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“Quanto mais tempo o dólar se mantiver no atual patamar, maior o risco de espalhamento da inflação”, afirma André Braz

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de junho, divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE, avançou em 0,39%, puxado especialmente pelo grupo alimentação e bebidas, que respondeu por 0,21 ponto percentual. André Braz, coordenador do Índice de Preços do FGV IBRE, destacou que o resultado foi alinhado à projeção do IBRE para a prévia de junho, de 0,4%. “A surpresa, para nós, foi a inflação de alimentação em Porto Alegre (alta de 3% de acordo ao IBGE), que veio abaixo do indicado por nossa coleta. Se a capital gaúcha tivesse maior participação no cômputo nacional, certamente haveria maior diferença entre os resultados”, diz.

Braz afirma que o IPCA-15 de junho reforça a tendência de que o comportamento dos alimentos não será tão benigno em 2024 quanto no ano passado. “Vale lembrar que em 2023 o IPCA registrou uma sequência de deflações para alimentos no domicílio durante quatro meses consecutivos (a partir de junho), e estas foram em média de 1%. Este ano, mesmo que haja mais estabilidade de preço nos próximos meses, é um cenário muito diferente do de 2023”, diz. “No ano passado, os preços de alimentação fecharam o ano em queda, contribuindo para uma inflação menor; este ano, a contrário, ela terá mais espaço para responder pelo acumulado da inflação.”

Inflação de alimentação do domicílio-15 (mensal)


Fonte: IBGE. Elaboração: BRCG.

O economista do IBRE ressalta que a manutenção da Selic em um patamar mais alto por mais tempo – a Ata do Copom divulgada nesta terça-feira (25/6) destacou que não há sinais de novos cortes, e que estes “serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta” – pouco pode colaborar para combater essa pressão de preços fruto de um choque de oferta. “É uma inflação que nasce de safras prejudicadas”, afirma. “Temos nos focado no Sul, se a região poderá ofertar a quantidade de alimentos que normalmente oferta, mas não podemos nos esquecer da seca que afeta o Centro-Oeste, e que deve comprometer a oferta de grãos”, diz, lembrando que estes também são base da produção pecuária, pois alimentam frangos e suínos. O campo em que a Selic deverá operar, completa, é nos serviços, que tendem a se manter aquecidos graças ao bom momento do mercado de trabalho, com crescimento da massa salarial.

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, ressalta a significativa redução da inflação de serviços em junho quando comparada ao mesmo período de 2023, “ainda que fique evidente a grande contribuição da deflação (de -9,8%) em passagens aéreas, completamente fora do esperado pelo mercado”. Por outro lado, destaca o avanço dos preços administrados (0,4% no mês), com destaque para energia elétrica residencial e farmacêuticos. “Parece razoável admitir que o processo de redução da inflação de preços administrados será mais desafiador daqui em diante, mesmo com combustíveis que seguem ‘ajudados’ pelas políticas da Petrobras”, afirma. No geral, a conclusão de Ribeiro converge para um cenário com pouco espaço para queda da inflação até o final do ano, ainda que não identifique risco de que o IPCA ultrapasse 4,5%, que é o teto do intervalo da meta.

Braz ressalta o efeito do aumento da incerteza no comportamento do câmbio – em especial no campo doméstico, quanto à política fiscal e à sucessão no Banco Central –, com o dólar fechando esta quarta-feira (26/6) em R$ 5,51, com valorização de 13,73% desde o início do ano.   “É preocupante, porque muitas commodities são cotadas em dólar, e isso pode virar inflação. Além disso, quanto mais tempo o dólar permanecer nesse patamar, mais aumenta o risco de que essa inflação se espalhe para outros setores”, afirma. Por ora, entretanto, Braz reitera que a inflação que vem se materializando se concentra do lado da oferta, muito associada a questões climáticas e seu impacto nos alimentos, para o que a política monetária tem pouco efeito. “O melhor a fazer, de qualquer forma, é manter o juro onde ele está”, diz, lembrando que, sem reduzir as incertezas tanto no campo doméstico quanto no externo, tampouco o câmbio dará trégua.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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