Em Foco

Os desafios internos e externos de Lula

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Em seus dois primeiros mandatos, o presidente Lula surfou com o boom das commodities, com um cenário externo bastante favorável e com uma composição da Câmara e do Senado com nem tanta força como vemos nesse terceiro mandato.

Ainda há um ciclo de alta de demanda das commodities, o que tem gerado recordes na nossa balança comercial. De janeiro a setembro, o saldo comercial foi de US$ 71,31 bilhões, 50% maior que o do mesmo período do ano passado, superando em cerca de 16% todo o saldo comercial de 2022, que foi de US$ 61,5 bilhões. Além do aumento das exportações, tem caído as importações, o que tem ajudado nesses resultados.

Mas, tirando isso, o ambiente externo é mais hostil, tanto no campo econômico como no político. A China já não tem a mesma potência de locomotiva para puxar a economia mundial. As estimativas de Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE e um dos cinco melhores analistas de China, segundo a Bloomberg, apontam um crescimento este ano de 5%, ainda considerável, mas bem menor que em anos anteriores. Para 2024, a projeção é de que o PIB chinês cresça 4,2%.

“Os dados de setembro continuaram mostrando uma economia mais frágil, ainda que em tom claramente menos negativo do que o que foi observado no início deste trimestre. O que mais preocupa é o setor de serviços, que dá fortes sinais de menor dinamismo. Por outro lado, nas manufaturas, centrais para a economia chinesa, temos observado uma recuperação desde o início do trimestre – pequena, mas suficiente para afastar as narrativas mais alarmistas que povoaram o debate há alguns meses”, diz Lívio, que também é sócio da BRCG.

A inflação ainda é um foco de preocupação em todo o mundo. O Fed, o banco central norte-americano, deve manter a política monetária mais apertada por um período mais longo, com juros mais elevados, com reflexos na economia mundial.

Outra questão, essa calcanhar de Aquiles, é o fiscal. Manoel Pires, pesquisador do FGV IBRE, destaca, pelo menos, dois riscos na Lei Orçamentária Anual 2024, que prevê um orçamento equilibrado, com aumento de arrecadação e gastos de 19,2% do PIB.  O que significa uma elevação na arrecadação líquida de transferências para Estados e municípios de 1,4% do PIB.

Como Pires mostrou no Boletim Macro FGV IBRE de setembro, “existem dois tipos de riscos nas medidas do governo. O primeiro risco está relacionado às mudanças do CARF e da transação tributária. Espera-se arrecadar R$ 96,8 bilhões, um montante muito expressivo; o grau de confiança nessas estimativas é muito baixo. O segundo risco está na tramitação das demais medidas para o aumento da arrecadação, que pode ser frustrada. Ainda existem outros riscos fiscais, com despesas estimadas de forma otimista, como a da Previdência Social. Em função dessas incertezas, muito se discute a mudança da meta fiscal. Mas parece cedo para abordar esse assunto, tendo em vista que antecipar a discussão inviabiliza o pacote de Haddad, portanto, torna-se absolutamente contraproducente”.

Veja a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

Além da economia – as previsões estão sendo revistas para cima, com o PIB podendo crescer na faixa dos 3% este ano, em grande parte pelo excelente comportamento da agropecuária e da indústria extrativa no primeiro semestre, além da contribuição de nossas exportações –, no campo político a margem de manobra de Lula é menor do que nos seus mandatos anteriores.

Para Jairo Nicolau, cientista político da FGV CPDOC, “estamos observando dificuldade do governo Lula nos primeiros meses do governo. Um exemplo é o da aprovação de medidas provisórias, onde aumentou muito o custo decisório comparativamente com outros governos” – de 16 MPs com tramitação encerrada até meados de agosto, apenas quatro foram aprovadas, seis foram incorporadas a outras MPs, três foram apresentadas ao Congresso na forma de projeto de lei e complementar, como o voto de qualidade do Carf, e outras três foram vetadas.

Leia: Redução da fragmentação partidária não tem colaborado para melhorar o processo decisório do Congresso.

A mudança dos ventos em relação aos mandatos anteriores e o papel de Lula também foram abordados por Daniela Campello, cientista política da FGV EBAPE. Segundo ela, “um ponto importante, estrutural, que a região irá enfrentar é que, no período de bonança, a esquerda latino-americana soube usar os excedentes para reduzir a pobreza. Desenvolveu-se uma tecnologia de transferência bem-sucedida, a começar pelo Progressa no México e o Bolsa Família no Brasil. A questão agora será como trabalhar para a redução da desigualdade na região quando não há excedente. Será preciso tirar de alguém, e isso implica um desafio político muito maior do que distribuir excedente. Agora estamos nesse momento, de colocar as cartas na mesa de que esses recursos terão de sair de algum lugar.”

Quanto ao papel de Lula na região, Daniela avalia que “este mandato exigirá muito mais habilidade do presidente. Vivemos um momento bem mais difícil de ler, bem mais difuso do que nos anos 2000. Mas não significa, entretanto, que Lula perdeu o tamanho dele no mundo. Ela já era grande, e tem sido reafirmado, depois de Bolsonaro mostrar como o Brasil poderia desaparecer em poucos anos do mapa de relevância internacional. Só não é mais a liderança inconteste na região, como foi naquela época quando havia maior alinhamento ideológico”.

Na revista Conjuntura Econômica de outubro, que estará circulando na semana que vem, Daniela avalia a situação política da América do Sul, “onde o descontentamento da sociedade ainda abre margem a propostas populistas e autoritárias de governo. Agora será o momento de a Argentina fazer seu teste, com Javier Milei entre os candidatos à presidência líderes em intenção de voto”.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir