Agenda ambiental: há muitas oportunidades para o Brasil, mas país precisa “fechar o ralo do desmatamento”, aponta Daniel Vargas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP 27) que acontecerá em novembro no Egito deverá colocar à prova o espírito de colaboração observado entre os países nos encontros anteriores. Para Daniel Vargas, coordenador executivo do Observatório de Bioeconomia da FGV EESP, coordenador de pesquisa do FGV Agro, os desajustes provocados pela guerra na Ucrânia – afetando, entre outros, a produção e exportação de fertilizantes usados na produção de alimentos e o abastecimento de gás russo na União Europeia, inflacionando a energia – poderão dificultar o avanço de compromissos em prol da descarbonização da economia mundial. “Não será uma COP simples. A solidariedade observada nessas reuniões, quando países pactuam compromissos e buscam estruturar relacionamentos entre si, além dos compromissos de empresas e setores para se construir uma passagem mais acelerada para a economia verde, sofreu fraturas, e não sabemos em que medida as negociações poderão prosperar”, diz Vargas, que estará em Sharm El-Sheihk para acompanhar a Conferência das Partes.

Em webinar promovido nesta segunda (23/10) pela FGV EESP, Vargas pontuou que o Brasil estará posicionado entre dois polos: uma Europa fragilizada que aumentará a pressão sobre as demais regiões para assumir compromissos em prol da redução das emissões de gases do efeito estufa, e um mundo em desenvolvimento – do qual a África, anfitriã do encontro, é exemplo –, que também é pressionado pela agenda ambiental, ao mesmo tempo em que precisa combater desafios básicos no campo humano e social.  “O Brasil tem uma matriz energética limpa e autônoma, um papel estratégico na produção alimentos, com um sistema de alta produtividade que pode servir de referência. E tem feito esforços em diversos setores para avançar numa política de descarbonização. Mas não podemos negar o óbvio: temos uma ferida aberta que jorra hemorragicamente na economia nacional, que é o desmatamento da Amazônia. É preciso computa-lo nesse cálculo e tratar esse tema como prioridade nacional, para que nossos méritos não sejam ocultados por nossos vícios”, afirma.

Desmatamento na Amazônia: tarefa pendente
(em km2)


*Projeção de 2022 da plataforma PrevisIA. Fonte: Prodes/Inpe.

Para explorar o potencial brasileiro nessa agenda, Vargas afirma que é preciso adaptar a mensuração científica sobre emissões de gases de efeito estufa – que tem como base a realidade europeia, de onde surgiram os primeiros estudos – à realidade nacional, construindo “a base do conhecimento da governança tropical da transição verde”. Logo avançar na certificação desses dados, para gerar informação validada globalmente. “Se não temos capacidade de gerar informação e certificá-la ‘fora da porteira’, não necessariamente seremos uma economia competitiva no mercado internacional”, diz. Mensagem semelhante foi dada por Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, na Conjuntura Econômica de setembro (leia a entrevista), ao defender o fortalecimento de um sistema nacional de rastreabilidade das cadeias produtivas.

Restrições pela União Europeia

Tal como Natalie, Vargas afirma que as exigências internacionais no campo ambiental tendem a se ampliar, envolvendo diretamente as relações comerciais. No webinar, ele destacou, por exemplo, que o Deforestation Regulation, medida aprovada no Parlamento Europeu em setembro proibindo a comercialização, importação e exportação de produtos agropecuários associados ao desmatamento a partir de 2020 teve seu texto alterado durante a votação, tornando-se mais rígido. A emenda incluiu na menção ao “desmatamento e/ou degradação florestal” o uso da terra para agricultura, reconhecendo que a degradação de um ecossistema também pode ser causada pelo "excesso de atividades agropecuárias". O texto aprovado pelo Parlamento agora será enviado para deliberação ao Conselho Europeu.

“Hoje, em torno de 66% das exportações brasileiras do agro para a Europa são potencialmente atingidas por essa lei, representando R$ 17 bilhões dos R$ 36 bi exportados pelo Brasil à região em 2021”, diz Vargas, indicando que a lista de produtos afetados inclui carne, soja, café, madeira, óleo de palma e cacau. “Esse potencial não implica relação direta com área de desmatamento a partir de 2020, mas o impacto no custo da exportação. A medida suscita uma análise de risco que deverá ser feita para justificar que aquele produto adquirido não vem de uma área de desmatamento. É uma trava burocrática que encarece o produto brasileiro”, afirma, reforçando avaliação feita pelo ex-ministro Roberto Rodrigues (leia aqui a análise de Roberto Rodrigues).  “Grandes exportadores contratarão advogados e trabalharão para manter as portas abertas para seus produtos. Já o pequeno e médio produtor provavelmente serão abatidos desse mercado”, diz.

Vargas alerta que, da forma como foi abordada, a medida aprovada pelo Parlamento Europeu pode ser compreendida como intervenção à soberania de um país sobre o uso de sua terra. “A OMC é cuidadosa em não deixar que países utilizem o subterfúgio ambiental para impor seu valor ou interesse na autonomia econômica de ditar como direito de propriedade será regulado em cada país”, diz.

Distribuição dos projetos registrados (a) e geração de créditos (b) no Brasil por localidade geográfica e por escopo de atividade


*Projetos de Agricultura, Floresta e Outros Usos da Terra. Fonte: Observatório de Bioeconomia FGV EESP, com dados extraídos das bases de dados de registros públicos do Verra (2021a), GS (2021a) e ACR (2021).

Oportunidades em créditos de carbono

Em sua exposição, Vargas também defendeu o alto potencial do Brasil no mercado de créditos de carbono. Atualmente, no mundo operam-se dois mercados: o regulado, estabelecido por lei – como o mercado voltado ao setor de energia e transportes na Europa, em que as empresas que não cumprem suas metas são obrigadas a comprar créditos para compensar essa emissão – e outro voluntário, que é onde o Brasil participa. Levantamento do Observatório de Bioeconomia indica que hoje esse mercado ainda é concentrado em poucos projetos e atores. “O Brasil tem em torno de 150 projetos que geraram ou esperam gerar créditos, 60% dos quais são provenientes do Norte do Brasil, e quase 100% de proteção de floresta em risco de desmatamento ou gestão de áreas preservadas”, descreve Vargas. “O custo para geração de crédito de carbono da Amazônia não costuma sair por menos de R$ 1 milhão. O prazo para cumprir os aspectos regulatórios e certificar um crédito gira em torno de 2 anos. Em geral, o custo da geração desse crédito pode chegar a 50% do retorno obtido”, completa, reforçando o potencial do país em ser um dos protagonistas desse caminho para uma economia verde global. “Temos condições ímpares de espaço de terra, de clima quente úmido que nos dá uma certa posição privilegiada para ter uma fonte de energia limpa e produzir alimento de forma sustentável, gerando créditos de carbono. Mas, para que isso aconteça, precisamos fechar o ralo de desmatamento que hoje representa um grande número de nossas emissões de gases de efeito estufa, e precisamos tropicalizar esse regime com métricas e regras que olhem para nossa sustentabilidade e reconheçam seu prêmio”, afirma, lembrando que o custo de não se preservar a floresta não se limita à imagem internacional do país. “O desmatamento mexe no ciclo de chuvas da Amazônia, reduzindo os reservatórios de hidrelétricas, o que nos faz demandar mais energia termelétrica. De outro lado custo, à medida que interfere no ciclo de chuvas, o desmatamento impacta a produtividade do agro, que depende de um ciclo de chuvas abundante e estável. Ou seja, preservar a floresta é central para a competitividade do produto brasileiro, sejam os alimentos, sejam os bens industriais, que com a floreta em pé podem contar com energia mais barata”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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