Ampliação do uso de cashback no novo sistema tributário dependerá de espaço fiscal, afirma Bernard Appy na FGV

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A regulamentação da reforma tributária sobre o consumo é importante tarefa que o Congresso tem nas mãos este ano, em que hoje o governo federal trabalha a toque de caixa, para apresentar os projetos de lei ao legislativo até o final de março. É a regulamentação que definirá, por exemplo, as regras de funcionamento do comitê gestor que administrará a arrecadação que será transferida a estados e municípios, o tratamento dos regimes específicos e o imposto seletivo. Em encontro na FGV São Paulo na sexta-feira passada, o secretário Extraordinário da Reforma Tributária Bernard Appy, afirmou que a atividade dos 20 grupos de trabalho, que inclui uma comissão de sistematização, além dos grupos técnicos, tem sido feita junto aos estados e municípios. “A legislação do CBS (que substitui os impostos federais, IPI e PIS/Cofins) e do IBS (que entra no lugar de ISS e ICMS) tem que ser conjunta. Dessa forma, legitima-se o trabalho que está sendo feito”, disse.

No encontro, Appy respondeu a questões de especialistas da casa, a começar pelo efeito do novo sistema na competitividade das exportações brasileiras do agronegócio e do setor extrativo. No caso deste último, o Senado estabeleceu a possibilidade de incidência de imposto seletivo sobre a extração de petróleo e minério com alíquota máxima de 1%. No caso do agro, foi aprovada, conforme defesa de governadores do Centro-Oeste, a manutenção da contribuição sobre produtos primários até 2043. “Entendo que a incidência do imposto seletivo é algo equivalente a um aumento de royalty do petróleo e da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Acabaríamos com essas compensações para garantir a competitividade?”, ilustrou, ressaltando que esse imposto ainda está sendo discutido, e sua incidência já conta com um teto definido. “No caso das contribuições sobre produtos primários, não seria o arranjo ideal, ainda assim também há restrições: não se pode criar nenhuma nova contribuição, nem ampliar a alíquota.” Appy ressaltou que, perto da distorção hoje observada no setor industrial – “cujos produtos, na média, exportam em torno de 7% de imposto” – o acordo político para a aprovação da reforma preservou o ganho no que mais afeta a competitividade da produção nacional.

O encontro, promovido pelo Centro de Estudos de Infraestrutura & Soluções Ambientais, também foi marcado por preocupações dos participantes no campo da desoneração do investimento – sobre como será definida a divisão conceitual entre investimento e insumo, levando em conta que determinados insumos agregam à capacidade produtiva de um setor. E, ainda, quais as diretrizes nortearão as negociações de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos, como de concessões e PPPs, tema destacado anteriormente no Blog por Sergio Gonçalves, secretário executivo da Associação brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) (leia aqui). Sobre esse tópico, Appy destacou que o grupo técnico dedicado ao tema está consultando as agências reguladoras na elaboração de propostas, e reconheceu que no caso do saneamento esse trabalho se torna mais complexo devido à pulverização de agências – são 89 ao todo no Brasil. Em função dos diferentes graus de maturidade que cada agência setorial pode apresentar, uma das sugestões apresentadas no evento foi a de que a lei complementar conte com orientações claras, lembrando que, além de uma possível redução de valor de outorga de contratos, quando esta existir, as alternativas para tal reequilíbrio podem ser aumento de tarifa ou redução de investimento.

Appy reconheceu a necessidade de atenção ao caso do saneamento – que na votação final, na Câmara, perdeu a condição de tratamento especial, com alíquota diferenciada – afirmando que o governo federal pretende estender a aplicação do cashback para o setor. A emenda constitucional da reforma tributária prevê a possibilidade de devolução de imposto para famílias com finalidade social, mas estabeleceu a obrigatoriedade de cashback apenas para energia elétrica e gás de cozinha (GLP). “Se a eletricidade, tal como o saneamento, está no regime geral e vai ter cashback, não faz sentido que saneamento não tenha”, afirmou. “O ideal, nesse caso, é que seja com desconto do valor diretamente na conta. É perfeitamente possível ser feito.”

O secretário afirma que, além do saneamento, o governo estuda incluir no projeto o cashback para outros usos, mas que a concretização desse sistema dependerá do espaço fiscal que se tem. “Para o governo, o mundo ideal é ter imposto com alíquota uniforme para tudo e usar esse sistema de forma ampla para reduzir o efeito regressivo da tributação, mas a reforma que saiu do Congresso prevê uma série de hipóteses de alíquota reduzida – como para saúde, educação e alimentos”, lembrou, ressaltando, por exemplo, que quanto mais produtos forem incluídos na cesta básica, menos margem para desconto em outros tributos haverá. “Aí será uma decisão do Congresso. Do que depender do governo federal, a ideia é prever cashback para que famílias de baixa renda não tenham impacto com a mudança tributária”, concluiu.

 


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