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Atividade desacelera e incerteza aumenta

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Não quero transmitir pessimismo, mas as coisas não caminham bem, como tem mostrado os fatos. Como já venho batido nesta tecla há algum tempo, com base nas projeções e análises do Boletim Macro FGV IBRE, a atividade econômica está em desaceleração, depois de um ótimo primeiro semestre, puxada, especialmente, pela agropecuária no primeiro trimestre.

O governo refez as suas contas, reduzindo o crescimento do PIB este ano de 3,2% para 3%. Muitos economistas alertam para a possibilidade de um resultado negativo no terceiro trimestre do ano, depois de uma sequência de altas. E a tendência de que a economia não consiga reagir no último trimestre do ano também está no radar.

Muitos fatores estão contribuindo para isso. O aperto monetário imposto para frear a inflação ainda se faz sentir na atividade econômica, em especial nos setores mais sensíveis a uma política monetária mais dura, como a indústria de transformação, o comércio e os serviços. Também não contamos mais com o boom do agronegócio. Isso deve, segundo cálculos do Boletim Macro, levar a um recuo de 0,1% do PIB no terceiro trimestre deste ano em relação ao segundo.

Também tende a ser menor a contribuição do setor externo para o PIB, com a desaceleração da atividade econômica nos Estados Unidos e um PIB menor na China.

E um novo elemento surgiu, aumentando a incerteza, já mostrada nos Indicadores de Incerteza elaborados pelo IBRE: a eleição de Javier Milei, na Argentina, que durante sua campanha sinalizou que Brasil e China não mais seriam os principais parceiros comerciais do país, deslocando suas atenções para os Estados Unidos. É bom lembrar que o acordo Mercosul-União Europeia, que se arrasta há anos, está na bica para ser aprovado. Embora seja de interesse dos empresários argentinos que isso ocorra, o presidente eleito é contra, inclusive ao Mercosul.

A Argentina é o principal parceiro comercial do Brasil no continente. Embora a participação tenha declinado bastante nos últimos anos, de janeiro a outubro de 2023 a participação argentina na balança comercial foi de 5,90%, superior aos 4,54% do mesmo período do ano passado. O saldo comercial com o país vizinho já chegou a representar quase um terço da do comércio entre os dois países em 2000. Nos anos seguintes, ocorreram oscilações bruscas, para cima e para baixo. Mais recentemente, com a pandemia e a crise que a Argentina passou a viver, colocando barreiras para atrasar as importações e com crise cambial, o saldo foi diminuindo, sendo negativo em 0,11% em 2021. Em 2019, a participação havia sido negativa em 2,44%.

Nos três últimos anos, houve uma melhora. Em 2022, por exemplo, a participação avançou para 3,65%. Mas é bom lembrar, também, a perda de mercado de produtos brasileiros para a China nos últimos anos.

Saldo da balança comercial com a Argentina
em %


Fonte: SECEX.

A isso se soma outra grande encrenca: a das contas públicas. Na última quarta-feira (22), saíram novas projeções do governo sobre 2023. A expectativa é de que o déficit primário seja de R$ 177,4 bilhões, maior do que a previsão feita em setembro, de um resultado negativo de R$ 141,4 bilhões. Só para relembrar, em janeiro, o ministro Fernando Haddad havia previsto que as contas públicas fechariam 2023 com o déficit de R$ 100 bilhões, cerca de 1% do PIB. Agora, com as revisões, isso já pulou para 1,7%.

Há previsões, no entanto, de que esse déficit seria maior, beirando os R$ 203 bilhões, algo ao redor de 1,9% do PIB.

Como o principal suporte do arcabouço fiscal para ajustar as contas públicas é o aumento das receitas, os números não são nada animadores. No Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas referente ao quinto bimestre do ano, divulgado na quarta-feira, houve uma redução de R$ 22,2 bilhões nas receitas previstas pela Receita Federal em relação ao relatório de setembro. Na outra ponta, a projeção para as despesas primárias aumentou R$ 21,9 bilhões.

Com o fiscal incerto e a atividade econômica ficando mais fraca, há receio de que o governo comece a lançar mão dos chamados “atalhos”, através de ampliação de gastos públicos, com utilização dos bancos públicos liberando recursos, ampliando incentivos fiscais, filme que já vimos em época recente e que não funcionou.

O Boletim Macro de novembro alerta para esse risco, enfatizando que, se isso ocorrer, irá inviabilizar os esforços para sustentabilidade da dívida pública, o que já está difícil, em função da manutenção de déficits primários em patamares elevados e à dificuldade de forçar uma queda real na taxa de juros. E, sem dúvida, 2024 ficará comprometido.

Agradeço a Lia Valls e ao André Luiz Silva de Souza, do FGV IBRE, pelas informações sobre o comércio entre Brasil e Argentina.

 

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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