Alguns desafios

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Alguns pontos devem marcar os debates econômicos esse ano. O primeiro deles é a possibilidade de se controlar a pandemia da Covid-19, mesmo que ela se torne endêmica. O aparecimento da nova cepa, a Ômicron, tem levado alguns cientistas a defenderem que o surto pandêmico pode estar terminando, embora ainda existam muitas incertezas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apesar da nova cepa contaminar 100 pessoas a cada três segundos no mundo, a fase aguda da pandemia pode terminar este ano. Desde que a Ômicron apareceu há cerca de nove semanas, mais de 80 milhões de pessoas foram infectadas, mais do que todo o ano passado. A preocupação, no entanto, continua: há baixa vacinação nos países pobres, com apenas de 10% da população vacinada; e o risco de surgimento de novas variantes.

Outro ponto que vai ganhar tração é a inflação que, no ano passado, fechou em dois dígitos, e que corrói o poder de compra, especialmente das camadas mais pobres. A fome e o desemprego também devem estar no centro das discussões este ano (ver dados sobre Insegurança Alimentar no final desse texto).

Mas o ponto mais sensível está ligado às eleições que podem resultar em grandes mudanças na política econômica. O que sempre gera incerteza, com impactos relevantes sobre a atividade econômica e o preço dos ativos.

O Boletim Macro FGV IBRE deste mês analisa os componentes que devem dominar os debates este ano, conforme descrito abaixo.

Pandemia:

• “2022 deve ser marcado pela superação da pandemia, ainda que permaneçam incertezas relativas ao surgimento de novas cepas. A onda de Covid-19 que está sendo causada pela variante Ômicron do coronavírus tem se manifestado de forma muito intensa, mas de curta duração, como mostram os dados da África do Sul e do Reino Unido. Soma-se a isso o avanço da vacinação, com a aplicação de doses de reforço, o que deve evitar um aumento expressivo no número de mortes causadas pela Ômicron. Consequentemente, o recuo relativamente forte nos indicadores de mobilidade observado em janeiro deve ser breve e não será necessário adotar medidas restritivas severas, em que pesem o avanço muito rápido da contaminação e o aumento expressivo no número de casos leves, que podem ter efeitos econômicos no curto prazo”.

• O Boletim prevê um retorno na mobilidade este ano, permitindo a normalização das atividades que foram mais prejudicadas pela pandemia.

Inflação:

• “o grande desafio em 2022 para as economias avançadas será como administrar as pressões inflacionárias que emergiram em 2021 e como desmontar os fortes estímulos monetários adotados em reação à pandemia, aí incluída a questão de reduzir os balanços dos bancos centrais. O processo inflacionário mundial tem sido mais persistente e intenso e, consequentemente, a necessidade de normalização da política monetária não será interrompida, sendo um dos principais fatores a movimentar mercados e expectativas este ano.

• “Para o Brasil, o processo de desaceleração inflacionária deve ser mais doloroso do que em outros países emergentes. A deterioração do arcabouço fiscal e os riscos políticos tornam o custo da desinflação mais custoso para a sociedade. E, por fim, a nova onda de contaminação, ainda que breve, em um ambiente eleitoral, com desaceleração das atividades cíclicas, pode incentivar reações de política fiscal na direção de mais ampliação de gastos, o que poderia afetar ainda mais negativamente as perspectivas de crescimento”.

Eleições:

• “este ano deverá ser desafiador e marcado pelo impacto das incertezas eleitorais sobre a economia. Junto ao cenário externo menos favorável, a queda da renda real e os juros elevados, o aumento da incerteza econômica e o recuo da confiança de empresários e consumidores vão comprometer o crescimento brasileiro em 2022, especialmente as atividades mais cíclicas – as mais afetadas pelo aperto monetário e pela piora nas condições financeiras, conforme já destacamos em edições anteriores do Boletim Macro”.

Índices de confiança:

• “Os índices de confiança fecharam 2021 em zona desfavorável, abaixo do nível neutro e em patamar inferior ao do período pré-pandemia. Resultados prévios das sondagens indicam deterioração do quadro, possivelmente associada ao impacto dos surtos de influenza e da variante Ômicron sobre a demanda por bens e serviços e na saúde”.

Preços:

• “Indexação, eleições, La Niña e fragilidade fiscal são alguns dos desafios a serem enfrentados pelo governo para controlar a inflação de 2022. Com tantas fontes de pressão sobre os preços, não parece fácil acreditar que a inflação termine o ano sem ultrapassar o limite superior do intervalo de tolerância da meta de inflação (5%, a soma de 3,5% da meta e 1,5 ponto porcentual do intervalo de tolerância)”.

Fiscal:

• O Boletim faz uma análise sobre “o teto dos gastos que, em 2016, surgiu com a finalidade de frear a trajetória de crescimento da despesa, a partir de uma regra de congelamento real. No entanto, com o passar dos anos, a regra passou a ter dificuldades para atingir os objetivos esperados e mudanças recentes no seu desenho parecem tê-la sepultado definitivamente, abrindo espaço para a discussão sobre novas regras fiscais possíveis. Nesse sentido, relembrar e entender a trajetória do teto representa importante insumo para pensar um novo arcabouço fiscal”.

Ver a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE

                                                                  

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Estudo da Rede Penssan mostra que a insegurança alimentar no Brasil aumentou em 2020, com 55,2% da população vivendo algum tipo de restrição alimentar. Os 5,8% que sofriam insegurança alimentar severa em 2018, saltaram para 9,9% em 2020. A região Norte do país é onde há mais fome, com 18,1% da população, seguindo-se o Nordeste com 13,8%, Centro-Oeste com 6,9% e o Sul/Sudeste com 6%. O país voltou a figurar no Mapa das Fome.

Insegurança alimentar aumenta
Por faixa, em % da população


Fonte: PNAD e POF (IBGE) e Inquérito nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 da Rede Penssan (o trabalho foi conduzido pelas pesquisadoras que validaram a Escala brasileira de Segurança Alimentar usada pelo IBGE).

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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