Confiança da construção estável em março, em compasso de espera por definições de políticas do governo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Índice de Confiança da Construção do FGV IBRE registrou estabilidade em março em relação a fevereiro. O índice caiu 0,3 ponto, fechando o mês em 94,4 pontos, nível considerado de moderado pessimismo. No agregado, o indicador que mede a situação atual registrou ligeira alta – 0,3 ponto, depois de quatro meses consecutivos de queda – e o que avalia as expectativas, ligeira baixa, também de 0,3 ponto.

Analisando as expectativas dos empresários com mais detalhe, observa-se que a avaliação sobre a demanda prevista subiu 0,9 ponto (para 98,3 pontos). “O movimento de inflexão observado em fevereiro se manteve – não no mesmo ritmo, posto que no mês passado a alta foi de 4 pontos –, mas mantendo uma direção de melhora”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE. “A reedição do Minha Casa Minha Vida e a sinalização de um novo PAC, bem-recebida pelas empresas do setor, colaboraram para mitigar o pessimismo observado no final do ano passado”, afirma.

No segmento de edificações, Ana afirma que este ano o ciclo de negócios deverá ser pautado exatamente pelas habitações de interesse social (HIS), posto que “no segmento de média e alta renda o cenário é mais desafiador, diante da perspectiva de condições de crédito mais apertadas e custo alto”, afirma. No campo da HIS, a economista destaca que, além das expectativas em torno do programa do Governo Federal, iniciativas de estados e municípios também alimentam as expectativas do setor. Uma das mais recentes é o programa “Pode Entrar”, do governo do município de São Paulo, com a contratação de 38.870 unidades residenciais, com investimento de R$ 6 bilhões. O programa é direcionado a famílias com renda dividida em dois grupos: até 3 salários mínimos e até 6 salários mínimos. No primeiro grupo, o teto de comprometimento da renda das famílias é de 15% – o que representa prestações entre R$ 150 e R$ 590 –, sendo o restante do valor subsidiado. A oferta das construtoras para concorrer ao programa foi 2,5 vezes maior do que as unidades previstas pela prefeitura. “Um ponto relevante nesse programa, que as empresas comentam que gostariam de ver adotado no MCMV, é que no ‘Pode Entrar’ o valor total da contratação deu uma obra é empenhado desde o momento da contratação. Para o governo, isso limita o número de unidades que pode contratar, pois significa separar todo o recurso destinado a cada projeto já no início, e não a cada ano. Por outro lado, isso dá segurança para as empresas, de que as obras chegarão ao final”, diz. “Isso permite, inclusive, que as empresas façam investimentos pra melhorar a produtividade de seu processo produtivo, pois estão mais confiantes de que aquele contrato irá até o final.” Ana ressalta a tendência de o Executivo federal buscar maior integração com as demais esferas de governo (sobre o tema, reveja entrevista do Blog com Carlos Henrique Passos, executivo da Cbic), mas pondera que nem todos têm capacidade fiscal para contar com um programa tão robusto como o lançado na capital paulista. 

Demanda prevista 
Indicador padronizado, com ajuste sazonal


Fonte: FGV IBRE.

No caso da infraestrutura, as primeiras sinalizações em relação ao novo PAC foram bem avaliadas por representações do setor, mas Ana indica que ainda é preciso aguardar o anúncio oficial do programa. Entre os destaques de princípios anunciados pela Casa Civil para o novo PAC estão alguns critérios de formação de carteira – como a conclusão de empreendimentos do PAC anterior e do PIL, estudos e projetos em estágio avançado de desenvolvimento, e projetos que reduzam a desigualdade social e regional –, mas ainda restam dúvidas sobre os critérios de seleção das obras, entre as que são prioritárias para cada pasta de governo. “Até o momento da realização da sondagem, o que se tinha de concreto era o ciclo recente de obras dos leilões realizados, que devem continuar mobilizando a atividade”, afirma.

Crédito preocupa

No quesito tendência de negócios para os próximos meses, o movimento registado pela Sondagem ainda foi de queda, com -1,4 ponto (para 92,3 pontos). Isso significa, indica Ana, que no quadro geral de variáveis que afetam a atividade da construção – que inclui, por exemplo, crédito, custo de mão de obra e de matéria prima – a percepção se mantém de cautela. Ou seja, se no caso da demanda há uma calibragem para cima, o ambiente de negócios ainda é avaliado como mais preocupante. Um dos quesitos de destaque na Sondagem de março é um amento das assinalações do quesito acesso ao crédito como fator limitante aos negócios, refletindo a sinalização das instituições financeiras de que o crédito vai ficar mais caro e escasso. “Ainda não se configura, entretanto, uma ameaça ao ciclo de negócios recente”, diz Ana.

Outro quesito que tem chamado a atenção quanto a fatores limitantes é a falta de mão de obra qualificada. “Vemos que essa preocupação dos empresários reflete um ciclo aquecido, mas uma questão estrutural também. No mês de março, o percentual de assinalações quanto a escassez de mão de obra qualificada supera o custo da matéria-prima”, compara Ana.  Ela afirma que os segmentos da atividade que mais assinalam esse quesito são os de serviços de acabamento (22,7%) e obras de arte (como pontes e viadutos), com 24,9%.

Frequência de menções a acesso ao crédito como fator limitativo - edificações residenciais


Fonte: FGV IBRE.

Ainda que a Sondagem reflita um compasso de espera pelas definições de políticas do governo e preocupações relacionadas ao ambiente macroeconômico, Ana afirma que isso não deve afetar significativamente a expectativa de crescimento do setor em 2023. O Boletim Macro IBRE de março projeta que, pelo lado da demanda, apenas o setor agropecuário e a construção civil terão crescimento positivo este ano – com, respectivamente 8% e 1,1%.  “Ao menos que se tenha um problema mais sistêmico, como um credit crunch,  a construção formal vai crescer porque já existe um ciclo de negócios contratado, seja na área de infraestrutura, seja na imobiliária, e que continuará em 2023”, diz. No caso do segmento conhecido como formiguinha, relativo às pequenas obras de reforma e construção de pequeno, o cenário pode se mostrar mais adverso, dado o alto nível de endividamento médio observado hoje entre as famílias. “Mas o mercado formal tende a ser o principal impulsionador desse crescimento”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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