Carta do IBRE – O difícil momento do Brasil

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Depois de um março com recorde de mortes, a pandemia se fortalece e, segundo previsões de especialistas, abril deverá ser um mês ainda mais difícil e amargo. A lenta vacinação pela escassez de doses e a resistência de não se decretar medidas mais duras contra a CIVID-19, o que, entenda-se, não é algo trivial, não dão muitas esperanças de que o país consiga controlar a pandemia num espaço de tempo curto.

Preservar vidas e colocar a economia de pé, ao mesmo tempo, é um grande desafio nesse momento em que o Brasil vive um quadro dramático em muitos aspectos: sanitário, social, econômico e político institucional. Mesmo antes da chegada da pandemia, a economia brasileira andava de lado, como dizem os economistas. No ano passado o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,1%, depois de dois anos seguidos de crescimento na casa de 1%. E a situação fiscal, que já era frágil, se deteriorou ainda mais com os recursos liberados para enfrentar o implacável inimigo.

A Carta do IBRE, publicada na revista Conjuntura Econômica de abril, enfatiza que "a prioridade máxima, portanto, é superar a pandemia para poder reativar a economia, defendendo a necessidade da vacinação, "principal pilar de uma política econômica bem-sucedida", o uso de máscaras e um isolamento social bem planejado".

Além desse enorme desafio dada as dificuldades em se ter vacinas suficientes para acelerar o processo de imunização – até a última segunda-feira, apenas 11,8% da população havia recebido a primeira dose da vacina e 3,31% a segunda –, a Carta toca na ferida de outros dois pontos cruciais: o auxílio emergencial e a questão fiscal. E, em outro, ao final: os efeitos desastrosos que serão sentidos pelo longo período em que milhões de crianças e adolescentes, especialmente das camadas mais pobres, ficaram e, ainda estão, sem aulas. O que terá impactos sobre a qualidade de mão-de-obra futura e, consequentemente, sobre a produtividade do país.

No caso do auxílio aos que perderam ou ainda perderão suas rendas nessa nova onda da pandemia, muito mais fatal que a primeira – no mês passado o número de mortos bateu recorde, chegando a 66.868, mais que o dobro do recorde de abril de 2020, de 32.912 óbitos – "é duvidoso que R$ 44 bilhões ao longo de quatro meses para os trabalhadores informais, tal como foi orçado o novo auxílio emergencial, sejam suficientes para atenuar o impacto socioeconômico dessa nova onda de propagação da Covid-19 no setor privado, cuja recuperação deve ser em grande parte abortada", alerta a Carta.

A pandemia afeta, principalmente, os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade, como mostra a Carta, citando Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE, em artigo publicado no Blog do IBRE. "Enquanto o emprego formal recuou 4,2% em 2020, o informal teve queda de 12,6%". No último trimestre do ano passado, houve uma ligeira melhora nos indicadores, mas ainda há uma grande distância entre as taxas de formais e informais (ver gráfico).

"Houve recuo de 20,6% no emprego de pessoas com até três anos de estudo, e de 15,8% para os de escolaridade entre quatro e sete anos. Já para o grupo com mais de 15 anos de estudo, ocorreu um aumento de 4,8% do emprego no ano passado. Em 2021, mesmo com quarentenas não tão amplas e rígidas como as de março a maio de 2020, é certo que o emprego dos mais vulneráveis será de novo desproporcionalmente atingido", concluiu a Carta.

Taxa de crescimento do emprego formal e informal
(em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior)


Fonte: IBGE. Elaboração FGV IBRE.

Essa questão remete para o terceiro nó da situação brasileira: o problema fiscal. Como relata a Carta, "a Emenda Constitucional 109 (EC emergencial), com todos os seus muito problemas, amplamente dissecados pelos analistas, ainda assim contribuiu para que a emenda do teto de gastos se sustente nos próximos anos. Muito se discute sobre as diversas formas de contornar o teto de gastos, como capitalizações de estatais (que estão de fora), ou o crédito extraordinário este ano para viabilizar o novo auxílio emergencial (extrateto), ou ainda a subestimação de despesas e os cortes não sustentáveis de gasto obrigatório para dar espaço a mais emendas parlamentares na votação do orçamento de 2021".

E prossegue: "no entendimento desta Carta, no entanto, fora algum subterfúgio grosseiro e acintoso que desmoralizasse totalmente a emenda do teto, contornos e adaptações como os que ocorreram até agora não neutralizam a principal função do dispositivo, que é a de ser a âncora fiscal eleita pelo mercado como principal alicerce da solvência pública no Brasil. Na verdade, não existem níveis de gasto ou de tamanho da dívida pública que automaticamente deflagrem a fuga dos papéis do governo. Há um importante componente psicológico dos agentes econômicos em relação à confiança na higidez do setor público, e, hoje no Brasil, a manutenção formal do teto de gastos vem cumprindo esse papel".

A EC emergencial, recém-promulgada, complementou a arquitetura do teto, ao criar um gatilho para o acionamento das medidas de contenção de despesas obrigatórias – como a proibição de aumentos salariais e contratações – quando estas ultrapassarem 95% do gasto total. Segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), esse limite não deve ser atingido antes de 2025. No caso dos estados e municípios, os gatilhos são acionados quando as despesas correntes ultrapassarem 95% das receitas correntes. O acionamento é facultativo, mas o ente federativo não pode ter garantia ou crédito da União ou de qualquer organismo público se não acionar os gatilhos a partir daquele limite.

"A emenda da emergência fiscal ainda prevê o envio pelo Executivo de um plano gradual de redução das isenções tributárias, do nível atual de aproximadamente 4% do PIB para 2% em oito anos. E também regulamenta as condições para a vigência do regime de calamidade pública, e trata de temas como avaliação de políticas públicas, precatórios e parâmetros para a sustentabilidade da dívida pública nos diversos níveis da Federação".

E finaliza: "assim, a pauta do momento tem necessariamente de ser imediatista e lidar com uma nova rodada de negociação de medidas urgentes de contenção dos danos sanitários, econômicos e sociais da pandemia. Esse rearranjo envolve Executivo, Legislativo e os agentes econômicos. É preciso equacionar a necessidade social com os limites fiscais, de forma a minimizar o padecimento dos vulneráveis e não comprometer a solvência pública nem causar turbulências prejudiciais à atividade econômica. O precário equilíbrio entre essas diversas variáveis será de novo posto à prova.

Isso não quer dizer, entretanto, que o governo deva se paralisar em todas as frentes. Há toda uma agenda de avanços menos custosos politicamente, em temas como regulação, investimentos de infraestrutura, parcerias público-privadas etc. Nada impede que essa agenda continue a andar, melhorando as condições para a almejada retomada da economia".

Mas a pandemia, além das mortes e do desarranjo da atividade econômica, afetou de forma drástica a já deficiente educação brasileira, com uma péssima gestão na pandemia, cujas consequências da interrupção prolongada dos estudos de crianças e adolescentes, especialmente para as camadas mais pobres da população, serão profundas e duradouras, com reflexos na formação-de-obra e produtividade do país, que tem se mostrado muito abaixo do desejável.

Produtividade do Trabalho com ajuste sazonal
(Crescimento em relação trimestre anterior)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli – FGV IBRE.

Conforme descrito na Carta, "segundo relatório da Unicef, entre 200 países, o Brasil ficou na 196ª posição em termos de dias em que as escolas ficaram totalmente fechadas por causa da pandemia, considerando-se o período de 11 de março de 2020 até 2 de fevereiro de 2021. Foram 191 dias no Brasil, segundo a Unicef, comparado a uma mediana de 67 dias para o conjunto de 200 nações. Em países como Estados Unidos, Suécia e Austrália, o número de dias com escolas totalmente fechadas foi zero".

Agradeço ao Paulo Peruchetti o fornecimento dos dados para a elaboração dos gráficos.

Ver a íntegra da Carta do IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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