Para onde caminha o arcabouço fiscal?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O que tem dominado as discussões da equipe de transição e o noticiário da imprensa é de que forma vai se arrumar dinheiro para atender as demandas sociais, como a manutenção do Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família, sem criar um clima de desajuste fiscal.

Há, por ora, duas propostas na mesa. A primeira, do governo de transição, é manter o pagamento de R$ 600, mais uma parcela extra de R$ 150 para cada criança abaixo de 6 anos. O custo, grosso modo, seria da ordem de R$ 175 bilhões e ficaria fora do teto de gastos. E esses gastos extrateto seriam permanentes.

A segunda proposta, apresentada na última segunda-feira (21), pelo senador Tasso Jereissati (PSBD-CE), chamada de PEC da Sustentabilidade Social, prevê a ampliação permanente do teto de gastos em R$ 80 bilhões, o que poderia acomodar despesas, por exemplo, do Bolsa Família. Com isso, segundo a proposta do senador, não haveria quebra no teto de gastos.

Independentemente da proposta que for aprovada, já se sabe que o setor público registrará déficit em 2023, só não se sabe de quanto.

O Boletim Macro FGV IBRE de novembro se debruça sobre a questão fiscal, sem dúvida o principal gargalo para o próximo governo.

Veja alguns pontos destacados:

• A proposta da chamada PEC da Transição apresentada aos líderes do Congresso em 16 de novembro exclui do teto, para sempre, dispêndios que totalizariam R$ 175 bilhões. É importante mencionar que a prorrogação do auxílio em R$ 600 e o adicional requereriam em torno de R$ 70 bilhões, valor que não cabe dentro do teto de gastos, por isso a necessidade de se aprovar uma exceção à regra, o famoso waiver fiscal. Mas isso é menos de metade do valor pleiteado. Ou seja, apesar de a retórica ser que a excepcionalidade é para programas sociais, cerca de R$ 105 bilhões já estavam contemplados no Orçamento e no teto e seria necessário adicionar apenas R$ 70 bi à proposta. Consequentemente, a proposta apresentada está liberando um montante de R$ 105 bilhões que não tem direcionamento definido.

• Um waiver da ordem de R$ 200 bilhões ao ano gerará uma expansão de gastos de R$ 1 trilhão em cinco anos. Ou seja, cerca de 10% do PIB de gastos diretos, aos quais se somarão os juros que incidirão sobre a dívida pública que terá de ser emitida para financiar esse aumento de gastos.

• Entre as possíveis consequências deste aumento permanente de gastos temos uma maior pressão inflacionária, através do canal de demanda, como também através do mecanismo de aumento do risco país, o que acarreta uma maior depreciação cambial, mais pressão sobre a inflação corrente e futura, contaminando as expectativas inflacionárias.

• Além dos impactos negativos sobre a atividade econômica, o emprego e a arrecadação tributária, teremos um aumento da despesa com juros sobre a dívida pública, dificultando ainda mais o quadro das contas públicas. No final, haverá pressão para aumento dos gastos sociais e maior endividamento público, em uma espiral que não promete resultados diferentes de quando se seguiu caminho semelhante no passado.

• Sabemos que as decisões sobre despesas públicas são decisões políticas. Porém, é importante enfatizar que, se quisermos gastar mais com o social, temos que reduzir outros gastos não-sociais e/ou encontrar novas fontes de receitas tributárias. O problema não são os gastos sociais que são necessários, mas sim como financiá-los.

• A sustentabilidade fiscal seguirá sendo o principal desafio do próximo governo. Qual será o novo arcabouço fiscal em uma economia emergente com dívida pública elevada e com alto custo de financiamento? Enquanto este arcabouço não for definido, a incerteza na economia continuará muito elevada, contribuindo para acentuar a desaceleração da atividade que está em curso.

Além de se debruçar sobre as incertezas sobre o futuro arcabouço fiscal que vigorará a partir de 2023, os analistas do Boletim Macro FGV IBRE trazem projeções sobre a atividade econômica:

• Conforme esperado pelo Boletim Macro, a atividade desacelerou neste segundo semestre. Esperamos um crescimento de 0,6% no terceiro trimestre ante o segundo; ou seja, metade do registrado no segundo trimestre, de 1,2%. Na margem, apenas o PIB da agropecuária e dos serviços públicos devem registrar alta mais forte do que a do trimestre anterior. Mesmo assim, o protagonismo continua sendo da forte expansão do setor serviços, que deve crescer 1,1%, apenas uma ligeira desaceleração em relação ao resultado do segundo trimestre, de 1,3%. Essa tendência deve se manter no último trimestre do ano, para quando projetamos uma contração de 0,2% do PIB ante o terceiro trimestre, o que levará a um crescimento de 2,7% para o ano fechado.

• Essa projeção conta com grau de incerteza especialmente elevado, pois poderá mudar após a revisão anual do PIB de 2020, pelo IBGE, e também com a possível revisão do PIB trimestral de 2021 em diante. Estas informações só estarão disponíveis com a divulgação do PIB do terceiro trimestre, no dia 1 de dezembro.

• Para 2023, a estimativa do Boletim, por ora, é de um crescimento de 0,1%, devido à forte revisão no PIB da agropecuária, para alta de 8%. Esperamos contração do PIB em todos os demais setores, como também pelo lado da demanda, do consumo das famílias.

• Além dos desafios domésticos, o cenário internacional para 2023 também continua muito desfavorável para os emergentes. O ambiente de dólar forte deve persistir, com desaceleração do crescimento mundial. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE, que voltaram a recuar em novembro, após registrarem uma discreta melhora no mês anterior.

• Com relação à China, estima-se um crescimento de apena 3,2% este ano, observando que “em outubro, os indicadores qualitativos dos PMI´s (índice que mede a temperatura de alguns setores da economia de forma mais tempestiva) confirmam que as possibilidades de aceleração do crescimento este ano são parcas, mostrando uma economia em desaceleração no início do quarto trimestre, deixando uma herança negativa para 2023.

Outros destaques do Boletim

Expectativa dos empresários e consumidores

Os Índices de Confiança do FGV IBRE sinalizam queda acentuada em novembro, interrompendo a melhora recente no comportamento dos índices de confiança empresarial e dos consumidores. O resultado disseminado em todos os setores econômicos e para consumidores mostra uma tendência de desaceleração clara na atividade econômica, que já tinha sido precificada anteriormente.

Inflação

Sem a destacada contribuição da gasolina – combustível que registrou queda de 32,6% nos últimos quatro meses – a âncora que permitia a ocorrência de taxas negativas no IPCA foi enfraquecida, levando o índice médio a um novo patamar. Entre as novas contribuições para a aceleração da inflação estão os alimentos no domicílio. Os preços deste grupo registraram expressivo avanço de setembro (-0,9%) para outubro (0,8%), especialmente os alimentos in natura, pois são preços mais sensíveis às variações climáticas próprias dos meses mais quentes, sendo uma fonte transitória de pressão inflacionária.

Política Monetária

Como não poderia deixar de ser, debates sobre aumento de gastos públicos, sem qualquer menção a uma nova regra fiscal, acabaram deixando intranquilos os mercados financeiros. Ainda por cima quando de tais debates não toma parte o futuro ministro da Fazenda, ou seja, sem a presença do “Mr. No”, aquele que põe um certo freio a demandas irrealistas. Com isso, as inflações implícitas em preços de mercado e os juros reais dos papéis indexados à inflação subiram. A curva de juros de mercado passou a contemplar a possibilidade de elevação da Selic, a curto prazo, embora a pesquisa Focus ainda não revele movimento semelhante.

Veja a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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