“É possível que, na segunda parte da reforma tributária, presidente precise pedir aumento de impostos ao Congresso”, diz Samuel Pessôa em evento do IBP

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Esta semana (9/2) pesquisadores do FGV IBRE analisaram a conjuntura macroeconômica na terceira edição do evento Diálogos Estratégicos – Economia, Política e Energia, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), no Rio de Janeiro. A ênfase do debate, moderado por Fernanda Delgado, diretora executiva corporativa do IBP, se concentrou nas expectativas a partir da calibragem do discurso do presidente – que nos últimos dias foi marcado pela reiteração de críticas no campo monetário, sobre o nível de juros operados pelo Banco Central e a política de metas de inflação – e de sua equipe econômica.

“Há muito ruído nas declarações do presidente, alimentando preocupações quanto à política econômica do governo, sobre os riscos da volta de medidas que deram errado no passado, e o mercado precifica” afirmou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE. Silvia afirmou que, no campo fiscal, não era esperado um ajuste radical para 2023, mas que nem por isso era possível prescindir de uma diretriz focada em ajustes, posto que o controle inflacionário ainda não foi concluído. “Nesse sentido, a manutenção da política monetária também é fundamental para ancorar a inflação. Se não persistirmos nesse caminho, podemos contratar um processo inflacionário mais persistente e elevado”, alertou. Para Silvia, as divergências entre sinais como a promessa de responsabilidade fiscal do ministro Fernando Haddad, ou de uma agenda moderna para o BNDES do presidente do banco Aloizio Mercadante e uma postura mais crítica de Lula comprometem essa perspectiva de ajuste necessário em 2023 visando a melhores resultados em 2024. “Não existe almoço grátis. E, sobretudo, já sabemos quais políticas adotadas no passado deram errado, e não devemos repeti-las”, defendeu, fazendo referência ao livro Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil (acesso gratuito à versão kindle), lançado em 2022, do qual participam Samuel Pessôa, Braulio Borges e Fernando de Holanda Barbosa Filho.

Silvia também lembrou que um dos campos mais sensíveis diante de um quadro de juros reais altos por mais tempo é o do crédito, reiterando a defesa de se garantir o atual trabalho da política monetária até o final. “O efeito dessa conjuntura é devastador, dado o atual nível de endividamento e comprometimento de renda das famílias brasileiras – que hoje já se aproxima de 30%. Com custo de dívida subindo, o custo do crédito também aumenta para quem mais precisa, que são as famílias mais vulneráveis”, descreve, indicando que tal conjuntura elevará a pressão pela atuação do governo na garantia de linhas de crédito subsidiadas.

No evento, Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, reforçou a análise publicada no Boletim Macro IBRE de janeiro, de que o contexto internacional em 2023 tenderá a ser menos negativo para o país. “Apesar de ser um ano de juros altos e desaceleração nas principais economias, a tendência é de uma configuração favorável para a economia brasileira”, afirmou. Nos Estados Unidos, apesar de ainda estarem previstas duas altas de juros adicionais, a percepção é de que a maior parte do serviço já foi realizada, e o pior já passou. “Mesmo assim, considero equivocada a estimativa de pouso suave – acho que ainda haverá um período de recessão, e elevação da taxa de desemprego para algo em torno de 5,5% no segundo semestre, encaminhando a inflação para a meta na virada de 2024/25”, afirmou. No caso da Europa, ele destacou o equacionamento do suprimento energético no atual inverno – “o que ainda não acontece para o de 2023/24, mas há tempo para pensar” –, e o aumento do componente inercial na inflação da região, dado o arrefecimento do efeito dos choques pandemia/guerra e o aumento do peso dos serviços. “A pressão do mercado de trabalho nas economias europeias sugere que essa pressão dos serviços vem chegando. Isso significa que, mesmo que o índice baixe, a composição dessa inflação será pior, mais difícil de combater”, explicou. Para Pessôa, a melhora das expectativas para a economia chinesa – com uma estimativa de aumento de PIB voltando para perto dos 5% –, é uma notícia positiva, que tende a mitigar parte da queda esperada no preço das commodities das commodities. “Isso nos ajudará a sustentar a receita de impostos de exportação, saldo importante dado nosso problema fiscal estrutural”, afirmou.

No campo doméstico, Pessôa reforçou as preocupações de Silvia quanto aos primeiros sinais do governo no campo econômico. Para ele, o ativismo fiscal com o qual o governo iniciou seu mandato foi excessivo – “precisávamos de uma margem de R$ 70 bilhões, mas a PEC da Transição garantiu R$ 200 bi”, lembrou –, e levará o resultado primário de um superávit de 0,5% do PIB em 2022 para um déficit em torno de 1% a 1,5% do PIB, estimou. Ele lembrou que a somatória de impulso fiscal e uma economia que já atingiu a taxa de desemprego de equilíbrio, como é o caso brasileiro, é geradora de desequilíbrios, e apontou que o momento mais sensível para o governo será na virada do semestre, quando as contas dessas escolhas se tornarão mais claras. “No primeiro semestre, o governo tentará aprovar a reforma tributária dos impostos indiretos. Se aprovada, possibilitará uma queda do risco, um alívio no câmbio e na curva de juros – não porque a receita vai aumentar, mas porque sinalizará ganhos de produtividade persistentes na economia, devido a fatores como a redução no nível de litigiosidade”, descreveu. “Quando for encaminhar a proposta de nova regra fiscal, entretanto, é que entraremos na fase mais crítica. Provavelmente nesse momento as contas públicas estarão mais claras e se perceberá que a regra fiscal não ficará em pé sem uma nova rodada de aumento de carga tributária” – que, para Pessôa, seria pleiteada pelo governo no debate sobre a segunda fase da reforma tributária, focada no Imposto de Renda. “Nesse momento, acho que o presidente Lula terá que bater na porta do Congresso e pedir mais imposto, e aí veremos como os parlamentares irão se pronunciar”, destacou, indicando que uma prévia desse ânimo já se dará com a votação da MP que muda o voto de qualidade no Carf. “Além disso, o governo terá que garantir que essa receita adicional não seja compartilhada com estados e municípios”, diz. Para Pessôa, se esse arranjo não for bem-sucedido, o país poderá caminhar para uma crise fiscal. “Não tão grave quanto em 2015/16, porque naquele momento a economia estava mais desarrumada”, afirmou. E, se o governo não reagir com uma reformulação dos gastos, estaremos expostos a um processo de reinflação – “que será lento, pois ainda contamos com fatores como uma dívida denominada em reais e ativos em dólares” –,  mas que, segundo Pessôa, poderia levar o IPCA para a casa de 6% a 7% em 2026, no final do mandato.

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Confira o ebook da edição anterior de Diálogos Estratégicos – Economia Política e Energia.

 


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