Reflexos do agronegócio no mercado de trabalho brasileiro

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Ao analisar a nova revisão positiva para o PIB de 2023 Boletim Macro de setembro, os pesquisadores do FGV IBRE ressaltam que, diferentemente de 2022, quando o crescimento foi preponderantemente impulsionado por atividades cíclicas, que mais respondem às políticas monetária e fiscal, este ano, quase 60% da expansão projetada da atividade - de 2,5%, nos cálculos dos pesquisadores - serão explicados por atividades consideradas exógenas, entre elas a agropecuária.

Tal como observado desde o primeiro trimestre, quando a supersafra brasileira impulsionou a expansão do PIB para 1,9% em relação ao trimestre anterior, essa atividade não se desenvolveu encapsulada, e tem colaborado para impulsionar outros segmentos, como serviços de transporte. No Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, os pesquisadores buscam acompanhar esse reflexo no mercado de trabalho. “Além daqueles segmentos mais diretamente relacionadas às cadeias do agronegócio como transporte, comercialização, armazenagem, buscamos uma definição mais ampla de agrosserviços, incluindo todas as atividades conectadas de alguma forma nesses segmentos a montante”, descreve Nicole Rennó, pesquisadora da área de Macroeconomia do Cepea. “Isso vai desde serviços de advocacia, contabilidade, financeiros, imobiliário, desenvolvimento de sistemas, desde que estejam prestando serviços à cadeia do agro.”

População ocupada no agronegócio, por segmentos


Fonte: Cepea e CNA, com base em PnadC e Pnad (IBGE), Rais e metodologia própria. *Projeção de trabalhadores que produzem apra autoconsumo, disponibilizada pelo IBGE em 2019 e, desde então, sem atualização. **PO total do Brasil também foi ajustada para considerar o autoconsumo.

No segundo trimestre deste ano, o total de pessoas ocupadas nos agrosserviços, de acordo ao Cepea, era 7,5% maior do que no segundo trimestre de 2022, totalizando 9,8 milhões de pessoas. No mesmo período, o total da população ocupada no Brasil cresceu 0,6%, para 105 milhões. No agregado do agronegócio, a alta foi de 0,8%, somando 28,3 milhões, número recorde para a série do Cepea, iniciada em 2012.  

Graças a maior adoção tecnológica e o consequente aumento da produtividade liderado por grandes culturas exportadoras (veja dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli) na atividade primária agrícola e pecuária esse momento de expansão foi acompanhado de uma queda no pessoal ocupado, de 5% no segundo tri deste ano comparado ao mesmo período do ano passado.  “É um movimento estrutural, observado também em outros países, de redução do fator trabalho. Observando os movimentos cíclicos da última década, entretanto, temos observado uma dinâmica positiva inclusive porteira adentro”, afirma. Nicole destaca que, observando apenas a variação de um ano para outro, alguns fatores conjunturais podem ser responsáveis pela alteração de alguns níveis acima da tendência. Por exemplo, na horticultura, que registrou queda de 15% no pessoal ocupado. Ou mesmo na pecuária, com números negativos em todas as atividades nesse período. “Consideramos que uma piora nas margens desses produtores tenham punido algumas atividades nesse período, como foi o caso da produção de leite. Na horticultura também, pois são produtores que sofreram alta de custo e na maioria dos casos, por não serem exportadores, não tiveram como compensar esse aperto de margem”, diz.

Variação perfil da mão de obra


Fonte: Cepea e CNA, com base em PnadC e Pnad (IBGE), Rais e metodologia própria. *Completo ou incompleto.

Um fator considerado positivo por Nicole é que, tal como no agregado da economia brasileira, há um aumento consistente da escolaridade média dos trabalhadores do agronegócio (leia mais em Ganhos Reais, na Conjuntura Econômica de maio). “Diferentemente de outros indicadores que oscilam na última década, no nível médio de instrução a tendência de alta é bastante forte”, diz. No segundo trimestre, a população ocupada com nível superior cresceu 6,3% (para 4,2 milhões) em relação ao segundo tri de 2022, contra uma queda de 3,6% entre aqueles apenas com ensino fundamental completo ou não (para 11,4 milhões). Também melhorou, nesse período, o perfil do emprego, com aumento dos trabalhadores com carteira assinada (5,9%, para 9,2 milhões), além de uma queda no trabalho por conta própria (-5,4%, para 6,9 milhões). “No caso dos conta-própria, temos conversado com pesquisadores de outras instituições para entender melhor esse comportamento, pois o dado do IBGE tem um limite até onde podemos analisar. Uma possibilidade é de que produtores pequenos que não conseguiram comercializar sua produção se tornam agricultura de subsistência, ficando fora do mercado de um ano para o outro.”

Participação (%) da população ocupada no agro no total do Brasil


Fonte: Cepea e CNA, com base em PnadC e Pnad (IBGE), Rais e metodologia própria.

Mesmo com o aumento da participação dos agrosserviços, impulsionado por maiores produções que precisam ser comercializadas e movimentadas  até seus compradores, e do nível recorde da população ocupada no agronegócio registrado recentemente, o percentual da população ocupada no agro em relação ao total brasileiro continua decrescente, saindo de 29,2% no segundo tri de 2013 para 26,9% para o segundo tri deste ano. Nicole afirma que para uma contenção dessa linha o fiel da balança é a agroindústria, que registrou retração de 0,9% entre o segundo tri de 2023 e 2022. “Seja em termos de PIB, seja em termos de população ocupada, nesse período que analisamos, desde 2012, a agroindústria andou de lado, teve mais dificuldades do que esperávamos. Se a agroindústria crescesse como queremos que ela cresça, seria um importante caminho para compensar a perda líquida de empregos no campo”, diz.

Para que isso aconteça adiante, Nicole aponta que o primeiro fator é a recuperação do crescimento da economia brasileira, posto que  “boa parte das grandes empregadoras têm perfil mais focado no mercado doméstico”, diz. “Além disso, temos o desafio da agenda comercial, posto que enfrentamos restrições de vários países para exportação de produtos processados, algo que deve ser devidamente negociado, como incentivo para ampliar a agroindustrialização brasileira”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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