“Brasil ainda precisa melhorar o ambiente de negócios para tirar proveito do reordenamento das cadeias de valor globais”

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Assim como apontado por Claudio Conceição recentemente na coluna Em Foco, e pela pesquisadora associada do FGV IBRE Lia Valls em conversa para o Blog, o ano começou com viés de baixa quando se trata das perspectivas para o ambiente geopolítico e seu impacto na economia global. Do ponto de vista do Brasil, a combinação do avanço da candidatura de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e o aumento da concentração das exportações brasileiras para a China, por exemplo, é motivo de atenção. Convidado como palestrante do evento Smart Summit 2024, promovido na semana passada no Rio de Janeiro, o pesquisador associado do FGV IBRE Livio Ribeiro reforçou que o cenário externo exige cautela, destacando que o lado meio cheio desse ambiente turbulento – a tendência de reordenamento das cadeias globais de valor, criando oportunidades para o Brasil atrair investimento direto estrangeiro – não será bem explorado se o país não perseverar na agenda de melhoria do ambiente de negócios.

No evento, um dos focos de preocupação levantados pelo jornalista e analista geopolítico italiano Carlo Cauti foi o do risco de um sudden stop no médio prazo caso a tensão Estados Unidos x China sobre Taiwan se amplie – o que poderia acontecer, afirmou, mesmo sem Trump de volta à presidência americana. Para Ribeiro, a altíssima concentração da produção global de semicondutores em Taiwan o torna “too big to fail”. “Isso traria problemas para a indústria global, o que inclui a de ambos os países”, afirmou, destacando entretanto que desde antes da pandemia tanto China quanto estados Unidos já se moviam para desenvolver a cadeia completa de produção de eletrônicos em seus respectivos territórios desde a exploração de terras raras à fabricação de computadores, passando por semicondutores. “Se isso se concretizar, Taiwan deixará de ser tão importante, reduzindo o custo de uma invasão”, afirmou. “Isso não é coisa que acontece em dois anos, mas pode acontecer em dez.”

Ainda que concorde quando ao baixo risco de agravamento da situação de Taiwan no curto prazo, Artur Wichmann, CIA Global da XP Private, destacou que outros pontos de inflexão na história mundial prescindiram dessa visão pragmática. “Se lembrarmos do cenário pré-Primeira Guerra Mundial, quando o mundo vivia o pico da globalização observado até aquele momento, autores consideravam que nunca haveria uma guerra mundial por se tratar de um suicídio econômico. Não obstante, chegou a hora em que as considerações políticas superaram essa lógica.” Wichmann considerou, entretanto, que movimentos de curto prazo que gerem uma freada brusca na produção global é compreendida pela maioria dos governos como nada vantajosa. “A China ainda concentra 80% da produção de smartphones, metade da produção de PCs e de insulina. Ainda é impossível viver sem ela”, afirmou, ilustrando outros esforços, como o do Japão, para atrair a indústria de semicondutores de volta para seu território.  

Tanto Ribeiro quanto Wichmann ressaltaram, entretanto, que essa tendência leva o mundo a uma produção inevitavelmente mais cara. “Agora não se trata de uma escolha apenas econômica, pois o balanço de riscos global mudou”, afirmou Ribeiro. “Se na década de 1980 o sistema capitalista deu para o setor produtivo o mandato de otimizar custos, o que resultou na criação de cadeias de produção desenhadas para isso, agora descobrimos – com a guerra comercial do governo Trump e mais claramente com a Covid – a fragilidade dessas cadeias. Agora, do ponto de vista de gestão de risco, passa a valer pagar um pouco mais caro para ter certeza de que se estará sempre abastecido.”

Outro alerta dado pelos especialistas é de que o Brasil precisa estar mais atento à sua agenda de melhoria de ambiente de negócios para não perder oportunidades diante dessa revisão de cadeias de valor. “Atualmente, um dos grandes destaques nessa atração tem sido o México. Quanto ao Brasil, de fato continua sendo um grande mercado consumidor, diplomaticamente neutro, mas ainda temos um dos ambientes de negócio mais hostis do mundo”, afirmou Wichmann. Até o terceiro trimestre de 2023, o investimento estrangeiro direto (IED) no México havia acumulado alta de 30% em relação ao mesmo período de 2022, com US$ 32,9 bilhões, de acordo à Secretaria de Economia do país. Desse IED, 41% saíram dos Estados Unidos, seguidos de Espanha, Alemanha e Argentina; 53% foi concentrado na indústria de transformação – o que pode ser reflexo da tendência de nearshoring, ou reposicionamento de produção para economias próximas e geopoliticamente alinhadas –; e 8% correspondem a investimentos novos.

No caso do Brasil, estatísticas mais recentes do setor externo divulgadas pelo Banco Central indicam queda de investimentos diretos no país no acumulado de 12 meses até novembro de 2023 (US$57,7 bilhões) comparado ao período anterior (US$77,1 bilhões).

“No Brasil, nosso problema é que o risco país ainda não se soluciona nunca, pois até o passado muda. Isso inviabiliza um negócio? Não. Mas o torna mais caro”, disse Ribeiro. “Aí, ou se cobra um prêmio na moeda, ou se investe menos do que se poderia investir em situações normais”, afirmou.

 


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