“Desde a pandemia, observamos os pequenos empresários mais cautelosos na tomada de crédito”

Giovanni Bevilaqua, coordenador de Acesso a Crédito e Investimentos do Sebrae Nacional

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como avalia o mercado de crédito para micro e pequenas empresas em 2023?

Gostamos de analisar essa dinâmica a partir das concessões. Ainda não temos o dado oficial do Banco Central dividido por porte de empresa, mas estimamos que em 2023 os pequenos negócios – com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, o que inclui microempreendedores individuais – tenham correspondido a 14% do total das concessões a pessoa jurídica (pela série histórica iniciada em 2012, até 2020 a participação desse grupo girou em torno de 20% do total), algo em torno dos R$ 370 bilhões. Em 2023 vimos a economia expandir 2,9%, mas com uma taxa básica de juros alta, o que foi prejudicial para os pequenos negócios. A taxa de juros média para operações de crédito das pequenas empresas, até o terceiro trimestre de 2023, foi de 38,8% ao ano – quando menor o porte, mais alta ela é, com o MEI registrando em torno de 41%.  

Caso as expectativas de queda da Selic para 9% ao ano se concretizem, esperamos que essa taxa média caia ao menos 10 pontos percentuais, para em torno de 29% ao ano. Ainda é elevada, mas consideramos que já tende a ajudar. Um elemento a se destacar é que, mesmo diante de taxas elevadas, a inadimplência ficou controlada, girando em torno dos 6,4% até o segundo trimestre, contra 5,6% no último trimestre de 2019, pré-pandemia. Nossa estimativa é de que essa taxa tenha fechado o ano mais baixa, perto de 6%.

Outro dado importante de 2023 foi um aumento líquido no número de pequenos negócios, algo até esperado na medida em que a economia cresce, gerando empregos – o que amplia o desafio do financiamento. Veja, entre esses pequenos negócios, há um segmento de start ups de alto potencial de crescimento. Aqui no Sebrae temos uma plataforma em que promovemos uma espécie de curadoria, pela qual já passaram mais de 8 mil empresas, onde hoje temos 3,5 mil negócios, em níveis diferentes de desenvolvimento. São empresas inovadoras, que demandarão outras formas de financiamento que não o crédito, como fundos de investimento em participações societárias, sobre as quais também devemos pensar. A vantagem dessa plataforma é que já temos esses negócios mapeados.

Como avaliam a necessidade de educação financeira dos pequenos empresários?

Essa é uma agenda importante. Sempre dizemos aqui que o outro lado do crédito é a dívida, por isso sempre é preciso cuidado, planejamento, para que não vire um problema depois. Mas uma percepção que temos aqui é a de que, especialmente a partir da pandemia, com o advento dos programas emergenciais que promoveram crédito abundante, houve um aprendizado, há mais cautela. Veja o caso do Pronampe: as condições iniciais foram de Selic mais 1,25%; depois, Selic mais até 6%, com prazos de até 48 meses. A mudança drástica da taxa básica de juros foi uma armadilha para esses negócios.

Hoje vemos o receio de parte dos analistas quanto a estímulos e subsídios que possam gerar desequilíbrios futuros para o mercado de crédito. Qual a sua opinião?

Acho que a principal agenda hoje é a que o governo está promovendo para tornar esse mercado mais fluido, como promovendo o Marco Legal de Garantias – aqui mesmo no Sebrae estamos desenvolvendo uma iniciativa junto à Finep –, a agenda de oito projetos que o Ministério da Fazenda está defendendo para melhorar o ambiente de negócios, reduzir o custo do capital e do crédito, e alternativas de financiamento para pequenos negócios, como já mencionei quanto ao caso das start ups. Considero que a iniciativa de financiamento de inovação pelo BNDES também é importante. O plano de criação de um fundo de investimento junto com a Petrobras, para financiar projetos de inovação nesse setor, por exemplo, me parece interessante.

O fato é que ainda temos uma quantidade importante de pequenos negócios – cerca de metade – ainda fora do sistema financeiro, que se financia, por exemplo, com fornecedores. Melhorar essa inserção passa por educação financeira, informação sobre as linhas de crédito, mas também pelas condições para obtenção desse crédito.

Qual sua expectativa quanto à criação do Desenrola para empresas?

Consideramos fundamental. Estamos nessa briga desde o ano passado, quando foi criada a versão para pessoas físicas. Foi um momento em que as contratações pelo Pronampe apresentavam um índice de inadimplência muito alto, e buscávamos uma solução. Agora o governo afirma que apresentará essa versão. Um ganho a se considerar é que a plataforma já está montada, a tecnologia já está operativa, isso poderá economizar tempo. Na última pesquisa Pulso, que divulgamos em novembro do ano passado, as empresas indicaram que o pagamento de dívidas e empréstimos ainda representava uma parte significativa de seus custos mensais – entre MEIs, 60%, e micro e pequenas empresas, 46%. Por outro lado, a Pulso também apontou um aumento de empresas que sinalizaram destinar recursos para investimentos, ou seja, que não buscavam crédito apenas para capital de giro. Estamos aguardando o resultado da pesquisa que lançamos agora em fevereiro para observar se essa tendência se confirma.

 


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