Trabalho por aplicativo: flexibilidade conta, mas tendência é por regulamentação, afirma pesquisador

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em tempos de economia (ainda) aquecida e trabalhadores que valorizam maior flexibilidade de horário, o trabalho de motoristas e entregadores de plataformas digitais, que ganhou projeção durante a pandemia, demonstrou se consolidar como fonte de renda, seja complementar ou única. É o que aponta os dados preliminares da segunda edição de um estudo do instituto de pesquisa Cebrap patrocinado pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que une dados administrativos das quatro maiores empresas de mobilidade por plataforma do país com o resultado de pesquisas qualitativas com motoristas e entregadores.

O estudo – cuja divulgação completa está prevista para entre final de abril e início de maio – demonstra que, entre a primeira pesquisa, realizada em 2022, e o ano passado, o número de motoristas por aplicativo no Brasil aumentou 35% e o de entregadores, 18%, ambos somando 2,1 milhões de pessoas. Em 2024, a maioria eram homens com ensino médio completo, e idade média de 41 anos para motoristas e 31 para entregadores. Em torno de 38% dos motoristas têm renda familiar de 3 a 5 salários mínimos, e 30% de até 3 salários mínimos. No caso dos entregadores, 48% têm renda familiar de até 3 salários mínimos, e 34% entre 3 e 5 salários.

Perfil de motoristas e entregadores de plaformas em 2024


Fonte: Cebrap, Registros administrativos ponderados pelo Survey.

“Nas entrevistas, percebemos que muitas dessas pessoas estão em busca de melhores remunerações e, dependendo do trabalho que tiveram anteriormente, essa atividade se configura uma alternativa, em especial para os motoristas”, diz Victor Callil, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento do Cebrap. Callil afirma que é possível considerar que estes trabalhadores consigam uma remuneração um pouco acima da média do salário observado na população ocupada na PNAD com perfil correlato, mas ressalta que se trata de uma conta que pode variar muito.

O levantamento de 2024 indica uma remuneração bruta média por hora de R$ 31 para entregadores – o que significa um aumento real médio de 5% em relação a 2022 – e uma média de 39 horas de viagem mensais, que não inclui o tempo de espera entre corridas. Em um mês, a remuneração média seria então de R$ 1.209. No caso dos motoristas, esses números são de, respectivamente R$ 47 (registrando o mesmo aumento de 5% frente a 2022) e 85 horas, resultando em R$ 3.995. A realidade de cada trabalhador, entretanto, é heterogênea, diz Callil. “Além de serem valores que não levam em conta o custo de manutenção dos carros, motos e bicicletas, também é preciso considerar que, a depender da localidade, a demanda e os valores cobrados por esse serviço também podem oscilar muito. “Neste estudo recente, conseguimos fazer recortes regionais, mas consideramos que é no âmbito das cidades que se dá a maior variação de retorno para os trabalhadores”, diz. Cidades grandes podem garantir uma demanda mais aquecida, mas também mais custos de manutenção e custo de vida mais alto, pondera.

Trabalho com plataformas é o único?
(% das respostas no momento da pesquisa)

Está procurando trabalho?
(% respostas)


Fonte: Cebrap, Survey, 2022 e 2024.

“O fato é que, apesar da vantagem de poder gerir seu tempo com mais flexibilidade, caso esse trabalhador não tenha outras fontes de renda, precisará dedicar muitas horas a esse serviço para garantir sua sobrevivência”, destaca Callil. De acordo ao estudo, no ano passado 58% dos motoristas e 54% dos entregadores tinham nesse serviço por aplicativo sua única fonte de renda. A maioria – tanto entre os que tinham outra atividade, quanto os que só trabalhavam nas plataformas digitais de transporte – não estava buscando outro emprego.

Em 2024, a remuneração média  desses trabalhadores foi de: 

E a média de horas corridas por mês:


Fonte: Cebrap.

Tanto entre motoristas quanto entre entregadores, mais de 60% afirmaram o desejo de continuar trabalhando por aplicativo. Considerando ainda que esse contingente de trabalhadores era maior em 2024 do que em 2022 – quando supostamente a demanda por determinados serviços de transporte ainda era maior, em função das limitações impostas pela crise sanitária, pode-se considerar que essa atividade tem se consolidado como concorrente em relação a outras ocupações com salário menos atrativo e menos flexíveis em termos de carga horária, limitando o tempo para atividades que incrementem a renda. Callil ressalta, entretanto, que a tendência é de que haja uma maior regulamentação dessa atividade, visando à garantia de condições básicas de trabalho, equilibrando-as com a desejada flexibilidade. A mobilização organizada no final de março pelos entregadores, o “Breque dos Apps”, é ilustrativa dessa demanda. “Em muitos casos, a opção por essa atividade se dá também pela rapidez no pagamento, buscada por aqueles que precisam de recursos cumprir com as necessidades de curto prazo”, diz o pesquisador. “Ao mesmo tempo, quando perguntamos sobre o que esses trabalhadores mais gostam nos aplicativos, a remuneração fica em segundo lugar, sendo a flexibilidade o principal benefício percebido”, ressalta, lembrando que a valorização do tempo nas relações de trabalho é um elemento emergente da pandemia, refletido em outras pautas como a da manutenção dos formatos de trabalho remoto e híbrido no pós-pandemia.   

 


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