“Cenário mais favorável no ano que vem dependerá de termos mais clareza sobre 2023”

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na primeira metade do ano, quando a forte reação da atividade levou muitos analistas a prever que o PIB de 2021 fecharia acima dos 5%, o mal maior das projeções era que a partir de 2022 o país retornasse ao seu velho normal, com um ritmo de crescimento sequer chegando aos 2%. Com a piora das condições de entorno – crise energética, demora na normalização das cadeias de abastecimento, pressão inflacionária e aumento da incerteza quanto aos rumos da política fiscal –, entretanto, o melhor panorama que se observa para o próximo ano é ver o PIB andando de lado, repetindo o atual quadro de estagnação.

“Temos problemas estruturais de longa data, mas neste momento a perda de vigor da recuperação vem da piora do cenário inflacionário, anabolizado por depreciação cambial acima do que é explicado pelos fundamentos. E a única variável que explica risco país acima da média dos emergentes são períodos de estresse fiscal”, afirmou Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, no IV Seminário de Análise Conjuntural . Para Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, qualquer estimativa mais favorável que a estagnação no ano que vem dependerá de haver mais clareza sobre os rumos do Brasil a partir de 2023. “Dessa forma, pode-se recuperar a confiança, com reação dos preços de ativos, fazendo a economia crescer mais”, declarou, reforçando a análise traçada em conversa para a Conjuntura Econômica de dezembro.

Mas as alteraçõesno teto de gastos e a postergação do pagamento de precatórios tendem a ampliar a percepção de que outras intervenções ainda podem acontecer adiante, alertou Castelar, como interferência nos preços dos combustíveis, ou pacotes fiscais para grupos de interesse, ampliando a incerteza e o pessimismo quanto a uma atividade mais robusta. No webinar, realizado em parceria com O Estado de S. Paulo e moderação da repórter especial e colunista do jornal Adriana Fernandes, Silvia indicou que a previsão do IBRE para o PIB de 2022 é de 0,7%. “Teríamos condições de acelerar, pois hoje ainda estamos quase 3% abaixo da tendência de crescimento pré-pandemia. Mas as condições não nos permitem usar esse fôlego”, disse. Tal como havia apontado em conversa para o Blog, Silvia indicou que o PIB cíclico, relacionado a atividades não diretamente afetadas pelo comportamento dos juros, que representam cerca de 2/3 do valor adicionado, já aponta retração para o ano que vem, restando às demais atividades a compensação desse resultado. “O setor agropecuário deverá crescer em torno de 5%, e também deverá haver um crescimento dos serviços públicos, como saúde e educação, ainda defasados em relação à pandemia”, citou, lembrando que essas atividades são menos geradoras de emprego e renda, não oferecendo a contribuição necessária para a recuperação do consumo das famílias. “Os últimos resultados das Sondagens do FGV IBRE mostram que a piora da confiança é observada em todas as faixas de renda”, aponta. Castelar ainda lembra que a economia tampouco poderá contar com um carregamento estatístico favorável. “Com a economia mundial apresentando um crescimento mais vigoroso, nossa estagnação é algo frustrante, porque não era essa a expectativa”, disse.

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, reforçou a mensagem deixada no seminário anterior de que, sem apoio de Executivo e Legislativo na área fiscal, não há política monetária eficaz para conter a pressão inflacionária, “especialmente numa economia como a brasileira, de longa tradição de inflação”, ressaltou. Senna foi enfático em defender que o posicionamento “atrás da curva” tanto do BC brasileiro quanto de outros bancos centrais no mundo é justificável pela atipicidade do processo inflacionário iniciado na pandemia – com a transferência da demanda das famílias para bens, de um lado, e a interrupção das cadeias de fornecimento de insumos, de outro, para logo se disseminar para os demais setores da economia. “Não há um único banqueiro central no mundo que não esteja reclamando da velocidade e persistência da inflação. E isso tem a ver com ineditismo desse processo”, disse.

Senna destacou que nos países desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos, a tendência de não se posicionar de forma preventiva contra a inflação era um movimento que até a pandemia se justificava para fazer frente aos efeitos da chamada estagnação secular. As mudanças de natureza demográfica e de comportamento nas economias desenvolvidas vinha afetando poupança e investimento, derrubando os juros de equilíbrio, acarretando uma deficiência de demanda que levou a um quadro de crescimento e inflação baixos. “Com juros zero, os BCs ficaram sem margem de manobra para estimular a economia quando necessário. Isso levou o FED a mudar estratégia em 2020, indicando maior tolerância com a inflação e abrindo mão de ações preventivas”, lembrou.

No caso do Brasil, Senna ressaltou que mesmo os mais reconhecidos analistas de mercado não conseguiram prever a trajetória inflacionária. “Desde agosto ano passado o erro das previsões dos agentes de mercado é sistemático na mesma direção. No último mês, o erro nas projeções para o IPCA em 30 dias registrada no Focus foi de 65 pontos. Não é correto exigir que BC enxergasse esse processo”, afirmou. Mas Senna reconhece que, diferentemente do FED, o Brasil não possui musculatura para enfrentar os riscos de um descontrole inflacionário. “Por isso, mesmo sem a entrega de um bom arcabouço fiscal, o BC não pode cruzar os braços. Se o fizesse, a situação só pioraria”, afirmou. “Dificilmente a ação do BC será suficiente para levar a inflação à meta em 2022, mas se conseguir reduzir em algo a inflação, já será um grande avanço. E melhor ainda se persistir para trazer expectativa inflacionária de prazos mais longos para as respectivas metas”, concluiu.

Para o economista, é preciso ter cuidado para não se avançar na conclusão de que uma retração nos investimentos no Brasil, ou o desempenho ruim da atividade econômica, são resultado da ação do BC. “Atividade econômica e investimento privado não dependem só de juros baixos. Dependem ambiente político, fiscal, estabilidade jurídica”, afirmou. Na frente externa, Senna considera que o FED não realizará em 2022 um aperto tão forte como já aventado, o que é positivo para os emergentes. “Essa política arrasa quarteirão não vai acontecer. E isso, ao menos, é uma boa notícia para o Brasil.”

Reveja o IV Seminário de Análise Conjuntural do FGV IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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