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Vacinar, vacinar

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A sensação é de que estou ilhado. Todo dia recebo notícia de que a Covid atacou amigos, conhecidos ou conhecidos de amigos. Até agora, aparentemente, o vírus, que minha neta Laura de 11 anos diz odiar, ainda não me pegou, o que espero continue dessa forma. Mas a velocidade do contágio, é espantosa.

Felizmente, a explosão de número de casos pelo mundo – na última semana mais de 8 milhões de pessoas foram contaminadas –, não está sendo acompanhada pelo aumento de mortes, embora os sistemas de saúde estejam sobrecarregados em vários países. Também é animador ver a curva da África do Sul e do Reino Unido, onde a nova cepa Ômicron chegou primeiro: iniciaram uma queda, na média dos últimos sete dias, depois de cerca de um mês.

Reino Unido
(média móvel de novos casos nos últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

 

Reino Unido
(média móvel de mortes nos últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

 

África do Sul
(média móvel de novos casos nos últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

 

África do Sul
(média móvel de mortes nos últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

O avanço da vacinação tem sido fator essencial para frear o aumento de óbitos, o que deixa margem para a adoção de medidas mais amenas em termos de mobilidade, diferentes daquelas adotadas quando do auge da pandemia, quando houve elevado número de mortes pelo mundo.

Especialistas estimam que daqui duas a três semanas o Brasil atingirá o pico de contaminações, seguindo-se uma queda, o que tende a auxiliar a economia, embora as projeções de crescimento do PIB este ano estejam na casa de 0,5%, segundo as previsões de mercado. No último dia 18, mais de 200 mil novos casos foram confirmados no país, recorde desde que a pandemia começou.

Com mais de 68% da população brasileira vacinada com a segunda dose (78% com uma) e 17% com a dose de reforço – os números podem estar defasados em função de problemas nos sistemas de informação do Ministério da Saúde –, e com o início da vacinação de crianças de 5 a 11 anos, as perspectivas de controle da pandemia são animadoras. Em relação a população, o Brasil é o quarto país que mais vacinou, ficando atrás dos Emirados Árabes, de Portugal e do Chine, segundo acompanhando do World in Data.

Arma eficaz contra efeitos mais devastadores do vírus, a vacinação deve ser expandida rapidamente para os mais jovens. Dados do governo do estado de São Paulo mostram que o número de crianças e adolescentes menores de 18 anos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) cresceu 61% entre novembro e janeiro.

Dimas Covas, diretor do Instituto Butantã, que entrou com pedido junto à para que a CoronaVac seja liberada para aplicação em crianças e adolescentes entre 3 a 17 anos, disse que esse aumento nas faixas etárias mais baixas “é o chamado deslocamento epidemiológico, ou seja, quando se vacina populações mais idosas, os efeitos da pandemia se fazem nas populações não vacinadas”. Ontem, dia 19, a Anvisa liberou o uso da CoronaVac para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos de idade. Segundo o Instituto Butatan, 4 milhões de doses da vacina ficarão em São Paulo. Outras 10 milhões aguardam sinalização do Ministério da Saúde, que precisa comprar o imunizante, para que possa ser distribuído para outras regiões.

Estudo divulgado pelo Ministério da Saúde de Singapura mostra que o país não registrou nenhum caso de jovem abaixo de 29 anos vacinado que tenha ido parar em uma UTI. Não houve nenhuma morte de pessoas vacinadas abaixo de 39 anos. Apenas 1 a cada 10 mil pessoas vacinadas entre 30 e 39 anos foram para a UTI.

Mas o que mais impressiona são os números das pessoas mais idosas. O número de mortes nas faixas etárias a partir de 60 anos começa a subir nas pessoas não vacinadas: de 60 a 69 anos, as mortes representaram 4,1% entre pessoas não vacinadas e apenas 0,2% nas vacinadas; de 70 a 79 os percentuais sobem para 9,9% e 0,71% e acima de 80 anos dão um salto para 21% ante 3%, respectivamente. Também é enorme a diferença de pessoas internadas, não vacinadas, precisando de cuidados médicos, nessas faixas etárias, em relação a quem se vacinou.

Os gráficos abaixo mostram a diferença entre vacinados e não vacinados em Singapura. O que deve estar ocorrendo no resto do mundo.

Proporção (%) de casos de morte, por idade e estado vacinal


Fonte: DATA.GOV.SG.

 

Proporção (%) de casos em estado crítico em UTI ou óbitos, por idade e estado vacinal


Fonte: DATA.GOV.SG.

 

Proporção (%) de casos que alguma vez necessitaram de suplementação de oxigênio na enfermaria geral, instável e sob monitoramento rigoroso na UTI, gravemente doente em UTI ou óbito, por idade e estado vacinal


Fonte: DATA.GOV.SG.

Ou seja: vacinar é a única forma de conter a pandemia. Infelizmente, continuamos sem nenhum política global de apoio aos países mais pobres em relação a vacinação. Apenas 9,6% da população dos países de baixa renda foi vacinada, o que é um terreno fértil para a propagação de outras variantes.

Um ponto que tem me intrigado nessa pandemia. Achava que quando o vírus se espalhasse pela região da África, seria uma catástrofe. Países pobres, sem nenhuma estrutura médica razoável, muitos não dispondo de respiradouros, oxigênio, médicos. Mas, felizmente, os números têm mostrado um quadro diferente. Que, pelo que tenho acompanhado, não teve, ainda, nenhuma explicação razoável.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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