“Cashback para o saneamento não resolve todos os desafios com a reforma tributária”

Sergio Antonio Gonçalves, secretário-executivo da Aesbe

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (link aqui, para assinantes do jornal), o secretário especial da Reforma Tributária Bernard Appy sinalizou a intenção do governo de propor a devolução dos tributos incidentes sobre os serviços de água e esgoto prestados à população de baixa renda, tal como a reforma promulgada já prevê para as contas de energia elétrica e gás de cozinha. A inclusão, afirmou Appy, justifica-se diante da retirada do saneamento básico do grupo de atividades que contarão com um regime específico de imposto, com alíquota nula ou mais baixa que a padrão.

Ainda que positiva, essa sinalização ainda é acompanhada de muitas dúvidas. “A clareza, por enquanto – ao menos nos encontros que tivemos com o secretário – é do interesse na adoção desse sistema, mas restam muitas questões a esclarecer”, diz Sergio Gonçalves, secretário-executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). Ele aponta que, dessa lista, fazem parte questões não triviais que tanto podem colaborar de fato para a sustentabilidade do sistema quanto fomentar mais ruídos. “Além de delimitar quem seriam os beneficiados, se os consumidores registrados no Cadastro Único ou um grupo mais amplo, ainda é preciso saber, por exemplo, como se dará esse reembolso, se mediante um desconto na própria conta, ou uma devolução posterior”, descreve. Gonçalves indica que a segunda alternativa, além de burocraticamente mais complexa, poderia abrir campo para um aumento da inadimplência dos consumidores, posto que antes do reembolso estes teriam que garantir recursos para de arcar com uma conta mais cara.

Outra aplicação do modelo de cashback que também está sobre a mesa de discussões, lembra o executivo da Aesbe, é um para as empresas, “que garantiria o reembolso de despesas relacionadas a investimento, melhorias voltadas ao desenvolvimento socioeconômico do país”, descreve Gonçalves. Nesse campo, o horizonte tampouco é claro. “O que podem ser consideradas despesas de capital no setor do saneamento? Vale apenas para equipamentos ou também abrange materiais e obras? São todas questões que deverão ser definidas nas leis complementares”, afirma.  

Gonçalves defende que a regulamentação do novo sistema tributário sobre o consumo seja feita com muita discussão entre as partes envolvidas, mas de forma célere.  “Para cumprir as metas de universalização previstas no novo marco legal do saneamento, será preciso uma concentração importante de investimentos nos próximos dez anos, até 2033, coincidindo com parte da transição dos impostos atuais para o IVA (composto por IBS e CBS). Assim, é preciso clareza. Além disso, temos que considerar que compensações futuras têm de levar em conta que esse período de investimento. Caso contrário, quando chegar o momento de se conquistar alguma compensação, o grosso dos aportes já terão sido feitos”, diz.

O executivo aponta que a Aesbe trabalhará em busca de uma condição melhor para o saneamento do que o IVA cheio. Tal como foi aprovada, a carga tributária para as companhias estaduais de saneamento saltará de 9,25% para ao menos 27,5%, conforme cálculos da associação realizados antes da aprovação da versão final da reforma. Gonçalves também destaca a preocupação da Aesbe com os impactos que essa mudança trará para os contratos de parceria público-privada já vigentes, bem como para as concessões previstas para serem lançadas no curto prazo. “Alterações implicarão uma revisão contratual tanto nossa com as agências reguladoras, quanto nossa com parceiros privados, que pedirão reajuste. Afinal, eles apontarão que a regra do jogo mudou, e isso provavelmente implicará aumento de tarifa para o consumidor. Faremos o máximo possível para amenizar isso”, diz.

Quanto mais rápido se puder desenhar o novo cenário para o setor, afirma Gonçalves, melhor será também para as PPPs que já estão no radar para serem lançadas. Ele lembra que, em determinados modelos de PPPs, em geral os vencedores dos leilões são aqueles que oferecem a melhor proposta de desconto na tarifa e/ou o melhor valor de outorga, e que a indefinição sobre a carga tributária compromete essa dinâmica, jogando dúvidas sobre o custo da operação. Ele cita o recente leilão promovido pela companhia estadual do Espírito Santo (Cesan) para construção, operação e manutenção de estação de tratamento de efluentes e fornecimento de água de reuso para a siderúrgica ArcelorMittal. “A proposta vencedora, do Consórcio GS Inima Tubonews, foi definitivamente para ganhar (ofertando desconto máximo na tarifa, de 25% e 13% de outorga sobre a receita líquida). Mas os quatro demais concorrentes entraram com propostas bem mais conservadoras, com descontos entre 3,5% e 5,5%, o que pode ser indicativo de preocupação com as incertezas no horizonte de operação”, afirma, lembrando de outros leilões previstos para este ano – “como da Sanepar (Paraná), Cagepa (Paraíba), Caern (Rio Grande do Norte)” – que também podem ser afetados por esse clima de incerteza.

Gonçalves afirma que a atenção agora está concentrada na criação de um grupo de trabalho que reunirá as representações do setor de saneamento com o governo para esclarecer pontos e fazer sugestões para o texto da lei complementar que será encaminhada ao Congresso. “Nossa obrigação é mostrar para a área econômica da Fazenda o que pode acontecer, para que se pondere sobre formas de amenizar os impactos esperados ou não, conforme decisão governamental.” Ele destaca que esse debate envolve não apenas atores do setor de água e esgoto como o de resíduos sólidos, formado por várias empresas contratadas pelos poderes municipais. “É preciso começar esse debate, para ir distensionando o ambiente e os atores possam calibrar suas perspectivas.”

Há também a expectativa de que em fevereiro sejam anunciadas as obras de saneamento de estados e municípios selecionadas para fazer parte do Novo PAC. “Hoje ainda há demandas, por parte do governo, de informações, documentos dos projetos que foram inscritos para concorrer aos recursos da União. Esperamos que no próximo mês saia a lista de contemplados, para que não haja atraso em obras diante da burocracia que cada selecionada ainda terá pela frente até a contratação efetiva”, diz.

 Leia também:

Uma década para romper o atraso. Mas faltam recursos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir
Ensino