“Temos que ser ambiciosos e buscar reformas de qualidade”

Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Recentemente, um grupo de mais de 300 empresários apresentou uma proposta para tornar a desoneração da folha permanente e extensiva a todos os setores da economia, financiada por um tributo similar à CPMF – imposto que vigorou por 11 anos, até 2007, com alíquota máxima de 0,38%. Qual sua avaliação sobre essa iniciativa e o timing em que ela acontece?

Esse movimento vem contrabalançar a PEC 110/2019 – que unifica impostos federais na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e de estados e municípios no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) –, que desperta resistência dos setores de comércio e serviços, dos quais vêm a maioria dos empresários signatários do projeto, que se sentem prejudicados pela proposta de reequilíbrio de carga tributária dessa PEC. Na visão desse grupo, se ficassem de braços cruzados, a proposta poderia ser aprovada e os afetaria. Assim, esse movimento pode ser analisado, em primeira instância, como uma estratégia para embolar o meio de campo e ganhar tempo.

Mas os setores de comércio e serviços também estão buscando antecipar a prorrogação – desta vez, de forma indefinida – para a desoneração da folha atualmente vigente, que beneficia 17 setores e que acaba em 2023. Eles são os maiores beneficiários de uma desoneração, pois são atividades intensivas em mão de obra, para as quais a carga tributária sobre folha pesa mais.

Como avalia uma volta da CPMF? Há um caminho virtuoso para se desonerar a folha?

Acho a CPMF muito ruim, pois gera uma desintermediação financeira grande. Na verdade, vai na direção oposta da agenda que o Banco Central tem tocado desde a gestão de Ilan Goldfajn – primeiro chamada de Agenda BC+, agora de BC# – focada em reduzir a barreira de entrada no setor financeiro e ajudar no crescimento da competição e da produtividade do setor. Portanto, considero que não vale avançar nessa agenda.

Quanto à desoneração da folha em si, é um tema que teremos que rediscutir. O modelo que foi prorrogado até 2023 é comprovadamente caro e ineficiente. Vários estudos acadêmicos mostram que a pior coisa que podemos fazer é ficar empurrando esse modelo atual. Há outra proposta, que seria de uma desoneração  horizontal, limitada a contratos de até 1 salário mínimo, que parece ser mais barata e eficiente.

O fato é que esse debate não é simples. Em geral, fica limitado a defesas corporativistas, de interesses específicos, mas pouco focadas no que economicamente seria melhor para o país. A princípio, essa resposta estaria em acabar com a desoneração discricionária, e privilegiar uma horizontal focada na base da pirâmide.

A volta de uma CPMF tem sofrido muitas resistências nos últimos anos, e acho que o espaço para sua aprovação hoje permanece pequeno, por conta da janela política estreita com a proximidade das eleições. Essa proposta tem sobrevivido pelo fato de ter sido atrelada à desoneração de folha e aumento de transferência de renda, que geram apelo político. Mas me parece que as chances de aprovação continuam baixas.

Qual a melhor forma de se avançar na reforma tributária dos impostos sobre consumo para melhor absorver a demanda dos setores que, ao menos inicialmente, se verão mais afetados? Foi um erro do governo substituir prioridades e querer avançar com uma reforma do Imposto de Renda – cuja versão que saiu do Congresso emmeados de 2021 acabou gerando uma proposta que envolve perda de arrecadação estimada em R$ 30 bilhões?

Operacionalmente, a reforma se perdeu. No caso do Imposto de Renda, era um projeto conceitualmente bom em sua versão original. Faltava apenas uma calibragem – algo normal, levando-se em conta a economia política envolvida em um processo de aprovação legislativa.  Mas a tramitação na Câmara resultou em uma versão final muito ruim.

No caso da tributação sobre o consumo, estamos buscando agora o que a Europa fez há 30 anos. Podemos, entretanto, introduzir melhorias, para evitar os problemas do modelos europeu de IVA tradicional – como a relevante sonegação fiscal apontada em estudos. Sei que, em função da guerra contra a Ucrânia, nos últimos meses a Rússia não tem servido de modelo a ninguém. Mas esse país implementou um IVA de tributação sobre o consumo em que a Receita Federal consegue fazer um acompanhamento quase em tempo real da movimentação financeira desse imposto, calculando de forma mais precisa o IVA das empresas do que no modelo tradicional em que a empresa reporta no seu balanço e então recolhe o imposto.

Não é impossível fazer isso no Brasil, pois temos bons sistemas de informação funcionando: o sped (escrituração digital) fiscal e contábil, que conecta a Receita Federal às receita estaduais e municipais. Temos a nota fiscal eletrônica nos estados e municípios. Então, não é algo impossivel de se fazer no Brasil.

Considera que a implementação de um IVA dual é o caminho mais adequado para o Brasil?

O melhor modelo, de livro texto, seria fazer um IVA nacional, mas sabemos que no mundo real não é tão simples fazer essa mudança. De qualquer forma, um IVA dual já nos entregaria um bom ganho de simplificação, ao reduzir o contencioso significativamente, melhorando o ambiente de negócios, a produtividade da economia, jogando o PIB potencial para cima.

Podemos começar com a unificação de PIS e Cofins, que é algo que todos os governos desde o de Fernando Henrique Cardoso tentaram fazer e não conseguiram. Sempre foi difícil, e a dificuldade está por conta do setor de comércio e serviços, que hoje paga relativamente pouco imposto. E é sempre bom lembrar que não é o setor que paga, mas o consumidor. E consumo de serviços é maior nos decis mais elevados de renda. Como esses setores têm carga menor, eles sempre travaram essa discussão, deixando o país no equilíbrio perde-perde por mais de  20 anos. O caminho para se sair dessa situação é fazer a transição das alíquotas partindo da explicitação da carga tributária efetiva que cada setor paga hoje: indústria, comércio, serviços, agricultura, construção civil, saúde, educação, e a partir daí costurar uma convergência gradual,

Temos que ser ambiciosos para fazer reformas de qualidade e não cair no erro que, como o saudoso pesquisador do FGV IBRE Regis Bonelli num excelente paper de coautoria de Edmar Bacha, o México cometeu. Ao comparar os desafios de crescimento de México e Brasil, eles constataram que o México, apesar de ter feito mais reformas que o Brasil, o primeiro não conseguiu melhorar seu crescimento potencial porque estas não eram de qualidade. Assim, o melhor seria não se precipitar em aprovar mudanças apenas para se classificar de reformista. Se estas não tiverem qualidade, não avançaremos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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