É viável criar um braço de capitalização na Previdência brasileira? Especialistas respondem

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No especial sobre Previdência da Conjuntura Econômica de julho, um debate que se destaca é sobre a viabilidade, e possíveis vantagens, de um desenho previdenciário que combine o atual sistema de repartição com a capitalização. “Estou convencido de que não há possibilidade de sustentação nosso sistema sem implantar um modelo nessa linha”, defende Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social. O especialista diz que uma das alternativas que hoje ganha a atenção é o sistema nocional. Não se trata de uma capitalização tradicional, por continuar concentrando a gestão no caixa do governo, financiando as aposentadorias vigentes, mas permite ao contribuinte ter a noção – daí o nome nocional – da poupança acumulada para sua aposentadoria. Diferentemente de uma repartição pura, em que o cálculo do benefício depende apenas do tempo de contribuição e da média de salários, no modelo nocional os benefícios podem variar dependendo de fatores como crescimento, arrecadação e demografia. “O interessante é que as aposentadorias vão se ajustando para conter o déficit”, diz Tafner.

Otavio Sidone, auditor federal do Tesouro, que estuda o sistema nocional em sua tese de doutorado, destaca que ainda há pouca literatura sobre o tema no Brasil. “A princípio, o sistema nocional traz uma vantagem que é a de mudar a forma de tratamento da contribuição previdenciária, em geral percebida exclusivamente como um imposto”, diz. “Na Suécia, que adotou esse modelo, houve uma iniciativa interessante, chamada envelope laranja, através da qual os contribuintes eram informados da previsão de seu benefício futuro, estimulando, por exemplo, contribuições esporádicas para subir o valor da aposentadoria.” Na lista de potenciais benefícios também está a possibilidade de o modelo lidar melhor com a maior flexibilidade no mundo trabalho. Mas Sidone mantém certo ceticismo quanto à possibilidade de, no Brasil, se incentivar a poupança via esse modelo de previdência, “levando em conta que o sistema hoje é tão subsidiado”. Outro ponto que potencialmente joga contra o êxito nessa adoção seria uma possível falta de confiança, diante do medo de uma reforma futura comprometer o destino dessas economias. “Além disso, levando em conta a camada da população que hoje possui benefício de 1 salário-mínimo, é preciso analisar os riscos de as pessoas não conseguirem acumular um valor suficiente para garantir um benefício adequado”, diz.

No livro A Reforma Inacabada – O Futuro da Previdência Social no Brasil, lançado em junho por Tafner e Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, Tafner trata de outra proposta, conhecida como Armínio/Tafner. Elaborada em parceria como economista Armínio Fraga e a ajuda de uma equipe de pesquisadores da qual participou Rogerio Nagamine, é um desenho que combina capitalização e repartição, apresentado ao então ministro Paulo Guedes como contribuição para a reforma de 2019. “Era um desenho factível, porque mantinha a repartição para valores até 2 salários-mínimos e, daí para diante, vinha a capitalização”, diz Tafner. Em linhas gerais, a proposta previa um benefício universal para todos os brasileiros a partir dos 65 anos; o financiamento mantinha os moldes atuais, sendo parte da contribuição deslocada para a conta individual do trabalhador; e a possibilidade de aporte de recursos do FGTS à poupança capitalizada. O benefício universal básico teria o valor de 70% de um salário-mínimo vigente no ano de criação, e a partir daí seria corrigido pela inflação, desvinculando-se do salário-mínimo. “Esse valor aumentaria gradualmente, conforme o tempo de contribuição do trabalhador, e atingiria 100% do salário-mínimo com 15 anos de contribuição”, explica Tafner, destacando que dessa forma se corrigiria “o incentivo equivocado do sistema atual, que recompensa igualmente quem não contribuiu (que recebe BPC) e quem contribuiu nas bases mínimas.”

Originalmente, a proposta era que esse sistema fosse destinado aos nascidos a partir de janeiro de 2014, passando a valer a partir de 2030, quando os nascidos nessa data inicial completassem 16 anos, dando tempo para a realização dos ajustes para a capitalização. “Como a sistemática atual de cobrança da contribuição previdenciária seria mantida, deslocando-se apenas o recurso financeiro para a conta individual, isso garantiria que a perda de arrecadação (o “custo de transição”) fosse nula por uma década e meia – até o ingresso dos mais jovens no mercado de trabalho – e muito reduzida na década seguinte, e somente ocorreria quando os primeiros trabalhadores nascidos a partir de 2030 estivessem inseridos no mercado de trabalho e ganhando mais do que o limite de repartição”, explica.

No livro, a capitalização é ponto divergente entre Tafner e Giambiagi, mais cético quanto às virtudes desse sistema para o Brasil. É o único tema, aliás, que mereceu espaços separados para as argumentações de cada autor. Em seu texto, Giambiagi não analisa especificamente a proposta de Tafner; desenvolve uma análise a partir dos princípios elementares da capitalização. A base do questionamento de Giambiagi, fartamente apoiada em cálculos, é de que o país já conta com um sistema “relativamente robusto de previdência complementar” com as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) e instrumentos como as aplicações de tipo PGBL e VGBL, e migrar para um regime misto entre repartição e capitalização, teria implicações não triviais para uma economia que, no final, poderia ser pequena diante do requerido esforço para a transição a um regime misto, e com riscos para os contribuintes de mais baixa renda.

Entre os elementos analisados, Giambiagi cita o desafio de lidar com perdas de arrecadação na transição, já que o INSS faz parte da carga tributária, repercutindo na dívida pública. Ele também lembra que, no Brasil, os benefícios que valem até 1 salário-mínimo (um benefício pode ser menor ao salário-mínimo, por exemplo, no caso de pensão por morte compartilhada entre filhos) representam 62% do total, e 41% em valor. Até três salários mínimos, somam 91% em número de benefícios e 75% em valor. Levando em conta um sistema no qual a capitalização valesse para a fatia de todos os benefícios que excedesse 3 salários-mínimos – Giambiagi considera que nossa economia política barraria qualquer proposta inferior a isso –, o pesquisador afirma que “só sobrariam 6% da despesa atual para a previdência complementar”. Diante disso, ele questiona: “para o governante de plantão, vale a pena investir recursos políticos expressivos numa reforma com adoção parcial de capitalização?”

Para Giambiagi, se o objetivo de uma mudança é limitar o valor de benefícios, zelando pelos princípios de justiça social sobre o qual o sistema foi construído, uma alternativa mais simples seria reduzir o tento contributivo – usando como exemplo os mesmos 3 salários-mínimos. “Isso ensejaria uma perda de receita, associada às contribuições que se situam entre esse nível e o piso atual, que seria compensada décadas depois pela redução do valor dos pagamentos feitos.” Feito com a comunicação adequada, incentivando a população a buscar instrumentos privados de capitalização previdenciária, “não haverá maiores mudanças na poupança do país, ocorrendo uma melhora marginal das contas públicas”.

Saiba mais na Conjuntura Econômica de julho, que chega esta semana, com acesso gratuito no Blog.

 


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