Carta do IBRE – A pandemia e o aumento da dívida pública

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Se olharmos a trajetória da dívida pública dos países em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), veremos que, em dois momentos, ocorreram saltos substanciais. O primeiro foi quando eclodiu a crise financeira global de 2008/2009. Considerada por muitos economistas como a mais devastadora crise desde a Grande Depressão de 1929, quando o sistema econômico colapsou pela superprodução e especulação financeira, levando a quebra da Bolsa e instituições financeiras mundiais, a crise financeira de 2008 germinou nos Estados Unidos com a criação de uma bolha imobiliária, causada por uma supervalorização dos preços dos imóveis, não acompanhada pelo aumento da renda da população. Trocando em miúdos: os bancos passaram a oferecer mais créditos, atraindo mais consumidores, subindo artificialmente os preços dos imóveis. Com a maior procura, os juros subiram, derrubando os preços dos imóveis, e muita gente não teve como pagar os empréstimos, levando bancos a não honrarem seus compromissos. O caso mais emblemático disso foi a quebra do Lehman Brothers, nos Estados Unidos. A crise, que se espraiou por toda economia norte-americana e pelo mundo, mereceu o comentário abaixo do então presidente Bush:

Eu acredito muito na livre iniciativa, por isso o meu instinto natural é se opor a intervenção do governo. Eu acredito que as empresas que tomam más decisões devem sair do mercado. Em circunstâncias normais, eu teria seguido esse curso. Mas estas não são circunstâncias normais. O mercado não está funcionando corretamente. Houve uma perda generalizada de confiança, e grandes setores do sistema financeiro da América estão em risco”. (George W. Bush, 2008)

Mais recente, a pandemia da Covid-19 que se espalhou pelo mundo a partir de 2020, levou os países a liberarem recursos para enfrentar o virus, seja através de injeção de dinheiro para a saúde, empresas e apoio aos mais vulneráveis.

A Carta do IBRE, que circula na próxima edição da revista Conjuntura Econômica, lançando mão de dados organizados por Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE, mostram que a média simples mundial (188 países) da relação entre a dívida pública bruta e o PIB saltou 26,2 pontos percentuais entre 2008 e 2020, de 42,8 para 69 pontos percentuais. O salto apenas de 2019 para 2020 foi de 10,4 pontos percentuais. Os números têm como base o Fiscal Monitor de abril deste ano, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Dívida Bruta
(Média – em %)


Fonte: Fiscal Monitor abril/21. FMI. *30 países. **158 países.

A Carta faz a seguinte indagação: Como fica o fiscal o Brasil nesse filme? “Na verdade, não muito bem”, diz.

E explica: “ o salto da relação dívida bruta/PIB brasileira de 2008 a 2020 foi de 36,7pontos percentuais, de 61,4 para 98,1 pontos percentuais. O critério de dívida pública, por questões de comparabilidade, é do FMI, diferente daquele adotado pelo Banco Central do Brasil, que chega a valores menores, mas com variação semelhante (88,8 em 2020 e 56 pontos percentuais em 2008). De qualquer forma, o aumento da dívida bruta no Brasil em 2009-2019 foi bem superior ao do mundo (média simples dos países), dos emergentes e até das nações avançadas, nas quais o endividamento avançou mais. Já entre 2019 e 2020, o aumento da dívida bruta brasileira foi de 11,2 pontos percentuais, mais em linha com o mundo e os grupos de ricos e emergentes. A dívida bruta do Brasil pelo critério do FMI em 2020 (98,1% do PIB) estava 32 pontos percentuais do PIB acima da média dos emergentes (66%) e 13,1% acima dos avançados (85%)”.

Para a Carta, “ esses números deixam claro que, no grande debate surgido desde a década passada sobre os limites de endividamento público dos países – em função justamente do salto ocorrido neste século –, o Brasil é claramente um caso que merece cuidado e atenção. Na verdade, não existe uma definição científica muito robusta de um limite a partir do qual a dívida pública de um país se torna preocupante. Os economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, em trabalho conjunto de base empírica, chegaram ao nível de 90% como limiar a partir do qual o crescimento econômico seria prejudicado de forma mais intensa, mas o trabalho foi criticado por erros de cálculo. De qualquer maneira, muitos países ricos têm hoje níveis bem acima de 90%, sem que se percebam perturbações macroeconômicas das quais os menos endividados estejam livres. 

Essa dificuldade em estabelecer um nível preciso a partir do qual a dívida pública se torna problemática não significa, por outro lado, que os países possam se endividar ilimitadamente – em especial aqueles que não emitem moedas de reserva e instrumentos de dívida considerados “portos seguros” para os investidores globais. A “hora da verdade” varia de economia para a economia, e depende de um enorme número de circunstâncias, mas é fora de dúvida que de tempos em tempos determinados países ou grupos de países sofrem de desconfiança sobre a solvência pública, levando a crises de variadas magnitudes. No Brasil, nos dias de hoje, muitos analistas veem na empinada da curva de juros e na desvalorização excessiva do câmbio desde o ano passado as digitais de um risco crescente de insolvência fiscal”.

Agradeço ao Bráulio Borges pelo fornecimento dos dados para a elaboração do gráfico sobre dívida bruta.

Ver íntegra da Carta do IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir