Carta do IBRE – O papel do Estado na recuperação

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Todos os dias, invariavelmente, os meios de comunicação sempre trazem notícias sobre a situação fiscal brasileira. Se num passado não muito longe o assunto não era encarado como uma questão crucial para a maioria da sociedade, hoje temos uma legião de pessoas que falam sobre o assunto. Até mesmo aquelas que não tem conhecimento mais profundo sobre esse espinhoso tema, se aventuram a tecer opiniões e análises sobre a debilidade das nossas contas públicas. Hoje, o déficit fiscal, o engessamento do Orçamento, com mais de 90% das verbas já estando comprometidas – carimbadas no jargão mais popular –, o déficit primário, que é o resultado das contas do governo central, entre outros termos, tornaram-se quase corriqueiros para boa parte da sociedade.

Embora nos últimos anos o Brasil tenha dado largos passos na busca de uma consolidação fiscal, com a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), as reformas da Previdência, a mais profunda há cerca de dois anos atrás, a renegociação da dívida dos Estados, por exemplo, não se conseguiu chegar a uma posição confortável das contas públicas, mesmo com toda a atenção que o assunto passou a despertar.

Não é fácil reformar arrumar as finanças públicas, dado o grande número de interesses envolvidos – qualquer mudança vai penalizar alguém -, e as carências da sociedade brasileira, extremamente desigual.

A Carta do IBRE que circula na edição deste mês da Conjuntura Econômica, se debruça sobre essa questão, levantando um ponto de grande importância, já que haveria uma dicotomia nesse senso de responsabilidade fiscal: “ a seriedade com a política de arrecadação e de gastos do setor público se manifesta na esfera macroeconômica, mas não ainda na microeconômica”.

Para a Carta “ essa característica fica clara no conflituoso processo de aprovação do orçamento de 2021, que dominou o noticiário econômico recentemente. Tudo foi prometido, alegado e acordado tendo em vista respeitar o teto de gastos e outras regras sobre limites fiscais. Pouco ou quase nada se debateu sobre a natureza específica e a qualidade dos gastos que se programaram ou se cortaram para chegar ao acordo final, que permitiu a sanção presidencial da peça orçamentária. O protagonismo do teto dos gastos nesse processo salta aos olhos. Os critérios utilizados para “equilibrar as contas” parecem bem poucos relevantes, desde que levem ao cumprimento do teto e outros limites”.

Prossegue afirmando que, “por outro lado, acreditando-se que o fim da pandemia não esteja distante, impõe-se a questão do estado do mercado de trabalho. É importante lembrar que, em 2019, após a aprovação de uma reforma da Previdência ousada em termos de redução de despesas públicas ao longo dos anos subsequentes, a resposta da economia foi pífia. Em seguida à recessão de 2015/16, e de um crescimento trôpego de 2017 a 2019, as projeções eram de crescimento não muito superior a 2% para o PIB em 2020. O desemprego iria melhorar lentamente no decorrer dos meses, mas ainda fecharia em duas casas decimais. E esse cenário pouco animador da atividade ocorria com a dívida bruta estabilizada e inferior a 80% do PIB”.

Pós-pandemia, tudo piorou, claro. O setor privado precisará de algum tempo para se reorganizar. Se os empregos não voltarem, será o caos social. É inconcebível se trabalhar com um cenário de lenta melhora do mercado de trabalho. Nesse contexto, parece inevitável a atuação do Estado para impulsionar a atividade econômica. Por isso, é fundamental que o Poder Executivo tome a frente na proposição de investimentos produtivos.

A Carta ressalta a importância do Estado para canalizar esforços em uma série de segmentos, duramente atingidos pela pandemia.

Diz a Carta: “ a lista de tarefas para qual é preciso canalizar esforços é extensa. Há, por exemplo, enorme acúmulo de procedimentos médicos não realizados no devido momento, por causa do desvio de recursos humanos e materiais para o enfrentamento da Covid-19. Colocar em dia o sistema de saúde pode exigir investimentos e maior despesa com pessoal no setor médico. Na educação, uma geração inteira de alunos teve perda significativa no aprendizado compatível com a respectiva faixa etária. Como no caso da saúde, um programa para repor essa lacuna pode exigir gastos em pessoal, custeio e até investimento.

Outro ponto destacado pela Carta: “ existe também enorme quantidade de empresas, especialmente micro e pequenas no setor de serviços, que sobreviveram, mas em situação financeira extremamente precária, e que precisarão de algum apoio sob pena de quebrarem e aprofundarem ainda mais a recessão e o desemprego. Um imenso contingente de trabalhadores desempregados também precisa de assistência, ainda mais se for considerado que alguns setores, como entretenimento e educação, podem ter sofrido mudanças permanentes em termos da dicotomia entre trabalho presencial e remoto. Dessa forma, programas maciços de retreinamento ou de emprego temporário podem ser úteis e necessários”.

Leia íntegra da Carta do IBRE

 


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