Redução de jornada: maior benefício para trabalhadores com mais escolaridade e maior impacto em algumas atividades de serviços

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Pesquisadores do FGV IBRE deram nova contribuição para as discussões sobre redução da jornada de trabalho no Brasil. O tema ganhou destaque diante do forte apoio popular ao projeto de emenda constitucional (PEC) da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe uma diminuição das atuais 44 horas semanais para 36 horas, sem mudanças na remuneração.

O levantamento realizado por Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti mostra que, apesar de a PEC ter apelo especialmente entre trabalhadores com menos escolaridade e salários mais baixos, os principais beneficiários caso a proposta seja aprovada mantendo a remuneração total seriam os trabalhadores com ensino médio completo e superior incompleto, seguidos daqueles com superior completo.

Essa diferença se dá pelo fato de que trabalhadores com menos escolaridade são aqueles cuja jornada semanal média mais se aproxima das 36 horas propostas na PEC – dado que também foge ao senso comum. Barbosa explica que no Brasil a jornada média de trabalho já é inferior ao teto legal de 44 horas semanais. Em 2024, foi de 38,4 horas. “A redução da jornada média é uma tendência observada desde os anos 1980”, destaca. Em 2012, por exemplo, essa média era de 39,1 horas para o total da população ocupada. O pesquisador afirma que a média menor de horas trabalhadas entre os menos escolarizados embute questões como maior incidência de trabalha em tempo parcial e arranjos informais, o que reforça o diagnóstico, diz, de que a proposta de redução de jornada afete positivamente o grupo de menor escolaridade, e geralmente menor salário.

Jornada de trabalho efetiva por nível de escolaridade
(média semanal, em horas)

 

Distribuição (%) da população ocupada, por escolaridade (2024)

 

Qual elevação de renda (%) se pode esperar com mudança para 36 horas semanais sem redução proporcional do salário, por escolaridade


Fonte: FGV IBRE, com dados da PNAD Contínua, IBGE.

Cálculos dos pesquisadores sobre o impacto que essa mudança teria nos salários indica uma valorização de 9% na remuneração por hora efetiva trabalhada ao grupo com ensino médio completo ou superior incompleto; na ponta oposta está aqueles sem instrução ou fundamental incompleto teriam ganhos de apenas 0,7%.

Os pesquisadores também apontam que o impacto da PEC nas empresas varia significativamente, conforme a atividade. Entre os mais afetados estão os setores de transporte, com perda de valor agregado de 14,2% e o comércio, que teria uma contração de 12,2%. Os menos afetados, de acordo ao exercício de Barbosa e Peruchetti, estão na categoria outros serviços (-1,7%) e administração pública (-1,4%). “Em alguns segmentos, investimento em tecnologia pode compensar, e essa adaptação implicará menos emprego. Em outras, entretanto, essa margem de adaptação é menor”, diz Barbosa.

Impactos setoriais


Fonte: FGV IBRE, com dados da PNAD-C.

O pesquisador reforça a mensagem recorrente entre os pesquisadores do Observatório de Produtividade Regis Bonelli de que não há atalho para o crescimento de PIB e da renda per capita sem aumento da produtividade do trabalho. “Observamos ganhos de produtividade no Brasil no período de maior migração de trabalhadores do campo para as cidades, entre os anos 1960 e 1970; depois tivemos outro salto com o aprofundamento do capital por trabalhador, traduzido em máquinas e tecnologia”, diz, citando o período de dominância da política de substituição de importações. Outra forma de ampliar a produtividade é com o aumento da oferta de trabalhadores, com o chamado bônus demográfico, quando o Brasil tinha uma concentração da população na faixa etária em idade para trabalhar, que está se esgotando. “Há estudos que mostram que o aumento da parcela da população em idade economicamente ativa contribuiu com mais de 1% do PIB, na média, entre 1980 e 2010”, descreve. “O que sobra agora: a produtividade do trabalhador”, conclui, destacando, para isso, a importância da educação, do treinamento e das experiências laborais, que formam o chamado capital humano. “Quando se diz que a redução de jornada pode ampliar a produtividade, isso acontece em questões pontuais, como redução de absenteísmo devido à menor incidência de faltas de trabalhadores que precisam resolver questões pessoais em horário de trabalho. Mas isso não implica que todos os trabalhadores produzirão o mesmo reduzindo a jornada em torno de 20%”, afirma.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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