“Ao se definirem critérios mínimos, estaremos dificultando a criação de subsídios ineficientes”

Gustavo Guimarães, secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) do Ministério da Economia

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No final do ano passado, Gustavo Guimarães, secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) do Ministério da Economia, foi destaque na mídia ao defender o projeto de abertura do mercado das loterias instantâneas e apostas esportivas no Brasil, com expectativa de tirá-lo do papel ainda em 2022 e ampliar o potencial de arrecadação dessa atividade, de qual parte dos recursos arrecadados vai para a área social. Esta conversa para o Blog, entretanto, concentrou-se em outra área de atenção da Secap que, afirma Guimarães, tem avançado a passos largos nos últimos anos: a avaliação e monitoramento de políticas públicas.

A Secap é supervisora do trabalho do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap), que teve seu status fortalecido em 2019 e, na Lei do Plano Plurianual (PPA) de 2020-23, foi definido como órgão responsável pela avaliação, de forma sistemática e institucionalizada, de políticas públicas financiadas por gastos diretos ou subsídios. “Já, no ano passado, a Emenda Constitucional 109 (da PEC Emergencial), reforçou a avaliação como competência da administração pública, perenizando uma conquista que até então era temporária, tendo de ser renovada a cada quatro anos, com um novo PPA”, descreve.

Desde o PPA 2020-23, 46 programas foram selecionados para análise, divididos em três ciclos anuais, representando políticas que envolvem R$ 1,1 trilhão, 79% em gastos diretos e 21% em subsídios. O primeiro relatório publicado no ano passado pela Secap descreve as avaliações dos 16 programas selecionados no ciclo de 2020 – com temas que vão do Simples Nacional, Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) à dedução de despesas médicas do imposto de renda de pessoas físicas –, bem como processo de institucionalização desse trabalho. As avaliações são executadas tanto por membros do Cmap (Ministério da Economia, Casa Civil e Controladoria-Geral da União) como de instituições apoiadoras: Ipea, IBGE e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap). “À medida que vamos ganhando tempo e maturidade nesse processo de avaliação, a ideia é ampliar a agenda de colaboração a novos atores”, afirma Guimarães. O que já acontece nos webinars promovidos pela Secretaria, que contam com a participação de especialistas da FGV, entre eles Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE, que tratou de políticas de proteção social.

Cada avaliação realizada gera uma lista de recomendações, e uma resposta do órgão gestor. “Solicitamos um plano de ação de cada órgão, e cabe à CGU fazer o monitoramento”, descreve o secretário. “Com isso, além das avaliações do ciclo de 2021, agora passamos a consolidar o resultado desse monitoramento apontando, quando pertinente, a necessidade de correções de políticas.” Tal como na experiência do Ceará, que desde 2017 trabalha para a institucionalização do monitoramento de políticas para uma gestão com base em evidências, Guimarães conta que muitos ajustes de rumos acontecem durante o próprio processo de avaliação, na conversa com os gestores. “Isso aconteceu, por exemplo, na análise de fundos constitucionais, em que a medida provisória (sobre as regras de administração dos fundos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, aprovada em 2021 no Congresso, diferenciando custos conforme o porte do tomador de recursos) já atendeu parte das recomendações que publicamos posteriormente”, afirma.

Guimarães conta que o desafio de 2022 será consolidar essa institucionalização. “Estaremos em ano eleitoral, será importante dar continuidade ao trabalho e mostrar que a avaliação é uma atividade técnica, uma política de Estado, e não de governo. Por isso, inclusive, a importância de termos um grupo amplo de apoiadores, garantindo equilíbrio e transparência da atividade.”  Outra tarefa na lista da Secap é desenvolver novos critérios que permitam mais celeridade na avaliação, incluindo na lista de políticas já em desenvolvimento (ex-post), aquelas que estão passando por alguma reformulação ou são novas (ex-ante), adequando o trabalho à urgência do tema. “Percebemos essa necessidade, por exemplo, na avaliação do Bolsa Família, que estava sendo realizada enquanto o programa já passava por uma revisão para a criação do Auxílio Brasil, o que nos fez optar por abrir as recomendações antecipadamente, pois o processo completo de avaliação poderia terminar depois da política já reestruturada”, diz. “Hoje temos um conjunto de regras bem definidas que ajudam a blindar o processo de escolha e avaliação de políticas, mas precisamos aprimorá-lo para garantir a inclusão de outras avaliações prioritárias em caráter excepcional.” Um processo que também colaborará na tarefa de incorporar as avaliações dentro do ciclo orçamentário, atendendo à EC 109, fazendo a interligação dos trabalhos, completa o secretário. 

Na lista de políticas em avaliação este ano estão temas como a desoneração de PIS/Cofins sobre produtos da cesta básica, o enquadramento do Microempreendedor Individual (MEI) e empréstimos da União ao BNDES. Outro tema de especial atenção de Guimarães é o trabalho da Secap na proposta de um projeto de lei complementar para regulamentar a política de subsídios em nível federal, previsto na PEC Emergencial (EC 109). Além de indicar uma redução de incentivos e benefícios tributários federais, para que em até 8 anos estes não ultrapassem 2% do PIB – meta avaliada como de difícil execução, devido às exceções instituídas na própria emenda – a EC 109 prevê que essa lei complementar defina critérios objetivos, metas de desempenho e procedimentos para concessão e alteração desses benefícios, bem como regras para avaliação periódica obrigatória dos impactos dos mesmos. Para Guimarães, essa regulamentação, se bem-feita, poderá ser mais importante na limitação dos subsídios pretendida pela lei do que o plano de redução previsto, e questionado. “Os critérios a serem colocados podem avaliar os benefícios já existentes e definir prazos. Veja o caso do Fundeb – discussão na qual participamos ativamente. Houve um redesenho porque ele tinha prazo para acabar. Assim, ao se colocar uma data limite para cada benefício, suscita-se uma discussão sobre o mesmo, abrindo a oportunidade de se ganhar em qualidade, ainda que não haja uma redução imediata do volume”, diz. Guimarães afirma que o projeto será apresentado ainda este ano. “Há muita coisa na Constituição que fica à espera de uma lei regulamentadora, mas aqui não estamos esperando que outras instâncias nos lembrem disso. Ao se criarem critérios para a concessão de benefícios, iremos no mínimo dificultar a criação de novos subsídios ineficientes”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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