Reforma deveria ser mais ampla e estrutural, mas a apresentada pelo governo não gera impacto deficitário, afirma Sergio Gobetti
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Postado por Conjuntura Econômica
Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Esta semana, o economista do Ipea Sergio Gobetti, frequente colaborador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, publicou um artigo em que analisa em detalhes a proposta do governo de mudança da legislação do Imposto de Renda – íntegra aqui. No texto, que foi destaque de coluna do editor-executivo do Valor Fernando Torres (link, acesso restrito a assinantes do jornal), Gobetti defende que o modelo de tributação brasileiro demanda uma reforma mais ampla e estrutural do que a prevista. Entretanto, ressalta que as alterações propostas não devem gerar déficit, como alguns analistas apontam. Nos cálculos de Gobetti, que se aproximam das projeções feitas pelo Ministério da Fazenda, se aprovada tal como foi apresentada, a proposta deve gerar um “superávit” em torno de R$ 10 bilhões com a taxação das maiores rendas em relação às perdas de arrecadação com a isenção de imposto de renda de pessoas físicas com renda até R$ 5 mil.
Manoel Pires, coordenador do Observatório, afirma que os cálculos de Gobetti “permitem concluir que as medidas compensatórias são adequadas, o que ajuda a reduzir a percepção de que o risco fiscal é elevado”, mas ressalta que esse risco ainda pode existir na tramitação no Congresso, ainda que “o impacto seja bem menor” do que se achava. “É importante que se cobre do Congresso a responsabilidade necessária de quem tem que representar a sociedade. Em temas importantes como esse, temos que evitar o risco de infantilizar o Congresso e fazer um debate claro e honesto sobre o país. Caso contrário, nunca se faz nada e o país não avança”, afirma.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (link aqui), Gobetti defende que esse excedente seja aproveitado para reduzir a alíquota do CBS, criado juntamente com o IBS na reforma tributária para unificação dos impostos sobre o consumo. Essa possibilidade, lembrou, já está prevista no texto apresentado pelo governo. Ao Estadão, Gobetti ainda defendeu que, embora a mudança proposta vá na direção de combater a falta de progressividade do atual sistema, essa questão não é resolvida do ponto de vista estrutural. O “prato principal”, como ilustrou na conversa, seriam alterações sobre a tributação das empresas, indicando que o ideal seria uma redução, com compensação do lado das pessoas físicas.
No artigo, Gobetti destaca que em 1996, quando foi introduzida a isenção sobre dividendos e a figura dos juros sobre o capital próprio, o Brasil foi inovador, pois quase nenhum país a adotou essa medida. Mas o potencial incentivador de investimentos da medida não demonstrou ser eficaz, foi abandonado por países que aderiram a essa política – caso de México e Colômbia, por exemplo –, e o Brasil ficou para trás. “Além disso, as últimas duas décadas foram marcadas por um movimento de redução das alíquotas de IRPJ em vários países da OCDE e elevação dos níveis de tributação de dividendos ao nível das pessoas físicas”, descreve o economista no artigo.
Gobetti destaca que concentrar a tributação do lucro nas empresas e isentar dividendos favorece mais pessoas de alto poder aquisitivo do que pequenos empreendedores e prejudica a competitividade do país na atração de investimentos produtivos. Ao Estadão, ele indicou que uma forma mais adequada de desenhar esse sistema é voltar a tributar dividendos na pessoa física integrando essa tributação com a de pessoa jurídica em um modelo mais amplo de tributação de renda como é feito no México, Chile e Austrália, por exemplo. “Nesse modelo, você soma salários, lucros, rendimentos financeiros e submete tudo a uma mesma tabela de alíquotas progressivas. E, nesse modelo, você pode oferecer uma compensação pelo que foi pago de imposto sobre o lucro das empresas”, descreveu. Isso permite uma tributação maior das altas rendas, com a definição de alíquotas progressivas, descontando o que foi pago na empresa. Isso, aumentaria a progressividade, eliminaria a assimetria de tributação das empresas – “neutralizando as vantagens de umas sobre as outras, porque o pagamento do IRPJ passa a ser só um estágio do cálculo final do imposto devido por cada pessoa na declaração anual do IRPF, onde haveria o abatimento do pagamento excessivo de imposto – e permitiria absorver uma faixa de isenção mais ampla na tabela do IRPF, afirmou.
Pires lembra que uma reforma sobre a renda deve perseguir dois grandes objetivos: eliminar a regressividade do sistema e torná-lo mais eficiente para melhorar a competitividade das empresas e reduzir as distorções econômicas diante do crescimento de regimes especiais. “A proposta do governo foca no primeiro objetivo. Ainda precisamos avançar na melhora da eficiência, mas provavelmente isso ficará para outro ciclo político. Se a proposta atual for aprovada, teremos avançado bastante na agenda tributária, se lembrarmos que também foi a provada a reforma da tributação sobre o consumo”, afirma.
Na avaliação do coordenador do Observatório de Política Fiscal, o efeito líquido da medida proposta pelo governo é progressivo, mas a ampliação da faixa de isenção reduz a progressividade na base do imposto de renda. “Em comparação internacional, nossa faixa de isenção ficará bastante elevada”, acrescenta. Pires destaca que nos exemplos mais virtuosos de renúncia de imposto pessoa física observados entre os países da OCDE as deduções são feitas olhando para a estrutura familiar. O princípio é claro: basta imaginar, por exemplo, a diferença que um mesmo valor de renda pode significar em termos de “cunha tributária” para uma pessoa solteira sem filhos que ganha majoritariamente dividendos em comparação a um celetista casado com filhos. Para ilustrar as diferenças que essa perspectiva pode trazer, Pires e coautores publicaram um texto em 2023 (link aqui) comparando o caso brasileiro com o de países da OCDE, em que identificaram uma discrepância maior do Brasil em relação à média da OCDE exatamente quando a comparação é feita entre grupos de trabalhadores casados com filhos. No Brasil, cita, há poucas deduções para famílias com filhos, diferentemente do que acontece em outros países que elaboram suas políticas de acordo ao desenho familiar.
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