“Ainda que Argentina não viva uma hiperinflação, acho que hoje o mercado subestima o problema inflacionário do país”

Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, foi o convidado do Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura, desta segunda-feira (27). Na pauta, as perspectivas para a Argentina sob o governo de Javier Milei, eleito dia 19 em segundo turno.

Um dos primeiros questionamentos da bancada de entrevistadores foi o momento de otimismo do mercado observado desde o resultado das eleições. Para Giambiagi, essa expectativa vem dos sinais de moderação emitidos por Milei na última semana, o que inclui o abandono de uma dolarização tempestiva. “Apesar de ser economista, no tour de entrevistas que Milei concedeu recém ao ser eleito ele demonstrou saber pouco de finanças públicas. Ilustro com três declarações que beiram o inacreditável: de que faria um corte fiscal de 15% do PIB em 2024, algo impossível; declarou que o pagamento do décimo-terceiro em 2023 já estaria em questão – ele assume em 10 de dezembro; e que zeraria o investimento público em 2024, o que absolutamente não existe, porque implicaria violação de contratos já existentes”, citou. “Nos últimos dias, entretanto, seu discurso parece fazer mais sentido, e que aquilo que não aprendeu em 30 anos começou a aprender agora”, disse, lembrando ainda do início de formação de coalizões com, por exemplo, o grupo do ex-presidente Mauricio Macri, apontando que tampouco o “fim das castas políticas” será tomado a ferro e fogo.

“Considero, entretanto, que as pessoas ainda estão subestimando o problema inflacionário na Argentina”, alertou, lembrando que os prognósticos são de uma inflação de 11% em novembro e de 14% a 20% para dezembro. “Em janeiro deste ano, a inflação estava em 6%. Não há como em janeiro de 2024 ser menor do que isso. Dessa forma, encaminha-se para uma inflação que em meados de 2024 pode chegar a 250% ao ano, e se isso se confirma não há lua-de-mel que resista”, disse.

Giambiagi apontou que, até agora, não viu qualquer plano de desindexação anunciado, tampouco que identifica na equipe econômica nomes experientes como os que estiveram à frente de planos de estabilidade econômica nos anos 1990 tanto na Argentina quanto no Brasil. “Na equipe nova não vemos ninguém com a expertise e a densidade que tinha Pérsio Arida, Gustavo Franco e Andre Lara Resende, que deram origem ao plano real." Paraele, Luis Caputo, anunciado como ministro da Economia de Milei, é um grande financista, "o que não significa que será um bom ministro, que tem que dar a cara no Congresso. O que me dá a impressão de que não tem atributos ideais para o que o momento exige. Não o cumprindo o papel de negociar no Congresso e ter boa comunicação com para explicar à sociedade as medidas que precisam ser tomadas. Por isso, acho que seu tempo no cargo será curto.”

O economista lembra que, mesmo o presidente Carlos Menem, quando fez a conversibilidade na Argentina (em 1991), tinha muito capital político para queimar antes de o ministro Domingo Cavallo entrar com o plano, reforçando que o combate à inflação argentina demandará tanto um componente de ajuste fiscal quanto o monetário. Neste último campo, inclusive, defendeu que uma alternativa mais adequada à dolarização, caso essa alternativa siga viva, seria a de substituição do passo pelo real, tal como o ministro Paulo Guedes chegou a discutir com a equipe econômica do então governo Macri, mas que não foi levada adiante devido ao fracasso deste em emplacar um segundo mandato. “Se os argentinos chegarem á conclusão de que a moeda nacional não faz mais sentido, e considerando que seria uma mudança de mentalidade caleidoscópica, o real – diferentemente da dolarização, que poderia trazer uma euforia inicial, mas uma posterior crise quando os preços internacionais caírem – permite o uso da desvalorização para administrar esses momentos, algo que a dolarização não permitiria mais.”

Giambiagi destacou que o governo precisa apontar uma solução consistente para o combate à inflação até as eleições parlamentares de meio de mandato. Giambiagi considera que o problema argentino não pode ser tratado como uma hiperinflação.  “Não há um salto dramático da inflação entre um mês e outro que comprometa as referêncais para definição de preços nas cadeias, o que no limite leva a uma paralisia absoluta”, diferenciou. “Mas, entre o terceiro trimestre de 2024 e o primeiro de 2025 o governo precisa promover um plano de desindexação para chegar em outubro com a economia para cima em outubro de 2025. Novamente, não vejo ninguém com expertise, nem pensando no assunto. E se daqui até o fim do primeiro semestre o país continuar com inflação beirando os 15% ao mês, os mesmos que votaram em Milei vão querer tirá-lo.”

Para o economista, um erro de partida do novo governo foi dar demasiada ênfase às Leliqs (Letras de Liquidez do Banco Central), apresentando-a como uma grande ameaça inflacionária. “Mal comparando, é como se falássemos que o grande problema brasileiro são as operações compromissadas. A defesa de Caputo é de alongar títulos de curto prazo, que se viram dinheiro, alega, pode gerar hiperinflação. O dever do governo, entretanto, é acalmar a população, mas o presidente fala o tempo todo em hiperinflação. Gera uma psicose que vai fazer mal, provocando remarcação de preços. Afinal, se a expectativa é de hiperinflação seguida de congelamento, a tendência é de aumento preventivo de preços”, disse.

Em relação à questão fiscal, Giambiagi afirmou tem uma percepção menos dramática. “O déficit argentino está estimado em 3% do PIB. O drama é que o país não tem crédito nenhum, o que dificulta sua negociação”, disse apontando de que a tendência é de que o FMI negocie uma meta para o país semelhante à atual brasileira, de zerar o resultado primário em 2024 visando resultados positivos de 2025 em diante. Para esse ajuste, Giambiagi admite que será preciso mexes em altos subsídios hoje dados a serviços básicos como na conta de energia elétrica. “Mas há formas de fazê-lo, buscando os dez subsídios principais, por exemplo, e cortando um pouco de cada. Subsídios como o da energia hoje beneficia todos, ricos e pobres, e a impressão que tenho é que a sociedade em geral está ciente de que o atual esquema é insustentável”, afirmou. E indicou que o ajustes da Argentina pode deixar um recado para o Brasil. “Se eles tiverem sucesso, podem chegar a 2024 com resultado primário melhor do que o Brasil, suscitando olhares atravessados dos investidores para nós, que deveríamos ter tido desempenho melhor.”

Sobre o futuro do Mercosul diante do novo governo argentino, Giambiagi pontuou: “Se fosse o Itamaraty, ficaria de olho no fato de que Paraguai e Uruguai tradicionalmente aceitaram tarifas de importação mais altas – e desvantajosas para eles – em troca do mercado das duas maiores economias do bloco, Brasil e Argentina. Com a Argentina agora tendo uma matriz ideológica mais liberal, Brasil ficará em minoria, e não será fácil sustentar uma política protecionista para cima dos vizinhos.”

 


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