uma encrenca enorme.

As negociações com a equipe de transição chegaram a um impasse, já que o que circula é de que deputados e senadores querem uma interlocução direta com o presidente eleito – Lula, conforme orientação médica, não foi a Brasília esta semana. Há resistência em excluir os R$ 198 bilhões do teto de gastos, como consta da proposta da equipe de transição, bem quanto ao em que esse valor, que deve ter uma redução significativa, ficará excluído do teto. A equipe de transição quer que não haja prazo, mas já se fala 1 a 2 anos, no máximo.

Enquanto o imbróglio continua, o mercado se mantém agitado. Há muitas previsões de que os juros voltarão a subir – estão estacionados na casa dos 13,75% ao ano. Já tem muita gente falando que a taxa Selic pode chegar a 15%, embora não tenha havido nenhuma sinalização do Banco Central nesse sentido. Há muita especulação. Mas tudo vai depender de que forma vai se ajeitar as contas públicas no próximo ano, primeiro do governo Lula, que irá presidir o país pela terceira vez.

Uma válvula de escape pode estar em um ponto que Pires destaca em seu artigo para o Boletim Macro FGV IBRE, o erro comum em várias propostas sobre o arcabouço fiscal, de desenhar cenários fiscais prospectivos com uma receita primária bem inferior ao que se observa. “Com isso, o déficit primário projetado fica mais elevado, as regras fiscais desenhadas, mais duras, e as reformas necessárias são mais exigentes. Como nada disso é viável, o planejamento fiscal não funciona”, explica.

Estudos de pesquisadores do FGV IBRE apontam que as receitas irão crescer nos próximos anos em função da expansão do setor de óleo e gás, ajudando a melhorar o perfil das contas públicas, o que tem sido pouco abordado nas análises feitas sobre o arcabouço fiscal.

Com a arrecadação crescendo, é possível acomodar a sustentabilidade fiscal com a viabilidade de um orçamento que dê proteção aos mais vulneráveis. Sob essa perspectiva, a discussão do waiver funciona como uma ponte para um período de reorganização das finanças públicas do país que irá se iniciar. É necessário que a nova regra seja acompanhada de um bom plano de ação fiscal.

Estudo de Bráulio Borges, pesquisador-associado do FGV IBRE, apresentado em junho, mostra que as receitas associadas ao setor extrativo como um todo deverão subir de uma média de 0,92% do PIB entre 2011/20 para 2,11% em 2022/30. Desse total, mais de 80% correspondem ao setor de óleo e gás. O trabalho de Borges, que foi tema da Carta do IBRE de junho deste ano, manchete do jornal Valor Econômico, teve parte reproduzida no e-book Economia, Política e Energia – Diálogos Estratégicos, do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

Reveja: Petróleo deve elevar fortemente arrecadação até 2030, mas é preciso evitar mau uso dessa receita.

Segundo o estudo, essa alta, conforme mostrado na Carta, no e-book e na manchete do Valor, advém da combinação de dois fatores. O primeiro é um aumento estimado em 80% na produção, referenciado em estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que se alinham às feitas pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e pela FGV Energia. Isso representará uma expansão do volume extraído de 2,9 milhões de barris por dia (b/d) em 2021 para 5,2 milhões b/d em 2029 e 2030. A produção de gás, por sua vez, passará de 134 milhões de metros cúbicos por dia (m³/d) em 2021 para 277 milhões m³/d em 2031.

O segundo fator é o aumento da receita advinda do óleo-lucro, referente à parte do petróleo que cabe à União nos contratos de exploração do pré-sal. O regime de partilha que prevê esse “novo imposto” sobre a extração do petróleo foi criado em 2010, mas a produção de fato sob esse regime começou em 2018, representando inicialmente uma arrecadação marginal, de 0,01% do PIB.  Esse government take, como o modelo do óleo-lucro é conhecido no jargão internacional, deverá evoluir rapidamente nos próximos anos, para chegar a 0,9% do PIB em 2030. Isso significa sair de uma produção associada ao óleo-lucro de 26 mil b/d em 2022 para 1,127 milhão b/d em 2031, quando mais ou menos 2/3 da produção nacional total de petróleo virão do regime de partilha. Em resumo, quase 1% do PIB a mais para a arrecadação, sem contar as outras contribuições como royalties, participação especial e imposto de renda pago pelas empresas.

Arrecadação somada de royalties, óleo-lucro nos contratos de partilha, dividendos pagos à União pela Petrobras e tributos federais pagos pela indústria extrativa mineral (ex previdência)
em % do PIB


Fontes: diversas. Projeção: FGV IBRE.

 

O papel do óleo-lucro no futuro da arrecadação
(em % do PIB)


Projeção: FGV IBRE. Fontes diversas.

Os cenários projetados por Borges já levam em conta uma reversão parcial dos preços do petróleo em 2023-24, ajustados em relação ao efeito do conflito na Ucrânia, e que depois voltariam a subir. O choque geopolítico registrado no início deste ano, aliás, é um fator adicional dentro de uma conjuntura que já se mostrava desafiadora devido à pandemia de Covid-19, em conjunção com as diretrizes de transição energética alinhadas às metas de descarbonização para mitigar o aquecimento global.

Leia o e-book: Economia, Política e Energia – Diálogos Estratégicos, do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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