Em Foco

Economia melhora, mas incertezas permanecem

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Como tenho escrito neste espaço, fazer previsões sobre a economia tem se tornado uma árdua tarefa. A cada dado de alta frequência que é divulgado, quem se debruça sobre os rumos da atividade econômica refaz cálculos, cruza com uma interminável série de variáveis, algumas que deixam dúvidas, para procurar entender o que acontece na complexa economia brasileira, cheia de desigualdades, com setores ainda carecendo de dados mais consistentes.

Foi o que aconteceu com os últimos dados que saíram sobre a atividade econômica, que vieram muito acima do que esperava o mercado, mesmo entre os mais otimistas. Também superou as expectativas dos analistas do Boletim Macro FGV IBRE, que estavam prevendo um crescimento do PIB este ano da ordem de 1,5%. Com o forte desempenho dos serviços e do comércio varejista, as contas foram refeitas e a  previsão é de que o PIB cresça 2% em 2024. O avanço desses setores também não havia sido captado pelas Sondagens setoriais que o FGV IBRE publica, como relata o Boletim de março, mostrando a dificuldade em se medir como anda a atividade econômica. É bom lembrar que, apesar disso, o Boletim Macro acertou na mosca o PIB do ano passado, divulgado pelo IBGE, de 2,9%.

Mesmo com as Sondagens indicando que a indústria de transformação e a construção civil devem ter um resultado positivo, revertendo a tendência ruim do ano passado, varejo e serviços, além do consumo das famílias, têm puxado o crescimento este ano, por enquanto.

Ontem, o Banco Central reduziu em 0,5 ponto percentual a taxa de juros, a Selic, o que pode ajudar a puxar o consumo.

Mas, como sempre, nem tudo são flores, apesar de termos que comemorar o maior vigor da atividade econômica. O Boletim de março elenca algumas preocupações, que já estavam presentes em outras edições. Algumas delas:

• “Diferentemente de 2023, quando, ao longo dos primeiros meses do ano, o governo conseguiu reverter um cenário muito negativo e colher os frutos dessa estratégia, este ano as coisas têm evoluído na direção contrária.  As últimas semanas têm sido marcadas por um intenso ruído no mercado, decorrente de ações e de discursos do governo que elevam as incertezas sobre a economia, com o governo tentando implementar velhas políticas intervencionistas em diversas áreas. Mesmo que o ambiente atual seja mais imune a essas políticas, dadas as resistências do Congresso, o cenário fica mais nebuloso, afetando o ambiente de previsibilidade tão necessário ao investimento privado”.

• “Seguimos esperando uma retomada cíclica do investimento para este ano, mas que será insuficiente para elevar de forma significativa a nossa baixa taxa de investimento, que recuou no ano passado para 16,5% do PIB.  Essa fraca recuperação do investimento tende a resultar, dentre outros motivos, e como destacamos em edições anteriores do Boletim Macro, do risco inflacionário associado a uma atividade mais forte. Em especial, um mercado de trabalho mais resiliente, com significativo aumento real de salários, gerando reaceleração do consumo das famílias, traz embutido o risco de que o processo de desaceleração da inflação de serviços seja abortado”.

• ”Esse processo é complicado ainda pelo forte aumento dos gastos públicos, com a despesa primária total do Governo Central (União, INSS e Banco Central) tendo crescido 12,5%, acima da inflação, no acumulado de 12 meses até janeiro. Esse quadro de aumento acelerado do consumo pode levar à interrupção do processo de queda de juros mais cedo do que o previsto, entre outros motivos, por elevar a taxa neutra de juros. Por ora, há consenso em relação à política monetária, em especial que o Copom deve seguir em frente com sua estratégia de corte de juros. No entanto, as surpresas altistas na atividade econômica, a evolução do cenário internacional e da inflação doméstica, com destaque para as medidas de núcleo de inflação, bem como os riscos associados à política fiscal, devem limitar a queda de juros no Brasil”.

• “O  principal tema doméstico continua sendo o das contas públicas. Mesmo a arrecadação melhorando no curto prazo, devido não apenas à atividade econômica, mas também aos efeitos não recorrentes sobre a arrecadação, o principal obstáculo a uma perspectiva mais construtiva sobre a redução do déficit primário é o comportamento das despesas. Os gastos obrigatórios estão crescendo fortemente e devem comprimir as demais despesas dentro do novo arcabouço fiscal, o que deverá aumentar a pressão por alteração da meta proposta de zerar o déficit este ano. Mesmo com o superávit de janeiro,  a dívida pública atingiu 75% do PIB, maior nível em um ano e meio, devendo fechar o ano em 77% do PIB. O objetivo de estabilização da dívida pública está ainda muito distante. O cenário fiscal não é sustentável. A dúvida é quando essa constatação começará a fazer preço de forma mais clara”.

Destaques:

Expectativas de empresários e consumidores – Os índices de confiança do FGV IBRE registraram queda em fevereiro, influenciados pela piora nas expectativas de curtíssimo prazo (três meses), mas uma prévia dos resultados de março sugere que essa tendência não prosseguiria este mês. O primeiro trimestre parece caminhar em tendência mais favorável para a confiança empresarial, que é também captada pelo Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) do FGV-IBRE. Por outro lado, a piora das expectativas e a piora em indicadores sobre condições financeiras acendem um sinal de alerta em relação aos próximos meses.

Mercado de trabalho – A edição de janeiro de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) revelou leve redução na taxa de desemprego, para 7,6%, marcando o menor nível desde agosto de 2015 na série dessazonalizada. A previsão é de aumento para 8,0% em fevereiro. Paralelamente, houve pequena queda na taxa de participação no último trimestre móvel, o que interrompe a parcial recomposição desde o segundo trimestre de 2023.

Inflação – O IPCA de fevereiro de 2024 superou levemente as expectativas, porém confirmou a tendência de desaceleração inflacionária, baseada em análises da inflação subjacente de serviços e índice de difusão. Impactos sazonais e preços de commodities agrícolas menores que o esperado, apesar do El Niño, indicam menor pressão inflacionária.

Política monetária – Dois fatores têm contribuído para manter desancoradas as expectativas de inflação para 2025: as incertezas relacionadas com a troca de comando no BC na virada do ano e as dúvidas que ficam sobre o comportamento futuro das contas públicas.

Setor externo – Pelo segundo mês consecutivo, o superávit da balança comercial foi recorde na série histórica mensal do mês de fevereiro, no valor de US$ 5,4 bilhões, e na do primeiro bimestre do ano, US$ 11,9 bilhões. O aumento das exportações foi liderado pela indústria extrativa, com alta de volume de 47,1% e aumento de preços de 6,7%, na comparação do primeiro bimestre do ano (2023/2024). O principal produto exportado foi o petróleo bruto, com participação de 14,9%, seguido do minério de ferro, com participação de 11,1% e a soja (8,7%).

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir