Como Goiás chegou a primeiro estado incluído na nova versão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF)

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na última sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a entrada de Goiás no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa que permite a suspensão do pagamento da dívida do estado com a União, que será retomado de forma gradual, a partir de 2023, com prazo de 30 anos para sua quitação. As bases desse acordo fazem parte das modificações feitas no RRF previstas na Lei Complementar 178/21, que promoveram um modelo mais suave de ajuste do que o contemplado na primeira versão do RRF, da qual apenas o Rio de Janeiro participou - sem sucesso em cumprir as metas intermediárias, e que agora também está no processo de submeter um novo plano de recuperação para seguir no regime, como contou à Conjuntura Econômica Bruno Sobral, subsecretário de Política Fiscal do estado.

Atualmente, a dívida de Goiás soma R$ 22,98 bilhões, o que consumiria cerca de R$ 2,5 bilhões anuais no pagamento de principal, juros e precatórios. Desde junho de 2019, entretanto, o estado conta com liminar do STF, por duas vezes prorrogada, que suspende esse pagamento. “Mas nossa intenção é adequar a situação fiscal de Goiás, pois não queremos um estado viciado em suspensão de dívida”, afirmou à Conjuntura Econômica Cristiane Schmidt, secretária de Economia do Estado, em conversa para a edição de dezembro.

Na ocasião, a secretária contou que desde 2019 o estado vem realizando reformas com impacto fiscal, algumas necessárias para a entrada no regime. “Entre as que deram mais resultado estão a reforma da Previdência - o rombo previdenciário no estado em 20019 ]era de R$ 2,9 bilhões - e a reforma administrativa, com a qual eliminamos quinquênios, anuênios. Além de promovermos uma redução da renúncia fiscal”, enumera. No caso desta última, o corte no primeiro ano e meio de governo foi de R$ 1,6 bilhão, e para 2021 a previsão era de que a proporção de renúncias em relação à arrecadação fosse de 44%, contra 46% em 2018. Outra medida adotada pelo governo foi a redução do número de fundos, de 40 para 18, o que colaborou, diz a secretária, para desamarrar o orçamento. “Só ficaram os fundos que são constitucionais federais ou aqueles que envolvem algum repasse, e todos permitem reversão de recursos para o Tesouro no final do ano, desde que não utilizados, e sempre que a Constituição permita”, explica.

Para dar celeridade a esse ajuste, Cristiane conta que foi beneficiada pelo fato de contar, dentro da Secretaria que lidera, não só a Economia como o Planejamento, o Orçamento e o Tesouro, permitindo maior alinhamento das tarefas. Graças a esse conjunto de medidas, ela afirma que foi possível começar a regularizar o pagamento, já em 2019, de mais de 4,6 mil fornecedores com os quais o estado tinha contas em atraso. “Hoje, faltam apenas 170 com alguma dívida pendente. Tínhamos restos a pagar de R$ 3,5 bilhões; hoje são R$ 500 milhões, e pretendemos fechar 2022 com essa conta zerada”, diz.

Com a entrada no RRF a partir de janeiro de 2022, Cristiane afirma que o estado alcançou um planejamento orçamentário-financeiro que lhe permitirá uma melhor alocação de gastos. “Também colabora para isso a implementação do teto de gastos do estado, que nos ajuda a buscar escolhas melhores”, diz. “Conseguimos ampliar os gastos com programas sociais, daremos aumento para servidores, admitiremos concursados, tudo dentro do limite do teto. Ou seja, não sairemos da linha em ano eleitoral”, afirma. A secretária ressalta, entretanto, que para garantir a solvência de longo prazo dos estados não basta o esforço dos governos em arrumar a casa, citando decisões de impacto nacional. Entre elas, mencionou a decisão do STF que julgou inconstitucional as alíquotas de ICMS de energia elétrica e telecomunicações acima de 17%, de um recurso extraordinário contra o governo de Santa Catarina, com repercussão geral. “Sem uma modulação dessa decisão do STF, em 2022 todos os estados irão ao Supremo pedir suspensão de pagamento de dívida”, afirmou. No caso de Goiás, a medida representaria uma perda de arrecadação estimada em R$ 1,5 bilhão. Dia 17 de dezembro, o STF decidiu que essa determinação passará a vigorar a partir de 2024.

À Conjuntura Econômica, Cristiane afirmou que reconhece a importância de uma reforma tributária “não em função de nosso ajuste, mas para por fim ao manicômio tributário que hoje reina no país e aumentar a produtividade dos fiscos”. Mas defende que uma reforma administrativa em nível federal seria bem-vinda para a manutenção da trajetória de ordenamento fiscal, “pois é difícil fazer mudanças visando à otimização de carreiras sem que a União dê o primeiro passo”.

 


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