“Agora é hora de o dinheiro se tornar eficiente”

Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento

A revista Conjuntura Econômica abre 2024 com a entrevista que a ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, gentilmente nos concedeu em meados de dezembro. Aqui, separamos alguns trechos dessa conversa que você lerá na íntegra na edição de janeiro, que será divulgada esta semana.

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Por que classifica uma nova ordem orçamentária como a medida mais importante após a reforma tributária?

Sabemos que o Brasil precisa crescer, e crescer com desenvolvimento sustentável pela primeira vez em quatro décadas. Há 40 anos temos um crescimento médio de 1% ao ano, e isso se dá devido ao manicômio tributário que temos. Então, é óbvio que o grande problema do Brasil hoje é a tributação do consumo; quem paga mais são os mais pobres, quem mais sofre na cadeia é a indústria, que gera emprego de qualidade. Com a carga tributária produtiva atual, a indústria não consegue fazer a máquina da economia girar. Por conta disso, ficamos muitos anos focados na reforma tributária.

Uma vez essa reforma aprovada, é importante olhar pela esteira que corre paralela, pois uma coisa são os efeitos da reforma que são para fora. Ou seja, a reforma está olhando o crescimento e geração de emprego e renda, mas, em se tratando de máquina pública, também se trata da ótica da receita. O Brasil poderá arrecadar de forma mais organizada, diminuir sonegação, e com isso rediscutir gastos tributários.

Como avalia o impacto da reforma tributária diante do número de exceções?

Como tenho afirmado, a reforma tributária é a verdadeira “bala de prata” do governo na área econômica. É um fenomenal avanço frente ao caos tributário atual, ainda que não seja a ideal. O novo sistema tributário que está sendo montado é mais simples do que o que temos hoje. Com a aprovação da reforma, haverá ganhos de produtividade e efeitos redistributivos importantes com ela, com impacto direto no padrão de vida da população brasileira.

Mas, como explicava, há outro lado, aquele de que o Brasil não tem histórico, que é olhar pela ótica das despesas e que passa, entre outras coisas, por uma revisão da legislação orçamentária. Nossa legislação é de 1964, da época da ditadura.

Buscar eficiência da máquina pública não passa só por avançarmos em avaliação de políticas públicas, mas claro que essa tarefa é importante, afinal, temos políticas que estão rodando há 30, 40 anos, e não estão conseguindo resultado no sentido de o serviço chegar com qualidade na ponta. Gastamos esse dinheiro, enquanto falta recurso para outras iniciativas. O monitoramento e avaliação das políticas públicas tem sido feito mais fortemente de 2016/17 para cá, e agora demos um passo a mais, que é o da revisão dos gastos.

Esse é sempre um tema traumático, a maioria dos presidentes não gosta de falar de revisão de gastos. Há, entretanto, um equívoco em se achar que revisão de gastos significa “vou cortar e fazer superávit”. Não estamos falando de superávit primário. Em um país onde temos o mapa da fome; onde por mais que tenhamos inserido 2 milhões de trabalhadores no mercado de trabalho, ainda há muitos fora; com déficit habitacional sem precedentes, pois ficamos quatro anos sem construir casas da faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, falar de revisão de gastos é para aperfeiçoar políticas públicas que não estão funcionando, para que elas possam se tornar eficientes. Ou seja, repriorizar gastos.

Como é coordenado o trabalho de avaliação e monitoramento de políticas e o de revisão de gastos?

Ambos são chefiados um único secretário, Sergio Firpo (secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos). Senão não daria certo. São duas tarefas paralelas, interdependentes.

A revisão de gastos se beneficia dos achados das avaliações, mas possui dinâmica própria. As políticas são avaliadas conforme critérios orçamentários e de priorização do governo federal, mas não apenas esses. Algumas, por exemplo, já foram avaliadas pelo Executivo ou pelo Tribunal de Contas da União, portanto, estão mais maduras para serem incluídas dentro de um processo estruturado de revisão de gastos. Há trabalhos sobre diversos assuntos, do seguro defeso e o impacto do Proagro ao Bolsa Família. Desse trabalho de monitoramento e avaliação fazem parte outros ministérios. Dentro do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) estão do Ministério Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) à Fazenda. Com base nesse trabalho do CMAP, tenho condições de identificar aquelas políticas públicas com sinal amarelo ou vermelho e falar: “opa, aqui temos condições de revisar. Insisto: não para poupar, pagar juros, mas para repriorizar”.

Já estivemos com o ministro Haddad e ele gostou dessa esteira, e disse que vamos precisar que ela rode mais rapidamente. Sabemos que não será uma tarefa fácil, que de tudo que já apresentamos no Ministério, essa é a pauta mais complexa, porque requer esclarecimentos inclusive dentro dos próprios ministérios. Mas já começamos por um lado mais fácil, que é o da identificação de possíveis fraudes e erros.

Poderia exemplificar?

Quando falamos de revisão de gastos, temos a revisão que se refere a fraudes e erros – que obviamente tem que ser extirpada – e outras que, embora não presentem nenhum destes casos, não são mais eficientes para o Brasil, não atendem mais o interesse da sociedade, e por isso também precisam ser revisadas. Então, começamos pela parte de fraude e erro, onde se dá uma alerta para o setor/órgão envolvido, e automaticamente o caso passa a ser analisado e revisto.

Fizemos, por exemplo, um grupo de trabalho junto ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que obteve estatísticas de municípios que contavam com um número de beneficiários unipessoais do Bolsa Família muito maior do que a média. Vale lembrar que essa modalidade de benefício se multiplicou entre 2021/22. Assim, colocamos uma meta: precisamos de R$ 7 bilhões para o orçamento brasileiro para políticas públicas, e esse recurso tem que sair da correção desses erros no Cadastro Único (CadÚnico). Eles não só conseguiram os R$ 7 bilhões como, salvo engano, deverão fechar 2023 com uma economia de R$ 9 bilhões.  O que foi feito com essa revisão de gastos? Ela serviu para zerar a fila do Bolsa Família, além de ir para outros programas, de outros ministérios, pois são recursos que vão para o caixa único do orçamento.

Outro exemplo de grupo de trabalho é o que investiga possíveis fraudes e erros nos pagamentos do INSS. Consideramos que esse trabalho pode gerar uma “economia” que será aplicada para reduzir a fila da previdência de pessoas que realmente precisam, chegando em um primeiro momento a cerca de R$ 10 bilhões. Essas são estimativas tiradas não apenas de trabalhos nossos, como do TCU.

As projeções são de um crescimento menor do PIB em 2024, e alguns economistas apontam o receio de que o governo lance mão de estímulos fiscais para impulsionar a atividade econômica. Qual sua avaliação sobre esse risco?

De fato, não podemos sempre contar com surpresas positivas na economia. Porém, não está no radar da equipe econômica um desempenho tão ruim que inviabilize nossas metas de desenvolvimento para o país. Queremos lançar as bases para um crescimento sustentável e equitativo de longo prazo, e isso requer equilíbrio fiscal e planejamento orçamentário de médio prazo, duas agendas caras ao MPO.

Veja, o fato de não ter se mudado a meta de superávit vai impor ao governo falar de qualidade de gastos. Se não o fizer, não se cumpre meta. E se não cumpre meta, tem penalidade em 2025. Esse aspecto me deixa otimista a ponto de falar – ouvi isso do próprio presidente – de que se pisou no freio. Tudo que precisava ser recolocado foi recolocado. Agora é hora do dinheiro se tornar eficiente e os programas chegarem na ponta. Tanto que aceleramos até a Poupança Jovem em 2023, para começar 2024 sem política nova. Seja por determinação do presidente, seja pelo fato que o novo arcabouço fiscal não permite. Como a receita não veio da forma como estávamos esperando, e mesmo que o ministro Haddad consiga repor recursos depois para chegar naqueles R$ 168 bilhões que faltariam para zerar o déficit, estou travada pelo lado da despesa, porque só posso gastar 70% do aumento da receita.  É a nova regra fiscal que limita novos gastos, e exigirá que qualquer política pública que se queira direcionar, qualquer outra medida nova que se avalie, demande revisar políticas antigas. Não é fácil, sabemos disso. Mas temos um arcabouço que traz otimismo.

Esperamos, então, que a meta de primário não seja revisada em março...

Agora é hora de fechar para balanço, ver o que as alterações aprovadas no Congresso geraram de receita, se conseguimos alcançar esses R$ 168 bi e se novas medidas terão de ser apresentadas pelo ministro Haddad ao presidente Lula.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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