Desafio da expansão da energia eólica nos próximos anos é de demanda, diz especialista em evento no IBP

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O imperativo de ampliação da participação das fontes renováveis na geração elétrica mundial é um caminho sem volta. No Brasil, que já conta uma matriz predominantemente limpa, um dos desafios se concentra em orquestrar novos projetos de geração incentivando a diversificação da matriz de forma coordenada com a demanda. O caso da indústria eólica é ilustrativo: com uma capacidade de expansão a preços competitivos e uma nova fronteira a conquistar, com o esperado início da produção em alto-mar (offshore), o principal desafio para a próxima década, afirma Sandro Yamamoto, diretor técnico da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) está exatamente do lado da demanda.

No evento Diálogos Estratégicos - Economia, Política e Energia, parceria do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) com o FGV IBRE, Yamamoto ressaltou que esse desafio envolve diversas questões, como a expansão da transmissão, o horizonte da eletrificação - por exemplo, no transporte - e as regras de mercado da geração distribuída. Quanto a esta última, Yamamoto sinalizou que o nível de subsídios operado hoje tem permitido um ritmo de ampliação da geração distribuída que, defende, pode produzir anomalias no sistema no médio prazo. “A cada três meses, o que é instalado de geração distribuída solar nova é equivalente a um complexo de eólica offshore de 700 MW a 1 GW, e a ONS identifica isso como queda de demanda”, ilustrou. 

A determinante chave, claro, é a própria dinâmica de crescimento do PIB, lembrando que o consumo per capita de energia elétrica no Brasil ainda é baixo quando comparado a economias similares. Um contraponto a favor das renováveis, diz Yamamoto, é a demanda por substituição da matriz elétrica observada em diferentes segmentos industriais preocupados em reduzir sua pegada de carbono. Ele citou como exemplo o caso da fabricante de aço ArcelorMittal, que recentemente anunciou uma joint venture com a Casa dos Ventos, desenvolvedora de projetos de energia renovável, para um projeto de planta eólica com capacidade de 553 MW na Bahia, com a qual estima atender quase 40% de suas necessidades.

Fernanda Delgado, diretora executiva corporativa do IBP, ressaltou no evento que a busca por limpar a energia usada nas atividades produtivas é ainda mais premente entre as empresas exportadoras, dadas as exigências que os países desenvolvidos passam a aplicar em suas compras internacionais. Ela citou como exemplo o Carbon Border Adjustment Mechanism (Cbam), aprovado há uma semana pelo Parlamento Europeu, que prevê sobretaxar importações a fim de incorporar as pegadas de carbono ao preço final de produtos importados de fora do bloco. A medida visa prevenir que os esforços dos países europeus para redução dos gases efeitos estufa sejam contrabalançados pelo aumento de emissões fora de suas fronteiras, com a realocação da produção para países onde políticas para combate a mudanças climáticas são menos ambiciosas. A medida entrará em vigor a partir de 2026 e abarcará os setores de ferro, aço, alumínio, cimento, fertilizantes, hidrogênio e eletricidade, e alguns produtos derivados.

“Estamos vendo o crescimento de barreiras reputacionais, não-tarifárias, e isso ainda deve gerar muita polêmica”, afirmou Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE. Um dos questionamentos levantados pelos especialistas foi qual será a posição da OMC diante dessas regras. “De qualquer forma, a pressão externa moldará nossa transição energética. Parte de nossa pauta será moldada por essa demanda, e poderá contribuir para a aceleração desse processo”, disse.

Para melhor explorar as oportunidades geradas nessa transição, Yamamoto defendeu a aceleração da tramitação do projeto de lei que regula a cessão de áreas para a exploração da eólica offshore. “Entendo que estamos atrasados nesse processo. Se tivéssemos conseguido avançar em 2022, este ano estaríamos focados nas regulamentações”, lamenta. “Todo investidor vai fazer suas escolhas buscando maior segurança para montar equipes, fazer prospecções, se preparar para leilões e adquirir áreas para estudos. E, com uma lei aprovada, essa sinalização fica mais forte”, disse. O diretor da Abeeólica afirmou que já se conseguiu o número de votos para tirar o projeto que trata do tema (1576) das comissões temáticas para ir a plenário. “Como setor, temos que nos concentrar em defender somente as mudanças que forem essenciais, para evitar um travamento ou alterações ruins”, afirmou.

Fernanda citou estudos indicando o potencial impacto macroeconômico das eólicas offshore. “Cada 1GW de energia eólica offshore instalado pode proporcionar 14,6 mil postos de trabalho. Esse número se explica pela extensão da cadeia produtiva”, disse, destacando as sinergias dessa atividade com a de petróleo e gás. “Vale lembrar que cerca de 60% da cadeia produtiva de um projeto de energia eólica offshore advém da indústria de óleo e gás.Do ponto de vista de conhecimento, investimentos. fabricação de equipamentos, tudo que movimenta essa cadeia têm uma integração forte. É uma alavanca para o futuro, levando à pluralidade  de energéticos renováveis interessantes para nossa matriz.”

O avanço das eólicas offshore está diretamente relacionado com projetos de fabricação de hidrogênio verde, outra área em que o Brasil conta com vantagens competitivas. “Será um novo campo da energia em que  o Brasil poderá se destacar como exportador, seja de hidrogênio verde, seja de amônia verde”, ressaltou Braulio. O qual, ressaltou o pesquisador, se somará ao importante papel que o petróleo terá na próxima década tanto para a receita de exportação quanto para a arrecadação tributária, como analisado no webinar do FGV IBRE com a Folha de S. Paulo promovido na semana passada (leia aqui a cobertura do evento).

“Oportunidade, entretanto, não faz tudo, e precisamos saber usar bem essas receitas que chegarão”, ressaltou Borges, lembrando que, especialmente no caso do petróleo e da receita de royalties, trata-se de uma arrecadação finita, para o qual o melhor gasto é aquele que beneficie as próximas gerações que não contarão com a mesma benesse. A Noruega, por exemplo, usou boa parte de suas receitas para alimentar um fundo soberano, que na verdade é previdenciário, pensando exatamente nas gerações futuras”, ilustrou. “No caso do Brasil que é um país pobre, parte poderia ser direcionada ao investimento em capital humano e físico - desde que seja um gasto de qualidade, que possa de fato se cristalizar na sociedade para o futuro”, defendeu.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, ressaltou o impacto positivo que esse aumento de arrecadação trará para o equacionamento da questão fiscal brasileira, reforçando a necessidade de se tratar desses recursos - tanto para expansão do próprio setor energético quanto para os demais usos - a partir de bases técnicas, buscando maior eficiência na alocação dos recursos públicos.

“Da mesma forma que o setor poderá colaborar com o país do ponto de vista fiscal, ele também demandará um ambiente macroeconômico equilibrado que atraia investimento produtivo” afirmou. “Quando pensamos em investimento, pensamos em financiamento e taxa de juros. Para que tenhamos taxa de juros baixas, precisamos de superávit primário e uma dívida pública que se estabilize, e até recue. Isso beneficiará a cadeia produtiva como um todo, que inclui insumos sofisticados”, afirmou. Sem isso, disse Silvia, a busca por subsídios compensatórios cresce, alimentando uma dinâmica negativa. “Não temos que buscar atalhos. isso não significa condenar o papel do BNDES e do setor público - atividades ligadas à inovação em geral dependem desse apoio inicial -, mas usá-lo da melhor forma possível. Além do equilíbrio fiscal, Silvia defendeu a importância da reforma tributária. “O calcanhar de Aquiles da economia brasileira é o sistema tributário, que onera a indústria, penaliza o investimento e a exportação. Sem uma reforma, também dependeremos de mais atalhos, e de mais recurso público. É uma agenda voltada à eficiência, boa para a economia como um todo”, concluiu.

Reveja a quarta edição de Diálogos Estratégicos - Economia, Política e Energia.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir