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Nota do Editor
Um dos principais gargalos do Brasil é a infraestrutura. Nossas deficiências passam pelas ferrovias, mobilidade urbana, saneamento básico, transportes em geral. Nosso logística é deficiente, o que reduz nossa competividade. A taxa de investimentos na economia está estagnada ao redor dos 16,5% do PIB (dados de 2023), o que mal dá para a manutenção da infraestrutura em operação no país. Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos de R$ 1,688 trilhão, dos quais R$ 371 bilhões virão da União, R$ 343 bilhões de empresas estatais, R$ 362 bilhões em financiamentos e R$ 612 bilhões do setor privado, o governo busca mudar esse quadro, ampliando os gastos em infraestrutura.
Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, na entrevista deste mês da revista, mostra os grandes desafios que o Brasil tem pela frente, em várias frentes. Um dos setores com um gap muito grande é o de saneamento, onde temos mais de 35 milhões de brasileiros sem água potável. É uma das faces mais cruéis da desigualdade e mostra as enormes disparidades do nosso país. É só dar um exemplo: enquanto milhões não têm água potável, 100 milhões não têm coleta de esgotos, somente 46% dos esgotos são tratados e apenas 19% das escolas têm acesso às redes, estamos entre os três países no mundo que conseguem certificar uma aeronave comercial, além dos Estados Unidos e França.
Se andamos mal das pernas em infraestrutura, temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com um sistema elétrico integrado, sofisticado. Como relata Luciana, “temos vantagens comparativas grandes em energia renovável, por conta dos nossos recursos naturais e de um sistema elétrico integrado com mais de 180 mil km de linhas de transmissão. Cerca de 55% da nossa geração vêm de hidrelétricas, temos um grid com 88% de renováveis e firme, que nos permite entregar energia a um custo muito competitivo em qualquer lugar do país. Nosso próximo passo seria produzir hidrogênio verde e produtos com alto conteúdo energético e baixo conteúdo de carbono: por exemplo, produzir aço verde, fertilizante verde, química verde para exportar”. Podemos ser um player importante no processo de transição energética, onde há uma corrida no mundo em busca de energias renováveis.
Mas nem tudo que reluz é ouro. O nível crescente de poluentes na atmosfera com o aumento do aquecimento global, é particularmente danoso para países com infraestrutura precária, como é o nosso caso. Figuramos em 7o lugar no ranking mundial de mortes por enchentes. De 2001 até maio de 2024, 3.522 brasileiros morreram em 111 eventos desse tipo.
Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, se debruça sobre os obstáculos que o Brasil tem que ultrapassar para ter um caminho seguro rumo à transição energética, ao ressaltar que embora “o discurso brasileiro seja de engajamento no tema climático, integrando o Acordo de Paris em 2015 e tendo meta zero de desmatamento até 2030, o Inpe informa que em 2024 os focos de queimadas aumentaram em 154% na Amazônia e em 81% no Brasil. Também diz que o desmatamento no Cerrado aumentou em 43%, havendo recorde de incêndio na Amazônia, com 17,2 mil focos em 2023. Segundo o MapBiomas, o desmatamento no país entre 2019 e 2023 equivale a duas vezes o estado do Rio, alcançando 8,5 milhões de hectares de vegetação nativa. Para piorar, o país possui uma miríade de leis descoordenadas, sem metas e estratégias bem definidas e com resultados duvidosos”.
Ao destacar o problema, Cristiane chama a atenção para o que ocorreu no sul do país e é tema recorrente na mídia quando há chuvas intensas em outras regiões do país que fazem vítimas fatais, devastam casas e a já deficiente infraestrutura, sobrecarregam o sistema de saúde, as contas públicas, já que não há uma política de urbanização sustentável, sem leis de zoneamento ecológico, planos de gestão de riscos, dragagem de rios, entre outros.
“Em suma, as ações para frear o aquecimento global estão aquém do necessário, situação alarmante especialmente para os países subdesenvolvidos, despreparados para recepcionarem eventos adversos climáticos. O Brasil, apesar de tributar como os ricos, não provê direitos básicos aos seus cidadãos, tem seu maior projeto habitacional com resultados ambientais e sociais controversos, e apresenta inúmeras leis (atuais e em projetos) conflituosas e sem uma estratégia única”, diz Cristiane em seu artigo.
Seguindo esse mesmo veio, de ações que podem ser feitas para evitar catástrofes como as do Rio Grande do Sul, Luiz Firmino Pereira e Rafael Souza, lançam mão de lições oferecidas por desastres similares que aconteceram em outros países. Nesse sentido, o Plano Delta na Holanda pode contribuir significativamente.
Lembram os autores que em 1953 os Países Baixos foram atingidos por uma forte tempestade concomitantemente com uma maré alta. A combinação dos dois eventos provocou uma elevação do nível do Mar do Norte ao sul da costa neerlandesa e atingiu em cheio um conjunto de diques enfraquecidos por falta de manutenção. Como resultado, houve o alagamento de uma grande parte do país, conhecido pela sua batalha para domar as águas. Cerca de 9% das áreas de agropecuária foram atingidas, 47.300 construções foram danificadas, das quais 10 mil foram destruídas. As perdas fatais estimadas foram de 1.836 pessoas e 187 mil animais. Diante da tragédia, os Países Baixos decidiram formar uma comissão para pesquisar as causas e desenvolver ações para prevenir a repetição de desastres daquele porte. Foram criados dois planos.
O primeiro, o Plano Delta, foi um plano defensivo contra as inundações. As autoridades tomaram uma série de medidas de engenharia para dirimir os danos de eventos tão danosos. As ações para aumentar a resiliência incluíram o aumento do tamanho dos diques; o bloqueio das saídas dos estuários de três rios, de forma a reduzir a faixa de exposição dos diques ao mar; e a manutenção da abertura das bocas de rios para a preservação da navegação nos portos de Rotterdam e Antuérpia. O Plano Delta não se limitou a obras de engenharia. Ele contou também com uma série de avanços que contemplam medidas legais, ações de governança e protocolos de uso e manutenção.
Firmino e Souza lembram, também, que mesmo com essas ações a natureza não deu trégua. “Novos eventos climáticos registrados na década de 1990 encontraram alguns corpos hídricos assoreados. Veio o alerta de que o Plano Delta deveria ser reexaminado. Esses acontecimentos deram início a algumas reações. Dentre elas, pode-se destacar o programa ‘Espaço para os Rios’, um conjunto de 39 projetos de ampliação da capacidade de escoamento de rios ao custo de € 2 bilhões.
Em 2008 foi anunciada a criação do Programa Delta, influenciada por um impactante relatório publicado pela Segunda Comissão Delta sobre os riscos trazidos pelas mudanças climáticas ao país. O programa, também conhecido como o new-style Delta Plan, se antecipa aos desafios anunciados por essas mudanças, como a elevação do nível dos oceanos e aumento da severidade e frequência de fenômenos climáticos extremos”.
Para os autores, “a tragédia do Rio Grande do Sul foi, em extensão, a maior tragédia ambiental já registrada em solo brasileiro. Embora, evidentemente, todos nutram as melhores esperanças de que eventos dessa magnitude não voltem a ocorrer, os registros oferecem larga evidência de que fenômenos similares se repetirão. Aprender com as melhores experiências internacionais sobre o que já foi e o que está sendo feito para lidar com essas ameaças certamente irá fazer com que o Brasil poupe tempo, recursos, e vidas, em seu processo de adaptação às mudanças climáticas. O Plano Delta ilustra a importância do planejamento e da governança para a boa execução. E de como as soluções devem atentar para os aspectos sociais, ambientais e os avanços tecnológicos”.
Ainda trilhando o campo das mudanças climáticas, José Roberto Afonso, Geraldo Biasoto Junior e Murilo Ferreira Viana, ao abordarem a insegurança que paira no mundo, o que afeta os investimentos, colocam a transição climática como o mais novo componente dessa insegurança. Lembram que, “por natureza, o meio ambiente sempre poderia vir a trazer risco para as atividades, humanas e econômicas. Agora, se vive um paradoxo. A incerteza climática se tornou uma certeza de riscos crescentes e danos certos. O aquecimento global, tão alertado por cientistas há tempos, se tornou uma realidade, com danos crescentes, em todas as partes do mundo. A recente e recorrente tragédia das inundações no Rio Grande do Sul não constitui um episódio isolado e esporádico.
Não há como seguros lidarem com riscos em tais proporções e repetições e isso significa maior exigência de políticas públicas, que tanto atentem para resiliência e reconstrução do já danificado, quanto previnam e evitem novos desastres – naturais e humanos. Esta é mais uma e nova pressão sobre poderes públicos e, por conseguinte, sobre seus gastos e suas regras fiscais”.
No campo da insegurança no Brasil, os autores também acrescentam a questão da desoneração da folha de pagamentos, tema também tratado pela Vilma da Conceição Pinto que ressalta ser premente discutir não só os custos fiscais da política de desoneração da folha de pagamentos, mas também o desenho da política e os benefícios da renúncia. Vilma também lembra que as diversas mudanças realizadas na política de desoneração da folha de pagamentos não necessariamente passaram por uma avaliação da comissão instituída para este fim.
E por falar em desoneração da folha, Marcos Cintra defende que ela seja compensada pela introdução da nova CPMF para evitar a perda de arrecadação. A desoneração da folha, quando combinada com a nova CPMF, pode garantir que a arrecadação previdenciária não fique comprometida, o que é essencial para a sustentabilidade do sistema, que, por ser de repartição, depende de uma base ampla e diversificada de contribuintes. Para Cintra “a maior vantagem do uso da movimentação financeira como base para o financiamento da Previdência é a capacidade de incluir uma grande parcela dos agentes econômicos que atualmente estão na economia subterrânea ou informal. Esses agentes não contribuem para o financiamento do sistema previdenciário e de outros serviços públicos, mas se beneficiam dele. Ao tributar as transações financeiras, mesmo aquelas realizadas por atividades informais ou ilegais, é possível capturar uma fonte de receita que atualmente não é alcançada pelos tributos tradicionais sobre renda, folha de pagamentos ou consumo”.
Um assunto preocupante que Mônica Viegas Andrade e Kenya Noronha trazem à tona, é a crescente judicialização no sistema de saúde, especialmente no SUS. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023 foram registrados 351 mil processos judiciais novos no SUS e esse fenômeno tem crescido ao longo dos anos. Atualmente, apenas os gastos com processos judiciais relacionados à oferta de medicamentos consomem em torno de R$ 1 bilhão, 25% dos recursos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.
É um grande desafio, não só para o SUS mas também para o sistema de Saúde Suplementar. Embora reconheçam que garantir o direito à saúde é fundamental e previsto e previsto na Constituição Federal brasileira, “o uso indiscriminado dessa ferramenta como forma de acessar os bens e serviços de saúde desconsidera os impactos na sustentabilidade financeira, eficiência e equidade e coloca em risco um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Para enfrentar a judicialização no Brasil, é fundamental que o MS, Poder Judiciário, associações de pacientes, ANS, indústria farmacêutica e os profissionais de saúde reconheçam o seu papel em um processo de responsabilidade compartilhada. A judicialização é um jogo com vários atores, cada um atuando para maximizar seus ganhos. O resultado desse jogo é um sistema de saúde insustentável nos setores público e privado”.
Murillo de Aragão, em seu artigo deste mês, faz uma analogia com o siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, conhecido principalmente por seu romance O leopardo (Il gattopardo), um homem de vasta cultura e erudição. Seu conhecimento profundo de literatura, história e artes é evidente em sua obra, refletindo um intelecto refinado. Brasília seria uma cidade de círculos, como na Divina comédia de Dante, onde cada círculo do Inferno e do Purgatório abriga pecadores com intensidades e periculosidades variadas.
Em sua imaginária estada em Brasília, o curioso Lampedusa “quis associar os círculos de Dante aos círculos de Brasília. E rapidamente identificou pagãos virtuosos, lascivos, gulosos, gananciosos, irados, heréticos, preguiçosos, omissos e violentos, entre outros. Notou com perspicácia a similaridade entre as almas torturadas nos círculos do Inferno e do Purgatório de Dante e os indivíduos que transitam pelos corredores do poder em Brasília, alguns trazendo consigo uma sombra de pecado, refletindo as fraquezas humanas que Dante tão vividamente descreveu”.
Claudio Conceição
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Carta do IBRE – É hora de rebalancear a estratégia de ajuste fiscal
No caso do novo arcabouço fiscal aprovado por Lula, o mercado nunca acreditou nas metas de primário estabelecidas, que acabaram sendo de fato modificadas para uma trajetória de ajuste mais lento que o prometido inicialmente. Daqui para a frente, um ponto crucial é a composição do programa fiscal. Manoel Pires observa que, desde 2015, discute-se se o ajuste deve ser feito todo pela receita ou todo pela despesa, o que não faz sentido, já que o programa deve abordar os dois lados, um ponto detalhado por Bráulio Borges em recente artigo que teve grande repercussão, sendo recomendado por Haddad. Borges enfatiza também que a boa prática é tentar preservar os investimentos.
Ponto de Vista – Por que a democracia brasileira não morreu?
Acaba de ser publicado pela Companhia das Letras o livro Por que a democracia brasileira não morreu?, da dupla pernambucana da ciência política brasileira, Marcus André Melo e Carlos Pereira. O livro repassa três momentos da conjuntura política dos últimos dez anos – o impedimento da presidente Dilma, a presidência de Bolsonaro e seus contínuos ataques à democracia e o terceiro mandato de Lula – à luz do modelo interpretativo dos autores sobre o funcionamento do presidencialismo multipartidário brasileiro.
Entrevista – “O Brasil é altamente vulnerável, e a tendência é de que muito mais catástrofes aconteçam”
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Capa | Política Monetária – A última milha
Especialistas reunidos no X Seminário Anual de Política Monetária do FGV IBRE, promovido dia 28/5, destacaram o panorama complexo para a desinflação mundial. O pano de fundo da discussão incluiu perspectivas de um mundo com juros mais altos por mais tempo; projeções para a inflação brasileira seguidamente revisadas para cima – movimento para o qual a tragédia climática no Rio Grande do Sul tende a colaborar –; e o aumento da percepção de risco fiscal, somando dúvidas sobre a viabilidade de novos cortes da taxa de juros básica ainda em 2024.
Artigos
A verdade inconveniente sobre o problema climático no Brasil
Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt
Um Plano Delta antes de um Plano Marshall
Luiz Firmino Pereira e Rafael Souza
Investir (sempre com) incerteza e, no Brasil (cada vez mais), com insegurança (regulatória, jurídica e agora climática)
José Roberto Afonso, Geraldo Biasoto Junior e Murilo Ferreira Viana
(Des)oneração da folha de salários
Vilma da Conceição Pinto
Desoneração da folha e a nova CPMF
Marcos Cintra
Judicialização da saúde: reflexões e estratégias para o Brasil
Mônica Viegas Andrade e Kenya Noronha
Observações sicilianas sobre a política nacional
Murillo de Aragão
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