Começo de ano turbulento

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O ano passado começou com previsões ruins para a atividade econômica. Vários analistas apontavam crescimento menor que 0,5% havendo, inclusive, quem arriscasse que o PIB poderia ser negativo.

Eram muitos os desafios para que a economia brasileira crescesse: guerra na Ucrânia, inflação mundial, desaceleração do crescimento global, juros em alta e, por aqui, um ano de eleições presidenciais. No próximo dia 2 de março, o IBGE divulga o resultado do PIB de 2022, e as expetativas são de que a economia brasileira pode ter crescido algo ao redor dos 3%.

Apesar das incertezas e polarização das eleições, a taxa de câmbio se valorizou ante o dólar, houve superávit primário, a dívida bruta do governo despencou, ante as previsões de que poderia bater na casa de 100% do PIB, as contas externas apresentaram números bastante saudáveis, a taxa de desemprego recuou e a inflação começou a ceder, embora permaneça em patamares elevados.

Longe da zona de conflito entre Rússia e Ucrânia, que intensificou o aumento dos preços das commodities, o Brasil se beneficiou, o que se refletiu na balança comercial e na atividade econômica. Comparado com outros países, o Brasil conseguiu um bom desempenho.

Esse punhado de boas notícias poderia se estender para 2023. No entanto, como aponta o Boletim Macro FGV IBRE, o começo do ano foi turbulento e, ainda, há muitas incertezas.

A manutenção das boas condições colhidas em 2022 só será possível se a política fiscal cumprir o seu papel, que é o de gerar perspectivas de superávit para 2024, facilitando as queda dos juros e consolidando um cenário de sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. O ministro Fernando Haddad, ante as incertezas e o nervosismo do mercado, antecipou o envio do novo arcabouço fiscal para o mês de março, ação que estava prevista para o final do primeiro semestre.

Além da questão fiscal, o Boletim alerta:

• Não poderiam ocorrer mudanças drásticas no arcabouço da política econômica em geral, com destaque para o papel dos bancos públicos e do BNDES, o modelo das parceiras público-privadas, a relação com as empresas estatais, a autonomia do Banco Central etc. E, por fim, a necessidade de manutenção de uma agenda de reformas, com destaque para a reforma tributária.

• Há ainda muitas dúvidas e poucas certezas sobre se veremos esses requisitos se transformarem em realidade. No campo das reformas, aparentemente há boa chance de mudança no sistema tributário brasileiro, no que se refere à tributação de bens e serviços.

• Ainda há muitas dúvidas sobre a agenda de política econômica mais ampla. Por exemplo, se haverá expansão dos gastos parafiscais, interferência na política de preços de combustíveis, reversão de privatizações, revisão da reforma trabalhista, metas de inflação mais elevadas, entre tantas possibilidades levantadas pelo novo governo. Ou seja, se haverá uma volta ao passado, de políticas que foram adotadas e/ou intensificadas nos governos Dilma I e II. Sempre é importante mencionar que há muitos estudos que mostram os péssimos resultados de diversas políticas econômicas adotadas nesse período.

• Do ponto de vista macroeconômico, as incertezas fiscais contribuem para um aumento de incerteza na economia, como mostra o Indicador do FGV IBRE, afetando a atividade no curto prazo. Além disso, uma política fiscal expansionista eleva de forma permanente a taxa real de juros neutra da economia.

• Do ponto de vista da política econômica, o início do governo tem sido muito turbulento, com propostas que parecem mais voltadas a desfazer as reformas recentes do que a melhorar o ambiente econômico, e com medidas na área fiscal que não promovem o pouso suave da economia que parecia ser o cenário central ao final de 2022.

• No front externo também se começou o ano com razoável turbulência, com os preços de ativos muito sensíveis a indicadores de alta frequência e ao que eles sinalizam sobre o processo de desinflação buscado pelos principais bancos centrais. Ainda que haja incertezas sobre o crescimento global este ano, as perspectivas melhoraram nos últimos meses, em especial na Zona do Euro, que tem mostrado um crescimento econômico mais resiliente (para o que o inverno ameno contribuiu), e na China, com a reabertura econômica que tem contribuído para a retomada da atividade na região.

• Mesmo com alguns riscos, o cenário internacional deve ser mais benigno este ano do que o esperado anteriormente. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE, que em fevereiro de 2023 subiram pela primeira vez desde novembro de 2022, de forma disseminada entre as regiões: o Coincidente subiu 6,2 pontos, para 83,3 pontos; o Antecedente teve alta ainda mais expressiva, de 11,2 pontos, para 90,5 pontos, maior nível desde março de 2022.

• Em suma, riscos existem, mas o Brasil parece relativamente bem-posicionado em termos do cenário externo, pois nos beneficiamos da reabertura da China, dos preços altos de commodities – mesmo com estes recuando em 2023, mas ainda para patamares elevados – e somos um player importante no mercado de energia renovável.

• O desempenho da economia brasileira no atual mandato do governo Lula dependerá fundamentalmente das escolhas de política econômica que serão feitas neste início de governo. E o Poder Executivo é crucial na definição da agenda econômica, que precisa ter credibilidade e consistência. Sempre é bom lembrar de uma frase do filósofo Sêneca: “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”. 

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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