“Descuidamos de aspectos da política fiscal por muito tempo, e isso cobra um preço”

Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Presente no lançamento do I Encontro do Centro de Políticas Fiscais e Orçamento do FGV IBRE, Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, afirmou que equilibrar as contas públicas no Brasil é uma tarefa cara devido a um relaxamento quanto a determinadas estruturas acumulado em décadas. “Descuidamos de uma série de aspectos da política fiscal a longo de muito tempo e isso cobra um preço”, disse, destacando sistema o tributário, que passa agora por uma reforma iniciada pelos impostos sobre o consumo. “Tivemos aumento importante da carga tributária nos anos 1990, sem reforma efetiva. Houve alguns ajustes específicos, mas não conseguimos, como país, avançar em uma agenda de reforma tributária, mantendo a mesma estrutura desde o Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo 1964-67).”

O resultado, afirmou, foi um sistema tributário que deixou o país entre os piores em ranking do Banco Mundial, “grande parte devido ao caos tributário ligado à tributação sobre o consumo”, disse, mas que também se refere à tributação sobre a renda, “área em que estamos muito deslocados da realidade global”. Algumas evidências sobre distorções nesse sistema foram apresentadas no evento, como a distância entre a alíquota efetiva para pelas empresas no Brasil em relação à nominal. Ao que se soma um conjunto de regimes, compensações, incentivos criados ao longo dos anos, beneficiando empresas com capacidade técnica de fazer seu planejamento tributário, citou Mello. “Isso ganhou impulso com decisões tanto no Legislativo quando no Judiciário, que enfraqueceram de forma pronunciada a arrecadação em particular da tributação sobre a renda”, afirmou, defendendo que esse quadro levou a um aumento da dependência de receitas extraordinárias ou ligadas ao ciclo de commodities.

“Para se ter uma ideia, a arrecadação líquida do governo federal em proporção do PIB somou originalmente 18,7% – que deverá ser menor com a revisão do PIB. E a PLOA de 2023 previa uma queda na receita de mais de 1% do PIB, mesmo com uma projeção de crescimento de mais de 2%”, ilustrou, ressaltando o papel da PEC da Transição para recompor espaço orçamentário no início de governo. Mello afirmou que a PEC foi responsável por um impulso fiscal positivo, com impacto em aumento da renda do trabalho e redução da pobreza, que se somou à surpresa do ciclo do agro na explicação para o PIB de 2023. Ao que ainda incluiu “um ambiente de maior estabilidade macroeconômica” com a inflação cedendo mais que o esperado, um bom resultado externo que colaborou para estabilidade na taxa de câmbio, e redução das incertezas que se refletiu na redução do risco país e queda constante da curva de juros”.

Mello reforçou que, diferentemente da reforma dos impostos indiretos, a reforma da tributação da renda será fatiada. “Já fizemos várias alterações ao longo deste último ano, como a tributação sobre fundos fechados e a mudança no lastro da LCA e LCI. Mas existem temas que precisam ser mais discutidos e aprofundados para apresentarmos ao longo deste ano, para votação em 2025”, afirmou, destacando que o foco agora está dado para a regulamentação da reforma já aprovada. “Se no ano que vem a agenda da reforma avançar e gerar resultado que esperamos, poderemos discutir como usar eventuais ganhos de arrecadação, que poderão significar redução da tributação sobre consumo ou sobre folha, o que ainda pode ser mais bem elaborado”. afirmou.

O secretário definiu que o novo arcabouço fiscal foi fruto de da adaptação de regras fiscais de terceira geração com o que o país já havia desenvolvido: regra de resultado primário, com a LRF, e de gastos, com a experiência anterior do teto. “Considero que o novo regime fiscal tem características que permitem ser mais durável no tempo, o que não impede uma discussão futura de aprimoramentos. Mas o desenho possibilita ao mesmo tempo atender demandas sociais que existem num país como Brasil, preservar investimentos e recompor resultado fiscal”, afirmou. Para isso, entretanto, defendeu que é preciso atenção para recompor o padrão de arrecadação que foi perdido. “Com a recuperação de forma estrutural das receitas, o arcabouço controlando o crescimento de gastos, aponta-se a certa estabilidade permitindo, junto com a agenda de revisão de gastos, criar um horizonte fiscal de maior credibilidade que melhore tanto a qualidade do gasto quanto da tributação”, defendeu. “Ao invés de só olhar para o gasto, deixando a arrecadação ser desmontada e a meta de primário folgada – o que não serviu para nada – agora buscamos conjugar esforços tanto de recomposição da base fiscal quanto do ponto de vista das despesas para melhorar a eficiência do gasto público.”

Para isso, Mello defendeu a necessidade de cooperação do Legislativo e do Judiciário, para transformar a política fiscal “em uma agenda de Estado, e não só de um governo”,  enxergando a necessidade de reformas estruturais, “e finalmente harmonizando a política fiscal e monetária para alcançar um ambiente macro estável e competitivo”, afirmou. “Sem estabilidade macro, poderemos esbarras em limites que a estratégia de desenvolvimento não será capaz de superar”, disse, referindo-se às agendas de transformação ecológica e neoindustrialização. “Só podemos entregar o prometido com estabilidade macro”, reforçou.

Veja mais sobre o I Encontro do Centro de Políticas Fiscais e Orçamento do FGV IBRE.

Confira a entrevista exclusiva do Secretário de Política Econômica Guilherme Mello na Conjuntura Econômica de abril, disponível na semana que vem no Blog da Conjuntura Econômica.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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