Em webinar, pesquisadores debatem os desafios brasileiros para se beneficiar da transição energética

 Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Com uma matriz energética de composição invejável – 45% renovável, subindo para 85% quando se trata da matriz elétrica – a posição do Brasil na corrida para a transição a um mundo menos poluente é indiscutivelmente privilegiada. A meta, até 2050, é que todas as economias reduzam suas emissões de gases do efeito estufa e equilibrem as emissões inevitáveis com medidas compensatórias para que o mundo alcance o chamado net zero

Mas para ser um ofertante de soluções nessa corrida, o Brasil precisa orquestrar de forma adequada seus diversos potenciais para que essa oportunidade não seja fonte de desequilíbrios macroeconômicos, como apontaram pesquisadores no seminário A Transição Energética e os Impactos na Economia, promovido nesta terça (18/4) pelo FGV IBRE em parceria com a Folha de S. Paulo e moderação de Fernando Canzian, repórter especial do jornal. “Como macroeconomista, preocupa-me como aproveitar ao máximo vantagens desse cenário, mas de forma eficiente, com os incentivos corretos”, afirmou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBR.

Principais capacidades instaladas de geração elétrica no mundo, por fonte selecionada 
(em 2019)


Fonte: EPE.

Os especialistas ressaltaram que na exploração dessas oportunidades é preciso ultrapassar uma visão dicotômica do setor energético e aproveitar o potencial que o Brasil poderá explorar em ambos os lados da indústria, tanto no campo das energias fósseis quanto das renováveis. Braulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE, lembrou que desde 2015 o país é exportador líquido de petróleo, responsável nos últimos anos pela geração de um superávit em torno de R$ 20 bilhões ao ano. Quando olhamos adiante, a perspectiva é de que o Brasil continue fortalecendo essa posição”, diz. Além disso, o pesquisador destacou a importante participação que o setor extrativo – especialmente o petróleo – terá na arrecadação brasileira na próxima década. “Em levantamento publicado no Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, mostro que de 2011 a 2020 o setor extrativo brasileiro representou uma arrecadação federal de 0,9% do PIB por ano. Nas minhas projeções – já levando em consideração um aumento da produção em torno de 70% – receita pode chegar a 3% do PIB até 2031, mais que triplicando o que acostumamos ver até 2020”, diz, indicando que essa ampliação poderá colaborar para o ajuste fiscal que o país precisa operar para conter o aumento da dívida pública. 

Na frente das exportações de petróleo, Fernanda Delgado, diretora executiva Corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), cita que atualmente os embarques brasileiros representam 1/3 da produção de 3 milhões de barris por dia. “Essa produção tende a aumentar para 5,2 milhões de barris até 2025, e o que não consumirmos certamente vamos exportar, mantendo crescimento econômico estável”, afirma. Demanda, garante, não irá faltar. “O óleo brasileiro tem vantagem no mercado internacional. Além de ter um dos mais baixos conteúdos de CO2 do mundo, tem pouco enxofre, o que o torna muito bem aceito no mercado asiático para a produção de combustível de navegação”, diz, indicando que esse é um mercado aquecido na Ásia. “Assim, quanto mais tivermos para exportar, mais vamos vender.” A executiva também destacou que a baixa emissão de CO2 do petróleo brasileiro tende a ser um diferencial importante na medida em que se amplia a importância de medir a pegada de carbono de cada atividade.

Esse potencial do setor de óleo e gás tende a se somar com a possibilidade de o país se tornar exportador de energia renovável através do hidrogênio verde, como destacado em matéria da Conjuntura Econômica de fevereiro (leia aqui).

Participação de petróleo e derivados no valor exportado total 
2000-2022* – índice (2000 = 100)


Atualização janeiro 2023. *Dados até novembro de 2022. Fonte: Elaboração IBP com dados ANP e IBGE.

Ao que se soma, afirma Borges, outros potenciais negócios, como a venda de crédito de carbono. “Mudando nossa política de desmatamento – lembrando que é daí que vem metade das emissões brasileiras de gases do efeito estufa – o Brasil poderá cumprir suas metas do Acordo de Paris e gerar excedente monetizável para mercado de carbono”, afirma, indicando que se discute no Congresso a regulamentação para a formação do mercado de carbono. “Já temos o mercado voluntário operando há algum tempo, mas falta o mercado mandatório, no qual empresas passam a definir seus limites de emissão que, se superados, levam à necessidade de compensação, com compra de créditos. Com isso, poderemos estimular até a exportação de crédito de carbono. Mas o passo zero é reverter o desmatamento na região amazônica e no Cerrado”, diz.   

Indústria em movimento

No evento, Fernanda ressaltou que a natureza da atual transição – motivada não apenas por fatores econômicos, mas especialmente socioambientais, no qual as fontes fósseis têm seu papel como lastro energético –, demanda um maior gradualismo, no qual empresas distribuem seu apetite de investimento conciliando as duas frentes, não-renovável e limpa. “As estimativas do IBP apontam a investimentos de US$ 185 bilhões no setor de óleo e gás na próxima década, com geração de mais de 400 mil empregos. No campo das energias limpas, somente para eólica offshore já existem mais de 170 GW com pedido de licenciamento no Brasil. Estamos na discussão do arcabouço regulatório para essa atividade, extremamente importante porque atrairá uma cadeia de negócios nova para o país”, ilustra. Essa dinâmica, diz a executiva do IBP, tem suscitado novos modelos de negócio dentro do próprio setor de óleo e gás. “Hoje há empresas que imbricam seus portfólios com investimentos no setor renovável, e outras que se mantêm em óleo e gás e adicionam mercado de carbono ou avaliam a captura e armazenamento de carbono”, cita. Essa captura de carbono tem sido estudada por companhias e pelo próprio governo, que já declarou a intenção de mapear áreas do subsolo que podem servir para armazenamento de dióxido de carbono, impulsionando uma nova atividade econômica. “São muitas oportunidades, que têm seus desafios financeiros, tecnológicos, de engenharia e de uso final. Mas vejo a indústria de óleo e gás bem preparada, com capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento”, afirma.

Arrecadação somada de royalties, óleo-lucro (partilha), dividendos Petrobras e trib. federais pagos pela indústria extrativa mineral (ex prev.) 
Análise de sensibilidade com diferentes cotações para o Brent (ceteris paribus) – em % do PIB.


Fontes: Diversas.

Silvia reitera que, nesse caminho, parte importante do sucesso passa por dar sinalizações corretas ao mercado. “Setor privado é grande parceiro e precisa dos incentivos adequados. Qualquer política de subsídios tem que levar isso em conta, pois não conseguiremos colher bons frutos dessas oportunidades abertas com a transição energética global sem pensar também no equilíbrio macroeconômico e na eficiência das políticas”, afirma. Borges corrobora o alerta. “Não se pode pensar em saídas pelo subsidio sem um cálculo adequado de custo/benefício. Quando falamos de expectativa de arrecadação, por exemplo, é preciso levar em consideração nossa necessidade de consolidação fiscal. Parte desse aumento de receitas esperado têm que colaborar para o país conter o crescimento da dívida pública. Isso permite um juro real mais baixo, que por sua vez colabora para a atração de investimentos”, ressalta.

Um dos exemplos utilizados para ilustrar esse desafio é o do gás. Como no pré-sal brasileiro a exploração desse insumo é associada à produção de petróleo, atualmente cerca de metade da produção de gás não é usada – com exceção da parte reinjetada que aumenta a pressão nos reservatórios e amplia a capacidade de produção de petróleo, e outra relacionada ao programa de captura e reinjeção de carbono da Petrobras. “Há quem defenda sua importância para reindustrializar o país, especialmente após o choque de preços observado no ano passado com a guerra na Ucrânia. Por outro lado, existe a preocupação se isso passa no crivo do custo-benefício. Não é com o governo financiando gasodutos que se provará a viabilidade econômica desse uso”, diz Borges. (leia mais sobre o debate em torno do uso do gás do pré-sal em Gás brasileiro, o dilema de Tostines e o novo governo) “De fato, não há saída fácil para essa questão. Explorar um gás que está a 300 km da costa, com enorme quantidade de CO2 e distribuí-lo no país tem seu custo. Além disso, é preciso casar essa atividade com uma demanda garantida; e uma terceira camada é o aspecto regulatório que está sendo discutido, o que cria insegurança jurídica para esse energético. Há uma série de aspectos ainda a serem encaixados”, diz Fernanda.

Outra zona de risco apontada por Silvia no evento é a de como tratar a volatilidade de preço dos combustíveis para o consumidor. “Quando o preço do petróleo dispara, caímos na tentação de buscar soluções fáceis”, diz, citando a redução de preços via desoneração operada no ano passado, que no caso da gasolina foi parcialmente revista, com a escolha de operar um imposto de exportação de óleo bruto para compensar a perda de receita ainda prevista. “Sabemos que é preciso olhar o equilíbrio geral, que uma intervenção em determinada área pode gerar incentivos ruins e o resultado, no agregado, ser pior do que o inicial”, diz. Para Silvia, a forma ideal de atenuar o impacto da alta de preços é não interferir diretamente no preço. Pode-se, por exemplo, ter um colchão formado pela arrecadação extraordinária em altas prévias e usar esses recursos de forma pontual, como complemento de renda a beneficiários do Bolsa Família e ajuda a algum setor produtivo mais fortemente afetado. “Sou contra dar incentivos diretos para a gasolina, beneficiando classes mais altas de renda. Qualquer intervenção no preço gera efeitos perversos”, diz.

Para Borges, as tomadas de decisão em relação a preço de combustíveis têm de levar em conta dois elementos: o equilíbrio intergeracional, que se contrapõe à tensão de curto prazo, de consumidores buscando combustível barato; e a transição energética, que exige que os sinais de preço também levem a uma redução do consumo de combustíveis não-renováveis. “Esse ponto vale não só no campo da taxação, mas também regulatório, cobrando que os carros sejam mais eficientes, poluam menos, seja por hibridização ou eletrificação”, diz. Borges cita como exemplo estudo publicado na revista Nature que estima que o custo social do carbono hoje para economia mundial é de US$ 185 dólares por tonelada adicional de gás do efeito estufa despejados na atmosfera. “Não faltam referências de como taxar; o problema é a reação negativa que medidas assim ainda geram”, afirma, citando o exemplo do movimento dos coletes amarelos na França, iniciado contra a alta dos combustíveis.

Borges ressalta que a reforma tributária que tramita no Congresso prevê a criação de um imposto seletivo para desestimular o consumo de determinados produtos como bebidas alcoólicas, cigarros e combustíveis. “Há instrumento para fazer taxação de carbono, mas é preciso lembrar que esta tem que ser compatível com o custo social do carbono. Do ponto de vista político, costurar essas frentes não é nada fácil, mas precisa ser tentado. Não podemos limitar nossa ação ao subsídio, pensando curto prazo. Esse é um processo que é gradual, mas que precisa dosar melhor o curto prazo com uma visão intergeracional”, defende.

- Reveja o seminário A Transição Energética e os Impactos na Economia.

- Anote na agenda: dia 25 de abril, às 10h, pesquisadores do IBRE se reunirão com a presidente executiva da Abeeólica, Elbia Gannoun, e a diretora executiva Corporativa IBP, Fernanda Delgado, em mais uma edição do Diálogos Estratégicos - Economia, Política e Energia, que acontecerá na sede do IBP, no Rio de Janeiro. O evento é híbrido e as inscrições podem ser feitas aqui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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