“Medida aprovada pelo Parlamento Europeu pode se converter em novo breque ao acordo UE-Mercosul”, afirma ex-ministro Roberto Rodrigues

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O alerta dado por Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa em entrevista da Conjuntura Econômica de setembro, de que o Brasil precisa avançar com métricas e instrumentos ambientais para proteger suas exportações de medidas restritivas ganhou um novo capítulo esta semana. Na terça-feira (13/9), o Parlamento Europeu validou a proposta de barrar a importação de produtos como carne bovina, soja, madeira, cacau e café provenientes de florestas derrubadas ilegalmente a partir de janeiro de 2020. Também há possibilidade de outros itens sejam incluídos na lista, como carne suína e de aves, milho, carvão vegetal, cana-de-açúcar, produtos de papel, etanol e minérios também sofrerem restrições. Agora, o projeto precisa ser aprovado pelos 27 estados membros do bloco.

Em webinar promovido nesta quarta (14/9), Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, coordenador do Centro de Estudo do Agronegócio da FGV EESP, afirmou que, se aprovado, o projeto tende a encarecer as exportações brasileiras. “Para cada produtor comprovar que sua produção está desvinculada de desmatamento ilegal, precisará de uma série de documentos que afetarão seu custo de produção, inibindo a competitividade de suas exportações”, diz. Para ilustrar o impacto potencial da medida, tomando as commodities incluídas no texto inicial, a Espanha, a Alemanha, o segundo maior importador de café. Além de passar pelo crivo de todos os estados membros da União Europeia, Rodrigues alerta que para entrar em vigor a medida também terá que passar pelo crivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), que pode enquadrar a medida como barreira não tarifária de caráter ambiental. “Em caso de aprovação pelos países e pela OMC, esse texto passará a integrar o acordo União Europeia – Mercosul, podendo se converter em um novo breque ao acordo”, disse.

Para Luiza Bruscato, gerente executiva da Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável (GTPS) afirma que um dos pontos que devem ser defendidos pelo Brasil nos diálogos com representantes europeus é que, da mesma forma que criam barreiras em prol do combate ao desmatamento, encarecendo a produção dos países exportadores, a União Europeia precisa reconhecer – e precificar – o trabalho de proteção de biodiversidade, nascentes, rios que empresas ambientalmente responsáveis fazem. “É importante comunicar esse serviço ambiental executado pelos produtores relacionado à conservação, e que também justificaria a cobrança por um produto mais caro”, afirma. “Boa parte do bioma amazônico está em propriedades privadas, atende a um código florestal que aponta quando o desmatamento é autorizado. Não podemos atropelar essa legislação. Com cuidado, precisamos buscar um equilíbrio e chegar a um acordo que não fira a legislação, avançando em critérios na defesa do meio ambiente”, afirma Luiza. Rodrigues cita levantamento do Embrapa que aponta que 66% do território brasileiro possui vegetação nativa – o que inclui os seis biomas existentes –, dos quais 25% se encontram em propriedades privadas.

“Temos que nos organizar com vigor para responder ao interesse privado europeu com nossos interesses”, afirma o ex-ministro, indicando que até entre os diferentes grupos de interesse da região há controvérsia em relação às medidas. “Há uma cooperativa agropecuária europeia, a Copa Cogeca, que no próprio dia 13 reclamou do acordo. A motivação principal foi de terem mencionado a inclusão do milho, importante insumo para o setor, que poderá ficar mais caro”, cita.

Produtos relacionados à lista do Parlamento Europeu que estão entre os mais exportados pelo Brasil e seus principais compradores na região 
Janeiro-agosto


Fonte: Ministério da Economia.

Luiza afirma que o agronegócio brasileiro tem se estruturado para acelerar a “virada de chave” ambiental, citando o trabalho do próprio GTPS. Criado em 2007, agrupa 67 representantes dos seis elos da cadeia que compõe a atividade pecuária: produtores, setor de insumos e serviços, frigoríficos, varejo, bancos e ONGs). “Temos grupos temáticos para endereçar debates que vão desde o uso da terra à rastreabilidade dos fornecedores indiretos”, afirma – este último tema, também citado por Natalie à Conjuntura. Um dos produtos do trabalho do GTPS é o Guia de Indicadores da Pecuária Sustentável (Gips), formado por 35 critérios que contribuem para a avaliação do nível de sustentabilidade de uma produção. “O produtor pode criar seu perfil, responder um questionário e saber qual a nota de sustentabilidade em cada critério, que pode ser usada como referência em sua jornada em busca de uma operação mais sustentável”, diz.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir
Ensino