Projetos acendem debate sobre viabilidade da expansão da tarifa zero em ônibus urbanos no Brasil
-
Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na sexta-feira (3/10), a Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG) votará um projeto de lei que prevê gratuidade para o transporte de ônibus público na cidade (Atualização: a proposta foi rejeitada, por um placar de 30 votos contra 10). No projeto, o financiamento do sistema se daria a partir de uma contribuição mensal de empresas com mais de dez funcionários, modelo inspirado em experiência francesa, e que no caso da capital mineira resultaria em desembolso de cerca de R$ 185 por trabalhador. A estimativa de arrecadação com essa taxa é de R$ 2 bilhões por ano, valor 10% acima do atual custo de manutenção do sistema, que seriam aplicados na modernização e ampliação da frota. Uma das vantagens apontadas pelos defensores do projeto é a de que o fim do desconto de até 6% de vale-transporte no salário dos trabalhadores representaria mais recursos para dinamizar a economia.
A resistência ao tarifa-zero é grande entre empresários e no próprio Executivo. Um dos argumentos é a potencial fuga de empresas para a região metropolitana, na fronteira com a capital. A movimentação, entretanto, já reverberou no governo federal, que avalia incluir o tema em sua pauta. Se aprovado, a capital mineira será a primeira do Brasil a zerar a tarifa do ônibus coletivo. Além de Belo Horizonte, outro município mineiro também está na lista para se tornar um marco nesse tema: Juiz de Fora. Com um projeto do governo municipal protocolado na Câmara em meados do ano, a cidade pleiteia o posto de ser a primeira no Brasil com mais de 500 mil habitantes a operar a gratuidade. O modelo de financiamento previsto é similar ao de BH: uma tarifa técnica – estimada em R$ 250 – cobrada mensalmente de empresas públicas e privadas com mais de 10 funcionários, proporcionalmente ao número de trabalhadores, que alimentaria um fundo municipal. Por ora, a tramitação do projeto está parada, à espera de apresentação de estudo orçamentário, em elaboração pela Universidade Federal de Juiz de Fora. De acordo à Prefeitura, a tarifa zero tem potencial de ampliar o PIB da cidade em 10%, impulsionando especialmente o comércio.
Em artigo publicado na Conjuntura Econômica de setembro (leia aqui), o economista do BNDES Marcelo Miterhof analisou o aumento da adesão ao transporte coletivo gratuito por cidades brasileiras. Levantamento da Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU) indica que, até 2020, 40 municípios tinham tarifa zero para ônibus; em maio de 2025, eram 127 – número que chega a 154 se consideradas gratuidades parciais. Atualmente, o município mais populoso que aplica essa gratuidade é Caucaia (CE), com 362 mil habitantes. “A tarifa zero ainda é um tema tratado com certa resistência, mas hoje quase metade (47%) da população brasileira vive em cidades que subsidiam esse transporte”, compara.
Miterhof destaca que o problema de financiamento do transporte público urbano é global, e se intensificou desde a pandemia devido ao aumento da participação do transporte por aplicativo. “Esse modelo é particularmente ruim para o transporte coletivo por capturar principalmente as corridas mais curtas”, diz, lembrando que para se financiar o sistema de tarifa única depende de um subsídio cruzado entre o passageiro de viagens curtas e aqueles que fazem longos trajetos de ônibus. “Ao perder esses passageiros, essas operações ficaram sob risco, o que levou ao aumento tanto das cidades com tarifa zero quanto aquelas com subsídios”, diz, em conversa para o Blog.
Levantamento do urbanista da UFMG Roberto Andrés indica que e maior de 2025 o número de cidades no mundo com tarifa zero beirava 400, o que leva o Brasil a concentrar a terça parte desse grupo. “Trata-se de uma resposta positiva a um problema de sustentabilidade que já existia, e foi se agravando.” Hoje, esses subsídios, totais ou parciais, são basicamente orçamentários. “Dessa forma, por mais meritório que seja, o transporte acaba concorrendo com outras demandas importantes”, afirma, defendendo a importância de se debater formas mais adequadas de financiamento. Do ponto de vista econômico, Miterhof defende que a forma ideal de arrecadação para financiamento dos ônibus coletivos seria via imposto seletivo, taxando combustíveis fósseis em nível federal, como com uma Cide-Combustíveis. “Ainda que aumento de impostos seja um tema impopular, trata-se de uma pauta que tem ganhado apoio em diferentes espectros políticos”, afirma. A partir desse empurrão na instância federal, pode-se avaliar a previsão de uma contrapartida municipal, cujo financiamento pode ser equacionado tal como as cidades mineiras estão propondo ou com desenhos que levem ao optante pelo transporte individual a arcar com o ônus ambiental e urbano de sua escolha via pedágios ou cobrança de estacionamento nas ruas, cita Miterhof.
Um elemento que joga a favor dessas soluções, diz o economista, é a mudança no modelo de negócio desses transportes, que nas duas últimas décadas tem passado de serviços permissionários a concessões. “É fato que nem sempre concessões são sinônimo de estímulo a concorrência, posto que para se operar um serviço de ônibus coletivos são necessárias estruturas como para garagens. Mas hoje já é possível criar mecanismos em que os prestadores de serviços arrendem frotas para operar”, cita Miterhof, indicando que tais arranjos possibilitam a exigência de padrões de qualidade e melhora na prestação dos serviços.
Miterhof destaca que a gratuidade para ônibus pode não ser viável para cidades de grande porte, que ofertam outras alternativas de transporte coletivo e têm de gerir conexões metropolitanas. “O fundamental, em todos os casos, é garantir um sistema bem subsidiado, não necessariamente gratuito, que garanta eficiência e qualidade”, diz. “Esse é um movimento necessário, que garante a sustentabilidade de um sistema importante para as cidades, e que com soluções adequadas pode resultar em uma série de benefícios, seja em melhora do tráfego, redução de emissões, e mesmo alívio de renda. No caso das cidades com tarifa zero, a economia gerada para famílias de baixa renda pode se assemelhar à de um benefício social. Imagine o que significa, por exemplo, uma economia de R$ 200 por pessoa em uma família com renda mensal de R$ 5 mil?”
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


