Brasil-China: os desafios para uma relação ganha-ganha

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nesta quarta-feira (17/4), o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) reuniu autoridades e especialistas em Brasília para celebrar os 50 anos da relação Brasil-China e debater frentes de negócios e cooperação.

No agronegócio, que junto ao setor extrativo foi o setor que mais se beneficiou do comércio com a China nas últimas décadas, a defesa de Marcos Jank, conselheiro do Cebri e professor do Insper, foi por mais transparência e previsibilidade de longo prazo para as exportações. Um dos exemplos citados foi o das vendas brasileiras de carne suína para que a China honrasse sua demanda diante dos surtos de peste suína africana. “A recuperação foi muito rápida”, lembrou, frustrando o planejamento dos produtores brasileiros, que ficaram com estoques elevados. “A questão da habilitação de frigoríficos, por sua vez, é opaca e pouco transparente. Acabamos da habilitar 38 plantas, mas sem certeza sobre o que define esse ritmo”, disse. Jank ainda apontou um nível de investimento direto chinês aquém das expectativas. “Hoje vejo mais fundos sauditas no Brasil do que chineses.”

Letícia Frazão Leme, diplomata brasileira na embaixada em Pequim, destacou que, diante do aumento da preocupação dos chineses com a segurança alimentar – em especial devido às incertezas no campo geopolítico –, o Brasil precisa estar atento a que a complementariedade agrícola com China pode ser dinâmica. “O próprio presidente Xi Jinping tem repetido a frase de que a tigela de arroz dos chineses tem que ser preenchida com grãos chineses”, afirmou, indicando que além da política de autossuficiência agrícola em grãos, fala-se em política de autossuficiência em sementes.

A diplomata destacou a distância entre discurso e realidade, posto que o país tem limitações importantes quanto à oferta de terra arável e água. “A China tem 8% terras aráveis do mundo, 5% da água, mas 20% da população São 120 milhões de hectares plenamente ocupados. Para produzir mais soja, por exemplo, tem que deixar de produzir outra cultura nessas mesmas terras”, exemplificou. Ela lembrou que a meta do governo chinês é de reduzir as importações de 100 milhões em 2020 para 83 milhões de toneladas ano entre 2020 e 2030. “Em 2021 e 2022 conseguiu-se certa redução, mas em 2023 as importações voltaram a ultrapassar o pico de 100 milhões”, ilustrou.

A diplomata destacou, entretanto, que a diversificação de fornecedores é outra frente em que os chineses estão investindo, visando à segurança alimentar. “Diante do conflito na Ucrânia, parte da demanda de milho chinesa foi absorvida pelo Brasil”, lembrou, indicando que o outro grande fornecedor do produto para os chineses são os Estados Unidos. “Nesse caso, nos beneficiamos. Mas em outros setores esses esforços por diversificação podem nos prejudicar.”

Jank reforçou que o contexto internacional é delicado. “A desgovernança global e a fragmentação geopolítica são ruins. Uma OMC totalmente enfraquecida também afeta a gente, e não sabemos para onde vai o conflito Estados Unidos x China”, enumerou, apontando as incertezas sobre quanto esse cenário pode influenciar o agronegócio. “A vantagem do agro, entretanto, é que se perdemos em um produto, podemos negociar ganhos em outros”, afirmou, destacando novamente o caso da carne bovina. “É fato que hoje essas exportações estão concentradas na China, mas o consumo dos chineses ainda é baixo, de menos de 5 quilos de carne por habitante por ano, enquanto entre os brasileiros é de 25 quilos. Se a classe média-alta chinesa aumentar seu consumo de carne  - lembrando que esse movimento começou com a crise de abastecimento de carne suína – ainda significará um volume importante.”

A senadora Teresa Cristina, ex-ministra da Agricultura, defendeu no evento frentes de ampliação de cooperação entre os países, citando áreas como produção de pequenas máquinas agrícolas, colaboração técnica em aquicultura e silvicultura, bem como no biogás de rejeitos do agro. “Nesse campo, o Brasil já possui alguma infraestrutura – em 2022, foram produzidos 2,88 bilhões de metros cúbicos de biogás de acordo à CIBiogás –,mas aquém do nosso potencial. China tem capital e tecnologia, e podemos atrair investimento direto para gerar energia limpa para lidar com rejeitos de forma sustentável e descarbonizar a cadeia proteína animal”, citou.

Thiago Barral, secretário de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas Energia, também destacou no seminário o potencial de cooperação entre chineses e brasileiros no campo da transição e segurança energética, ilustrando que a maior fatia dos investimentos chineses no Brasil nos últimos 15 anos foi direcionada à eletricidade, óleo e gás e mineração. “Precisamos de um diálogo aberto quanto às cadeias de suprimento. Na indústria de geração fotovoltaica, por exemplo, a China concentra 90% de certas etapas da cadeia industrial. É inevitável que as cadeias de suprimento se ampliem e diversifiquem, e uma parceria estratégica pode ser fundamental”, afirmou.

Já Suzana Kahn, diretora-geral da Coppe-UFRJ, defendeu que o Brasil precisa, tal como a China, aproveitar as oportunidades de geração de negócios que esse momento de transição energética possibilita. “Nestes anos em que participo da cooperação técnica entre a Coppe e a Universidade de Tsinghua, o que me angustia são as oportunidades que perdemos no sentido da inovação”, afirmou, destacando que a transição energética não se limita à oferta de energia, contemplando também a substituição dos hidrocarbonetos na composição de vários produtos, do plástico aos fertilizantes. “Não dá para imaginar fazer transição olhando outro lado da equação. E aqui temos um potencial desperdiçado por nós, que tem avançado na China”, diz, citando um exemplo. “Nas nossas parcerias iniciadas por conta de biocombustíveis, desenvolvemos uma série de alternativas enzimáticas para a produção de biodiesel de forma mais eficiente, inclusive em termos de balanço energético.  Quando começamos a trabalhar com patentes, percebemos que nossos colegas chineses não só avançaram mais como abriram empresas e estão fabricando as enzimas que desenvolveram conosco. Ou seja, conseguiram fazer negócio, enquanto ficamos nos estudos”, concluiu.

Na próxima semana, dia 24, às 10h, Suzana Kahn participará do webinar Caminhos para uma Transição Energética Segura, promovido pelo FGV IBRE com a Folha de S. Paulo. Inscreva-se.

 


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