“Substitutivo ao projeto de reforma do IR carece de evidência empírica para ser julgado positivo”
-
Postado por Conjuntura Econômica
Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
O substitutivo ao projeto de reforma do imposto de renda (PL 2.337/21) apresentado na semana passada pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB/PA), tem gerado dúvidas e críticas pelo giro radical de direção apontado no novo texto. O principal questionamento se dá em torno da redução da alíquota básica de imposto de renda de pessoas jurídicas de 15% para 2,5%, diminuindo a carga total nominal das empresas dos atuais 34% para 21,5%. Na última segunda-feira, Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, mencionou ao Blog sua surpresa em observar a conivência do governo com uma proposta que gera perda de arrecadação de R$ 30 bilhões, lembrando que o valor representa 30% das despesas discricionárias da União.
Para Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, a mudança de objetivo apontada na proposta do relator vai na contramão do que a evidência empírica hoje mostra. Conforme comentou na matéria de capa da Conjuntura Econômica de julho, o texto original, ainda que carecesse de ajustes, concentrava-se no potencial de gerar crescimento econômico e progressividade, ao estimular mais consumo da classe baixa, ampliando o percentual de contribuintes dentro da faixa de isenção, bem como o investimento, pois ao tributar lucros e dividendos a tendência de retenção de lucros é maior, que podem ser reaplicados nas empresas. “Agora o PL se concentra em outro objetivo, de desonerar o setor produtivo como fonte de crescimento econômico, enquanto o mundo está caminhando na direção oposta”, diz. Pires compara a atual versão do PL às reformas da década de 1980 no Estados Unidos pelo Partido Republicano. “Aqui, nunca tínhamos sido afetados por esse consenso da era Reagan, já que a tributação das empresas nunca foi muito reduzida”, diz. E que, no caso dos EUA, ainda recebeu um reforço na gestão Bush, quando em 2003 este reduziu tributação de lucros e dividendos como medida anticíclica, e ainda com Trump, que promoveu um pacote de redução de tributação sobre empresa e atualização da tabela do IR. Mas as evidências da falta de efetividade dessas medidas que foram reunidas na última década em trabalhos de economistas como Picktty, Saez e Zucman, amadureceram politicamente coma pandemia, e já se cristalizam nas políticas de Joe Biden, bem como as lideradas pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson, ilustra Pires.
Além desse questionamento sobre a capacidade de compensar uma perda de arrecadação em torno de R$ 30 bilhões com aumento sustentado do crescimento, o pesquisador associado do IBRE ainda aponta dúvidas quanto à capacidade de se conseguir a compensação esperada para o restante da perda de receita de IR. Em 2022, de acordo ao relator, o impacto total da reforma seria de R$ 87 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões seriam compensados não apenas com a taxação de lucros e dividendos, que representa um aporte de R$ 19,5 bilhões, mas com medidas como o fim de desonerações tributárias. “Essa nova versão do projeto se livrou de algumas críticas, mas trouxe alguns novos atores para a mesa que antes estavam olhando a discussão à distância, mas agora entrarão na linha de frente do debate”, diz. Pires cita que, se de um lado o texto do relator tirou a pressão do setor financeiro, não aliviou a situação de categorias como médicos, advogados entre outros profissionais liberais que vivem em função da distribuição de lucros e dividendos e já estão se manifestando contra o projeto. E agora inclui na briga setores como químico, farmacêutico e aeronáutico, visados entre os que perderão desonerações. Além da forte pressão que esses grupos farão contra mudanças em sua situação tributária, Pires também aponta que, se tais medidas passem tal como pretendidas, o ganho de receita observado com o fim de desonerações não necessariamente é proporcional à renúncia praticada. “É preciso levar em consideração que essas empresas poderão mudar seu sistema de produção para permitir um planejamento tributário diferente, bem como questões de elasticidade da demanda que podem influenciar nesse resultado”, diz.
Outra pressão que também terá de ser equacionada é a de estados e municípios, já que parte da compensação proposta no projeto se trata de recuperação de receita de PIS/Cofins, que não chega a esses entes. Em carta publicada na semana passada pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz), os secretários afirmam que, se os cálculos de redução de arrecadação de R$ 30 bilhões se confirmarem, “estados e municípios reduzirão em pelo menos R$ 27,4 bilhões suas receitas com fundos de participação e retenções em folha, recursos que seriam aplicados no financiamento de serviços de saúde e educação”.
Impacto financeiro do substitutivo do PL 2.337/21 e compensação prevista
Fonte: Relatoria do PL 2.337/21.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.