Um olhar sobre 2024 a partir da análise dos entrevistados da Conjuntura Econômica
-
Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
À véspera da virada para o Ano Novo, o Blog entra no embalo das retrospectivas e lhe convida a revisar temas da pauta de 2024 analisados pelos entrevistados do mês de cada edição da Conjuntura Econômica. Selecionamos um trecho de destaque de cada conversa, acompanhado do link de acesso à integra das entrevistas.
Boa leitura, e Feliz 2025!
JANEIRO
Simone Tebet – ministra do Planejamento e Orçamento
"Agora é hora de o dinheiro se tornar eficiente"
O fato de não ter se mudado a meta de superávit vai impor ao governo falar de qualidade de gastos. Se não o fizer, não se cumpre meta. Agora é hora do dinheiro se tornar eficiente e os programas chegarem na ponta. (...) Revisão de gastos é sempre um tema traumático, do qual a maioria dos presidentes não gosta de falar. Mas há um equívoco em se achar que isso significa ‘vou cortar e fazer superávit’. Em um país onde temos o mapa da fome; onde por mais que tenhamos inserido 2 milhões de trabalhadores no mercado de trabalho, ainda há muitos fora, falar de revisão de gastos é para aperfeiçoar políticas públicas que não estão funcionando. Ou seja, repriorizar gastos.
FEVEREIRO
Izolda Cela, então secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC)
"O Brasil precisa entender melhor o que significa o fracasso das crianças no início da escolarização"
O Brasil ainda precisa entender o que significa o fracasso das crianças no início da escolarização. Inclusive para a produtividade, para o resultado do Programa Internacional de Avaliação de estudantes (Pisa). Não teremos bons resultados com uma base desarrumada e ineficiente. (...) Precisamos promover tudo o que for possível disponível a serviço de uma boa formação, e para isso o fortalecimento de vínculo é importante. É lindo você ouvir de um estudante que a educação de qualidade pública salvou a vida dele. E acredito muito nessa experiência positiva e construtiva que se tem nas escolas como elemento transformador das pessoas.
MARÇO
Silvia Matos – coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE
“Em 2024, o que importa no PIB não é o número, mas a composição"
Hoje estamos caminhando para um ônus demográfico. Além disso, falta mão de obra qualificada em setores como o de serviços, no qual os salários aumentam acima da produtividade. Já vimos isso no passado, e sabemos que é inflacionário. Quando você tem ociosidade, como aconteceu nos últimos anos, com o hiato do PIB negativo, é mais fácil acelerar o crescimento sem gerar pressão inflacionária. Agora, sem uma atividade agropecuária tão forte e sem esse hiato do produto, não será tão simples. Acho que a prova do pudim sobre nossa capacidade de crescimento será 2024. Se conseguirmos um crescimento acima de 2% e a inflação ceder, com uma expansão mais generalizada, aí podemos pensar em um potencial maior.
ABRIL
Guilherme Mello - secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
"Há espaço para uma revisão e racionalização dos gastos tributários"
Sempre lembro que gasto tributário também é gasto. Do ponto de vista do orçamento, o impacto é muito parecido; do ponto de vista econômico, é distinto, porque gasto com investimento gera emprego, renda, melhora a infraestrutura, reduz custos, enquanto um benefício tributário mal desenhado tem um multiplicador muito baixo, e ao invés de gerar emprego e renda, de trazer ganho de competitividade para as empresas, pode distorcer o ambiente competitivo. Ainda há espaço para avançarmos nessa agenda, sem perder de vista as reformas estruturais que vão transformar a qualidade da tributação brasileira e nos colocar num patamar de competitividade com os outros países.
MAIO
Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente da CSN e do BNDES, anunciada secretária de Projetos Estratégicos na Prefeitura do Rio de Janeiro a partir de 2025
"Não há mudança que não seja impulsionada pela sociedade civil"
Hoje está se tornando claro para o brasileiro que a questão do crime organizado não tem geografia, está em todos os estados do Brasil, e precisa ser combatida. Não conseguiremos os nossos objetivos de sustentabilidade se essa questão não for enfrentada. Pesquisas nacionais realizadas no início deste ano (2024) apontaram que a maior preocupação do brasileiro é a com a violência, a segurança pública. A número 2 é a corrupção, e são temas intimamente ligados. Então, passamos a ver mais debate e, finalmente, o governo federal sendo, eu diria, confrontado por sua inação nos 30 anos de crescimento do crime organizado no Brasil, pois muito pouco foi feito de forma sistemática.
JUNHO
Luciana Costa - diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES
"O Brasil é altamente vulnerável, a tendência é de que muito mais catástrofes aconteçam"
O Brasil possui vantagens comparativas como nenhuma outra grande economia, mas também temos que considerar que países tropicais estão muito mais expostos a catástrofes. Os incêndios no Cerrado, por exemplo, vão afetar nosso setor elétrico, nossa produção agropecuária. Estamos diante de um mundo inflacionário, com pressão fiscal, no qual investir também na adaptação das cidades é a melhor decisão – cálculos indicam uma relação de US$ 10 a US$ 12 para cada dólar investido. O caso do Rio Grande do Sul é exemplo, quando se observa que a manutenção de comportas poderia ter reduzido o impacto das chuvas. Mitigação é também uma política feita no longo prazo.
JULHO
Ana Maria Castelo - coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE
"Para a construção dar um salto, é preciso que as condições macroeconômicas caminhem junto"
No setor da construção, as dificuldades também continuam e podem aumentar, especialmente em relação à escassez de mão de obra e ao aumento dos custos de contratação. Uma questão muito importante sem dúvida é a taxa de juros, que afeta tanto o segmento imobiliário quanto de infraestrutura. No imobiliário, uma coisa que é preciso destacar é a importância de se contar com duas fontes de financiamento – o FGTS e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) –, garantindo um colchão para a população e o mercado. Sem isso, certamente não conseguiríamos garantir acesso às famílias de mais baixa renda em tempos de juros altos. Sabemos, entretanto, que o cobertor do FGTS é curto e cada vez mais disputado.
AGOSTO
Roberto Castello Branco – ex-presidente da Petrobras
"Infelizmente, no Brasil as reformas são diluídas pelo populismo"
O mundo ainda precisa de petróleo, a começar pelos transportes. Veículos elétricos e híbridos ainda correspondem a uma pequena parte da frota mundial de automóveis, embora sua participação tenha crescido inegavelmente. Mesmo que haja vários projetos para se desenvolver um substituto aos combustíveis de caminhões, navios e aviões, eles precisam ser economicamente viáveis, e é preciso garantir que escalem a uma velocidade muito grande. Isso sem contar a busca por substitutos em setores como o de fertilizantes – muito importante para a produção de alimentos brasileira – e de fabricação de plásticos. Então, é preciso agir com racionalidade, e fazer uma transição energética responsável.
SETEMBRO
Jorge Lira - coordenador do Centro de Excelência em Políticas Educacionais da Universidade Federal do Ceará
“A avaliação em larga escala no Brasil atingiu um platô”
Uma maior cobertura de acesso digital ajudaria a deslocar o esforço financeiro das redes públicas de ensino para outras pautas, inclusive essa da formação profissional. Com isso, a logística de avaliações seria simplificada e teríamos devolutivas em horas em vez de meses. Recursos hoje retidos em esforço logístico colossal poderia ser realocado para formar e fixar os professores em tempo integral nas escolas, no planejamento didático e no acompanhamento intensivo dos estudantes. Falamos da importância da educação integral para os estudantes, mas esquecemos que o professor deveria estar integralmente nessa educação, como um agente presente na escola.
OUTUBRO
José Júlio Senna – chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE
“O custo para a reputação do BC caso não elevasse os juros seria muito alto”
A economia está aquecida, e não é à toa. Na margem, o crescimento do consumo das famílias chegou a 8% em termos reais. Isso não está solto no espaço. Há um volume de transferências do setor público para o setor privado muito grande, afora outros gastos do governo que ajudam a manter aquecidos o setor privado e o mercado de trabalho. Isso faz a economia trabalhar acima do limite da sua capacidade. Assim, é possível estimar a Selic compatível com o cumprimento da meta, mas não há como assegurar que esta seria capaz de efetivamente cumprir o objetivo de política monetária, devido às surpresas do lado fiscal que não param de surgir.
NOVEMBRO
Livio Ribeiro - pesquisador do FGV IBRE, sócio-diretor da BRCG
"Não é óbvio de uma China que cresce menos seja um problema"
Para o Brasil, o importante diante de uma China que deverá ter um crescimento diferente em composição é reavaliar o tamanho desse mercado futuro. Um dos debates mais interessantes está no setor do minério, em que se espera uma queda de consumo. Essa é uma indústria cartelizada, e a tendência nesses casos é de uma redução de produção para manutenção de preços. Aí a pergunta que cabe fazer é se elas aceitarão ficar menores; se brigarão entre si para tomar market share, ou se vão fundir. Já há discussões de fusão nesse mercado. De que forma estamos nos posicionando nesse debate? Esse é um exemplo de questões com as quais de fato temos que nos preocupar.
DEZEMBRO
Nelson Barbosa – diretor de Planejamento e Relações Institucionais do BNDES
“O exemplo é a melhor resposta”
O BNDES volta a expandir o crédito em bases sustentáveis. Tanto do ponto de vista fiscal, pois se espera depender menos do Tesouro, através de captação própria no Brasil e no exterior, quanto do ponto de vista de transparência e efetividade. Onde há recursos públicos, estes estão sendo administrados de forma mais transparente, com avaliação periódica de impacto. Os números mostram que não há um crescimento desequilibrado pressionando as contas públicas. Acho que o governo tem sempre o dever de ter mais eficiência na sua comunicação, e os críticos também têm um dever de ser um pouco mais atentos ao que estão falando, e evitar a paranoia parafiscal.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.