Confiança do consumidor: diferença entre faixas de renda se mantém alta

Por Solange Monteiro, o Rio de Janeiro

Em agosto, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do FGV IBRE subiu 4,1 pontos em relação ao mês anterior, para 83,6 pontos, e pela primeira vez alcançou o nível observado antes de início da pandemia. Uma característica que ainda se mostra resistente, entretanto, é a diferença da confiança quando observada por faixas de renda. A distância entre a média do ICC mensal das rendas mais baixas em relação às mais altas não sai dos dois dígitos desde maio de 2020 – a única exceção é fevereiro de 2021, quando essa diferença ficou em 9,7 pontos. A maior boca de jacaré entre os índices foi observada em dezembro de 2021, quando a média da confiança entre consumidores nas faixas mais baixas de renda marcou 65 pontos, e na média entre consumidores de mais alta renda, 85,6 pontos, marcando 20,6 pontos de diferença. Até então, a maior distância em favor da confiança dos consumidores mais ricos havia sido observada em setembro de 2009, quando chegou a 17,3 pontos.

Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das Sondagens, afirma que além da evolução da pandemia e do impacto maior desta entre os trabalhadores informais, as expectativas em torno do destino das transferências de renda – o auxílio emergencial e, posteriormente, o Auxílio Brasil – determinaram parte desse pessimismo entre as faixas de baixa renda, que em abril e maio de 2020 chegaram a registrar ICC de 57 pontos, o menor da série (no cálculo das Sondagens, 100 pontos representam confiança em nível neutro). “Na pandemia, quando o governo passou a dar auxílio, observamos primeiramente um movimento de compra de bens essenciais concentrados em produtos alimentícios e farmacêuticos. Logo veio o consumo de bens duráveis, primeiramente de substituição daqueles depreciados pelo esgotamento por uso. E, ao longo de 2021, houve a volta gradual do consumo de serviços”, descreve. “Mas o que observamos em parte do tempo foi que, mesmo entre as faixas de renda mais alta, havia incerteza forte, o que também motivou uma volatilidade grande nas respostas, refletindo uma percepção cautelosa, ainda que com resultados positivos nos serviços, devido a uma alta demanda represada. Quando perguntava para consumidor se tinha intenção de comprar nos próximos 6 meses, observava-se uma baixa intenção de compra mesmo entre os que tinham uma situação mais estável. A partir do final do ano passado, entretanto, Viviane observa que a posição de cautela começou a se concentrar mais nas famílias mais pobres. “A falta de renda, o alto nível de endividamento, a inflação que foi escalonando, crédito mais caro e de mais difícil acesso tornou essa diferença no nível de confiança evidente, com uma volatilidade ainda mais perceptível”, diz.

Evolução da confiança por faixa de renda


Fonte: FGV IBRE.

Em agosto, o descolamento entre a confiança da média dos consumidores de mais baixa renda em relação ao de mais alta renda registrou 12,4 pontos. De maio de 2020 a agosto, a média simples da diferença entre a confiança entre consumidores de mais baixa renda e de mais alta renda foi de 14 pontos, um pouco maior que o resultado na ponta, mas mais o dobro da diferença observada até o início da pandemia, que em abril de 2020 ainda era de 5,8 pontos.

Indicador de intenção de consumo de bens duráveis por faixa de renda


Fonte: FGV IBRE.

Viviane aponta que outra característica particular trazida pela pandemia, ainda não dissipada, foi a distância observada na evolução do índice que avalia a percepção da situação atual (ISA) para o que mede a expectativa dos consumidores em relação aos meses adiante. Ela conta que, em situações normais, um aumento do índice de expectativas tende a prenunciar melhoras na evolução da situação atual. “É um movimento que acontece no médio prazo. Entretanto, durante a pandemia, não se repetiu, indicando que a esperança dos consumidores de que, dominado o contágio, tudo voltaria completamente ao normal, não se concretizou”, diz. Essa constatação se reflete nos números. A variação do índice de Expectativas de seu menor nível desde a pandemia (em abril de 2020, de 65 pontos) para o seu melhor resultado (observado agora em agosto), de 92,6 pontos é de 37,6 pontos. Já o Índice de Situação Atual (ISA) variou apenas 6,7 pontos de seu pior momento (maio de 2020, com 65 pontos) ao melhor, de 71,7 pontos. “Nessa comparação, fica claro que as expectativas, desta vez, não foram acompanhadas de uma melhora da percepção dos consumidores sobre sua situação presente”, reitera Viviane.

A coordenadora das Sondagens do FGV IBRE afirma que a sinalização de melhora do quadro inflacionário e o aumento do valor do Auxílio Brasil até dezembro colaboram para a melhora de quase 4 pontos na confiança da média dos consumidores de mais baixa renda em agosto em relação a julho. Outra boa notícia da Sondagem de agosto foi uma melhora na disposição e compra de bens duráveis, ainda que esta seja mais acentuada entre as famílias de mais alta renda, entre as quais a intenção de compra subiu 10 pontos em agosto.  “Temos um indicador que mostra uma percepção mais forte de endividamento para faixas de renda mais baixas, o que inibe esse tipo de consumo. Estas também ainda não conseguiram perceber mudança no curto prazo para o mercado de trabalho, onde percebe-se uma busca por profissionais mais qualificados, que em geral não é o perfil desse grupo. Ou seja, para eles, o médio prazo ainda incerto”, afirma. Viviane também aponta que o cenário eleitoral tende a influenciar a confiança do consumidor, mas cuja direção ainda é difícil de prever. “Como temos uma eleição que parece bastante polarizada, seu resultado deve alterar confiança dos consumidores, ainda que a diferença entre as faixas de renda deve permanecer. A questão é em qual faixa haverá mais alterações, e se estas serão na direção ao otimismo ou ao pessimismo”, conclui.

 


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