Depois de um 2022 de forte resiliência, empresários da construção continuam revisando suas expectativas para baixo

Por Solange Monteiro, do FGV IBRE

O Índice de Confiança da Construção de janeiro registrou nova queda em janeiro, a quarta seguida. Com isso, o índice começa o ano em 93,6 pontos, ligeiramente acima do registrado no começo de 2022 (92,8 pontos), mas distante do melhor resultado do ano passado, em setembro, quando estava em 101,7 pontos. Nos últimos quatro meses, a principal revisão se deu no campo das perspectivas quanto à atividade nos próximos meses. O Índice de Expectativas, que alcançou 105,7 pontos em setembro, agora está em 92,2 pontos, com uma queda de 2,1 pontos em relação a dezembro. Esse é o menor nível desde maio de 2021, quando o indicador marcou 89 pontos. Na avaliação sobre a situação atual dos negócios das empresas, a queda foi menor: de 98,6 em outubro, melhor resultado de 2022, para 95,1 em janeiro.

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE, afirma que esse resultado advém da previsão dos empresários de queda de demanda, refletida também em uma revisão negativa para a tendência de negócios. Ela lembra que a trajetória futura da taxa de juros é variável fundamental para determinar uma melhora das projeções da construção no médio/longo prazo, e sem um horizonte claro para o início da queda da Selic não há previsão para reverter esse quadro.  “O setor demonstrou resiliência grande em 2022. O segmento imobiliário residencial, por exemplo, teve desempenho excepcional nas vendas. A questão para 2023 é se os bancos subirão mais as taxas de juros. Se isso acontecer, o cenário ficará mais complicado”, diz. “É preciso lembrar que este ano o cenário de juros também estará refletido na desaceleração contratada da atividade econômica, o que tende a repercutir no emprego e na renda, tornando o comprador mais cauteloso. E acumular estoque não é o desejo do mercado”, diz.  Ainda que a taxa de juros média para financiamento imobiliário tenha registrado uma variação bem mais suave que a Selic nos últimos dois anos, algo próximo de 3 pontos percentuais de acordo a dados do Banco Central, há outras determinantes que fazem parte desse cálculo, como percentual de inadimplência e a própria demanda por crédito, que estimula os bancos a competir mais em busca de clientes, ofertando produtos mais atrativos. 

Índice de Confiança da Construção, por segmentos 
Em pontos, com ajuste sazonal


Fonte: FGV IBRE.

Em janeiro do ano passado, o setor da construção também tinha registrado queda de confiança, preocupado com a evolução da demanda depois de um 2021 com recuperação marcante, impulsionada pela concessão de crédito ao setor imobiliário. Naquele momento, entretanto, Ana lembra que o percentual de empresários que indicavam fatores limitante aos seus negócios era maior – entre os quais, além da questão da demanda, ainda se destacava o preço das matérias-primas. Ana lembra que, em janeiro, a variação de 0,32% do Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) foi impulsionada pelo resultado e acordo coletivo em Belo Horizonte, e que no campo dos custos de materiais e serviços houve até uma ligeira deflação, de -0,12%.  “A princípios, o cenário está mais favorável nesse campo das matérias-primas – as commodities não devem voltar a ser fonte de pressão, ainda que o petróleo continue alimentando incertezas – e a Sondagem registra um percentual menor de citações de fatores limitantes”, diz a economista, o que reforça a ideia de que, este ano, as atenções estarão concentradas na evolução da economia e das taxas de juros.

Neste ano, fatores limitantes pesam menos 
Citações, em %


Fonte: FGV IBRE.

Outro elemento que ilustra a concentração das preocupações com a demanda futura é o detalhamento das expectativas dentro do segmento de serviços especializados, disseminados em todas as etapas de uma obra. Enquanto entre os empresários do segmento de obras de acabamento, que estão na ponta final do ciclo em curso, iniciado nos últimos anos, as expectativas registraram alta de 5,2 pontos, entre as empresas responsáveis pela preparação de terreno as expectativas registraram queda de 7 pontos. Ana ressalta que, apesar de as sinalizações do novo governo apontarem a uma retomada mais vigorosa do Minha Casa Minha Vida – o relançamento oficial do programa pelo presidente Lula, que seria feito dia 20 deste mês na Bahia, foi adiado –, são dados que ainda estão no campo das intenções. No ano passado, o programa Casa Verde Amarela registrou um primeiro semestre ruim, com alguma reação no segundo semestre, a partir de mudanças nas regras do programa que, entre outros, ampliaram o limite da renda familiar elegível para obter financiamento subsidiado com recursos do FGTS – o que atendeu à parcela de famílias que, com a piora das condições econômicas, não conseguiram obter crédito pelo SBPE, mas ainda não atendeu à antiga faixa 1, das famílias de mais baixa renda, que recebiam subsídio de 90% para adquirir sua casa (Leia mais sobre habitação de interesse social nesta entrevista a Carlos Henrique Passos, da Cbic). “Já no caso dos imóveis de alto e médio padrão, também há dúvidas se as vendas continuarão crescendo no mesmo ritmo em um cenário mais desfavorável”, completa Ana.

SEGMENTO RESIDENCIAL: sinais de desaceleração com queda em lançamentos 
(variação % no acumulado jan-out 2022 em relação ao mesmo período de 2021)


Fonte: Abrainc/Fipe.

No caso das obras de infraestrutura, a especialista do FGV IBRE ressalta que a percepção de um impulso maior do Estado tampouco saiu do terreno das expectativas, e que também é preciso dissipar sinais negativos no campo regulatório. “A infraestrutura ainda se mantém num terreno positivo, para o que contam os investimentos contratados nos últimos leilões de concessão. Mas ainda há sombras sobre riscos de mudança no marco regulatório, especialmente nas áreas de saneamento e ferrovias, que gerem reversão de expectativas”, diz. “Por outro lado, a intenção do governo de retomar obras paradas e recuperar o papel do BNDES como financiador soa positiva para o setor. Como amplamente sinalizado, sabemos da importância que investimento privado ganhou nos últimos anos no setor de infraestrutura, mas também está claro que, sozinho, não dará conta das necessidades do país nesse campo”, conclui.

Projeção de investimentos em infraestrutura em 2023 
Federal, estadual e municipal – R$ bilhões


Fonte: Livro Azul da Infraestrutura 2022 - Abdib.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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